sábado, 11 de agosto de 2012

CONCLUSÃO


CONCLUSÃO
I
Quem, de magnetismo terrestre, apenas conhecesse o brinquedo dos patinhos
imantados que, sob a ação do imã, se movimentam em todas as direções numa bacia com
água, dificilmente poderia compreender que ali está o segredo do mecanismo do Universo e
da marcha dos mundos. O mesmo se dá com quem, do Espiritismo, apenas conhece o
movimento das mesas, em o qual só vê um divertimento, um passatempo, sem compreender
que esse fenômeno tão simples e vulgar, que a antigüidade e até povos semi-selvagens
conheceram, possa ter ligação com as mais graves questões da ordem social. Efetivamente,
para o observador superficial, que relação pode ter com a moral e o futuro da Humanidade
uma mesa que se move? Quem quer, porém, que reflita se lembrará de que de uma simples
panela a ferver e cuja tampa se erguia continuamente, fato que também ocorre desde toda a
antigüidade, saiu o possante motor com que o homem transpõe o espaço e suprime as
distâncias.
Pois bem! Sabei, vós que não credes senão no que pertence ao mundo material, que
dessa mesa, que gira e vos faz sorrir desdenhosamente, saiu uma ciência, assim como a
solução dos problemas que nenhuma filosofia pudera ainda resolver. Apelo para todos os
adversários de boa-fé e os adjuro a que digam se se deram ao trabalho de estudar o que
criticam. Porque, em boa lógica, a crítica só tem valor quando o crítico é conhecedor
daquilo de que fala. Zombar de uma coisa que se não conhece, que se não sondou com o
escalpelo do observador consciencioso, não é criticar, é dar prova de leviandade e
triste mostra de falta de critério. Certamente que, se houvéssemos apresentado esta filosofia
como obra de um cérebro humano, menos desdenhoso tratamento encontraria e teria
merecido as honras do exame dos que pretendem dirigir a opinião. Vem ela, porém, dos
Espíritos. Que absurdo! Mal lhe dispensam um simples olhar. Julgam-na pelo título, como
o macaco da fábula julgava da noz pela casca.
Fazei, se quiserdes, abstração da sua origem. Suponde que este livro é obra de um
homem e dizei, do íntimo e em consciência, se, depois de o terdes lido seriamente, achais
nele matéria para zombaria.
II
O Espiritismo é o mais terrível antagonista do materialismo. Não é, pois, de admirar
que tenha por adversários os materialistas. Mas, como o materialismo é uma doutrina cujos
adeptos mal ousam confessar que o são (prova de que não se consideram muito fortes e têm
a dominá-los a consciência), eles se acobertam com o manto da razão e da ciência. E, coisa
estranha, os mais cépticos chegam a falar em nome da religião, que não conhecem e não
compreendem melhor que ao Espiritismo. Por ponto de mira tomam o maravilhoso e o
sobrenatural, que não admitem. Ora, dizem, pois que o Espiritismo se funda no
maravilhoso, não pode deixar de ser uma suposição ridícula. Não refletem que,
condenando, sem restrições, o maravilhoso e o sobrenatural, também condenam a religião.
Com efeito, a religião se funda na revelação e nos milagres. Ora, que é a revelação,
senão um conjunto de comunicações extraterrenas? Todos os autores sagrados, desde
Moisés, têm falado dessa espécie de comunicações. Que são os milagres, senão fatos
maravilhosos e sobrenaturais, por excelência, visto que, no sentido litúrgico, constituem
derrogações das leis da Natureza? Logo, rejeitando o maravilhoso e o sobrenatural, eles
rejeitam as bases mesmas da religião. Não é deste ponto de vista, porém, que devemos
encarar a questão.
Ao Espiritismo não compete examinar se há ou não milagres, isto é, se em certos
casos houve Deus por bem derrogar as leis eternas que regem o Universo. Permite, a este
respeito, inteira liberdade de crença. Diz e prova que os fenômenos em que se baseia, de
sobrenaturais só têm a aparência. E parecem tais a algumas pessoas, apenas porque são
insólitos e diferentes dos fatos conhecidos. Não são, contudo, mais sobrenaturais do que
todos os fenômenos, cuja explicação a Ciência hoje dá e que parecem maravilhosos noutra
época. Todos os fenômenos espíritas, sem exceção, resultam de leis gerais. Revelam-nos
uma das forças da Natureza, força desconhecida, ou, por melhor dizer, incompreendida até
agora, mas que a observação demonstra estar na ordem das coisas.
Assim, pois, o Espiritismo se apóia menos no maravilhoso e no sobrenatural do que
a própria religião. Conseguintemente, os que o atacam por esse lado mostram que o não
conhecem e, ainda quando fossem os maiores sábios, lhes diríamos: se a vossa ciência, que
vos instruiu em tantas coisas, não vos ensinou que o domínio da Natureza é infinito, sois
apenas meio sábios.
III
Dizeis que desejais curar o vosso século de uma mania que ameaça invadir o
mundo. Preferiríeis que o mundo fosse invadido pela incredulidade que procurais propagar?
A que se deve atribuir o relaxamento dos laços de família e a maior parte das desordens que
minam a sociedade, senão à ausência de toda crença? Demonstrando a existência e a
imortalidade da alma, o Espiritismo reaviva a fé no futuro, levanta os ânimos abatidos, faz
suportar com resignação as vicissitudes da vida. Ousaríeis chamar a isto um mal? Duas
doutrinas se defrontam: uma, que nega o futuro; outra, que lhe proclama e prova a
existência; uma, que nada explica, outra, que explica tudo e que, por isso mesmo, se dirige
à razão; uma, que é a sanção do egoísmo; outra, que oferece base à justiça, à caridade e ao
amor do próximo. A primeira somente mostra o presente e aniquila toda esperança; a
segunda consola e desvenda o vasto campo do futuro. Qual a mais preciosa?
Algumas pessoas, dentre as mais cépticas, se fazem apóstolos da fraternidade e do
progresso. Mas, a fraternidade pressupõe desinteresse, abnegação da personalidade. Com
que direito impondes um sacrifício àquele a quem dizeis que, com a morte, tudo se lhe
acabará; que amanhã, talvez, ele não será mais do que uma velha máquina desmantelada e
atirada ao monturo? Que razões terá ele para impor a si mesmo uma privação qualquer?
Não será mais natural que trate de viver o melhor possível, durante os breves instantes que
lhe concedeis? Daí o desejo de possuir muito para melhor gozar. Do desejo nasce a inveja
dos que possuem mais e, dessa inveja à vontade de apoderar-se do que a estes pertence, o
passo é curto. Que é que o detém? A lei? A lei, porém, não abrange todos os casos. Direis
que a consciência, o sentimento do dever. Mas, em que baseias o sentimento do dever? Terá
razão de ser esse sentimento, de par com a crença de que tudo se acaba com a vida? Onde
essa crença exista, uma só máxima é racional: cada um por si, não passando de vãs palavras
as idéias de fraternidade, de consciência, de dever, de humanidade, mesmo de progresso.
Oh! Vós que proclamais semelhantes doutrinas, não sabeis quão grande é o mal que
fazeis à sociedade, nem de quantos crimes assumis a responsabilidade! Para o céptico, tal
coisa não existe. Só à matéria rende ele homenagem.
IV
O progresso da Humanidade tem seu princípio na aplicação da lei de justiça, de
amor e de caridade, lei que se funda na certeza do futuro. Tirai-lhe essa certeza e lhe tirareis
a pedra fundamental. Dessa lei derivam todas as outras, porque ela encerra todas as
condições da felicidade do homem. Só ela pode curar as chagas da sociedade. Comparando as idades e os povos, pode ele avaliar quanto a sua condição melhora, à medida que essa lei vai sendo mais bem compreendida e praticada. Ora, se, aplicando-a parcial e incompletamente, aufere o homem tanto bem, que não conseguirá quando fizer dela a base de todas as suas instituições sociais! Será isso possível? Certo,
porquanto, desde que ele já deu dez passos, possível lhe é dar vinte e assim por diante.
Do futuro se pode, pois, julgar pelo passado. Já vemos que pouco a pouco se
extinguem as antipatias de povo para povo. Diante da civilização, diminuem as barreiras
que os separavam. De um extremo a outro do mundo, eles se estendem as mãos. Maior
justiça preside à elaboração das leis internacionais. As guerras se tornam cada vez mais
raras e não excluem os sentimentos de humanidade. Nas relações, a uniformidade se vai
estabelecendo. Apagam-se as distinções de raças e de castas e os que professam crenças
diversas impõem silêncio aos prejuízos de seita, para se confundirem na adoração de um
único Deus. Falamos dos povos que marcham à testa da civilização. (789-793)
A todos estes respeitos, no entanto, longe ainda estamos da perfeição e muitas ruínas
antigas, ainda se têm que abater, até que não restem mais vestígios da barbaria. Poderão
acaso essas ruínas sustentar-se contra a força irresistível do progresso, contra essa força
viva que é, em si mesma, uma lei da Natureza? Sendo a geração atual mais adiantada do
que a anterior, por que não o será mais do que a presente a que lhe há de suceder? Sê-lo-á,
pela força das coisas. Primeiro, porque, com as gerações, todos os dias se extinguem alguns
campeões dos velhos abusos, o que permite à sociedade formar-se de elementos novos,
livres dos velhos preconceitos. Em segundo lugar, porque, desejando o progresso, o homem
estuda os obstáculos e se aplica a removê-los.
Desde que é incontestável o movimento progressivo, não há que duvidar do
progresso vindouro. O homem quer ser feliz e é natural esse desejo. Ora, buscando
progredir, o que ele procura é aumentar a soma da sua feli cidade, sem o que o progresso careceria de objeto. Em que consistiria para ele o progresso, se lhe não devesse melhorar a posição?
Quando, porém, conseguir a soma de gozos que o progresso intelectual lhe pode
proporcionar, verificará que não está completa a sua felicidade. Reconhecerá ser esta
impossível, sem a segurança nas relações sociais, segurança que somente no progresso
moral lhe será dado achar. Logo, pela força mesma das coisas, ele próprio dirigirá o
progresso para essa senda e o Espiritismo lhe oferecerá a mais poderosa alavanca para
alcançar tal objetivo.
V
Os que dizem que as crenças espíritas ameaçam invadir o mundo, proclamam, ipso
facto, a força do Espiritismo, porque jamais poderia tornar-se universal uma idéia sem
fundamento e destituída de lógica. Assim, se o Espiritismo se implanta por toda parte, se,
principalmente nas classes cultas, recruta adeptos, como todos facilmente reconhecerão, é
que tem um fundo de verdade. Baldados, contra essa tendência, serão todos os esforços dos
seus detratores e a prova é que o próprio ridículo, de que procuram cobri-lo, longe de lhe
amortecer o ímpeto, parece ter-lhe dado novo vigor, resultado que plenamente justifica o
que repetidas vezes os Espíritos hão dito: “Não vos inquieteis com a oposição; tudo o que
contra vós fizerem se tornará o vosso favor e os vossos maiores adversários, sem o
quererem, servirão à vossa causa. Contra a vontade de Deus não poderá prevalecer a mávontade
dos homens.”
Por meio do Espiritismo, a Humanidade tem que entrar numa nova fase, a do
progresso moral que lhe é conseqüência inevitável. Não mais, pois, vos espanteis da rapidez
com que as idéias espíritas se propagam. A causa dessa celeridade reside na satisfação que
trazem a todos os que as aprofundam e que nelas vêem alguma coisa mais do que fútil
passatempo.. Ora, como cada um o que acima de tudo quer é a sua felicidade, nada há de surpreendente em que cada um se apegue a uma idéia que faz ditosos os que a esposam.
Três períodos distintos apresenta o desenvolvimento dessas idéias: primeiro, o da
curiosidade, que a singularidade dos fenômenos produzidos desperta; segundo, o do
raciocínio e da filosofia; terceiro, o da aplicação e das conseqüências. O período da
curiosidade passou; a curiosidade dura pouco. Uma vez satisfeita, muda de objeto. O
mesmo não acontece com o que desafia a meditação séria e o raciocínio. Começou o
segundo período, o terceiro virá inevitavelmente.
O Espiritismo progrediu principalmente depois que foi sendo mais bem
compreendido na sua essência íntima, depois que lhe perceberam o alcance, porque tange a
corda mais sensível do homem: a da sua felicidade, mesmo neste mundo. Aí a causa da sua
propagação, o segredo da força que o fará triunfar. Enquanto a sua influência não atinge as
massas, ele vai felicitando os que o compreendem. Mesmo os que nenhum fenômeno têm
testemunhado, dizem: à parte esses fenômenos, há a filosofia, que me explica o que
NENHUMA OUTRA me havia explicado. Nela encontro, por meio unicamente do
raciocínio, uma solução racional para os problemas que no mais alto grau interessam ao
meu futuro. Ela me dá calma, firmeza, confiança; livra-me do tormento da incerteza. Ao
lado de tudo isto, secundária se torna a questão dos fatos materiais.
Quereis, vós todos que o atacais, um meio de combatê-lo com êxito? Aqui o tendes.
Substituí-o por alguma coisa melhor; indicai solução MAIS FILOSÓFICA para todas as
questões que ele resolveu; dai ao homem OUTRA CERTEZA que o faça mais feliz, porém
compreendei bem o alcance desta palavra certeza, porquanto o homem não aceita, como
certo, senão o que lhe parece lógico. Não vos contenteis com dizer: isto não é assim;
demasiado fácil é semelhante afirmativa. Provai, não por negação, mas por fatos, que isto
não é real, nunca o foi e NÃO PODE ser. Se não é, dizei o que o é, em seu lugar. Provai,
finalmente, que as conseqüências do Espiritismo não são tornar melhor o homem e, portanto,
mais feliz, pela prática da mais pura moral evangélica, moral a que se tecem muitos
louvores, mas que muito pouco se pratica. Quando houverdes feito isso, tereis o direito de o
atacar.
O Espiritismo é forte porque assenta sobre as próprias bases da religião; Deus, a
alma, as penas e as recompensas futuras; sobretudo, porque mostra que essas penas e
recompensas são corolários naturais da vida terrestre e, ainda, porque, no quadro que
apresenta do futuro, nada há que a razão mais exigente possa recusar.
Que compensação ofereceis aos sofrimentos deste mundo, vós cuja doutrina consiste
unicamente na negação do futuro? Enquanto vos apoiais na incredulidade, ele se apóia na
confiança em Deus; ao passo que convida os homens à felicidade, à esperança, à verdadeira
fraternidade, vós lhes ofereceis o nada por perspectiva e o egoísmo por consolação. Ele
tudo explica, vós nada explicais. Ele prova pelos fatos, vós nada provais. Como quereis que
se hesite entre as duas doutrinas?
VI
Falsíssima idéia formaria do Espiritismo quem julgasse que a sua força lhe vem da
prática das manifestações materiais e que, portanto, obstando-se a tais manifestações, se lhe
terá minado a base. Sua força está na sua filosofia, no apelo que dirige à razão, ao bomsenso.
na antigüidade, era objeto de estudos misteriosos, que cuidadosamente se ocultavam
do vulgo. Hoje, para ninguém tem segredos. Fala uma linguagem clara, sem ambigüidades.
Nada há nele de místico, nada de alegorias susceptíveis de falsas interpretações. Quer ser
por todos compreendido, porque chegados são os tempos de fazer-se que os homens
conheçam a verdade. Longe de se opor à difusão da luz, deseja-a para todo o mundo. Não
reclama crença cega; quer que o homem saiba por que crê. Apoiando-se na razão, será
sempre mais forte do que os que se apóiam no nada.
Os obstáculos que tentassem oferecer à liberdade das manifestações poderiam pôrlhe
fim? Não, porque produziriam o efeito de todas as perseguições: o de excitar a
curiosidade e o desejo de conhecer o que foi proibido. De outro lado, se as manifestações
espíritas fossem privilégio de um único homem, sem dúvida que, segregado esse homem, as
manifestações cessariam. Infelizmente para os seus adversários, elas estão ao alcance de
toda gente e todos a elas recorrem, desde o mais pequenino até o mais graduado, desde o
palácio até a mansarda. Poderão proibir que sejam obtidas em público. Sabe-se, porém,
precisamente que em público não é onde melhor se dão e sim na intimidade. Ora, podendo
todos ser médiuns, quem poderá impedir que uma família, no seu lar; um indivíduo, no
silêncio de seu gabinete; o prisioneiro, no seu cubículo, entrem em comunicação com os
Espíritos, a despeito dos esbirros e mesmo na presença deles? Se as proibirem num país,
poderão obstar a que se verifiquem nos países vizinhos, no mundo inteiro, uma vez que nos
dois hemisférios não há lugar onde não existam médiuns? Para se encarcerarem todos os
médiuns, preciso fora que se encarcerasse a metade do gênero humano. Chegassem mesmo,
o que não seria mais fácil, a queimar todos os livros espíritas e no dia seguinte estariam
reproduzidos, porque inatacável é a fonte donde dimanam e porque ninguém pode
encarcerar ou queimar os Espíritos, seus verdadeiros autores.
O Espiritismo não é obra de um homem. Ninguém pode inculcar-se como seu
criador, pois tão antigo é ele quanto a criação. Encontramo-lo por toda parte, em todas as
religiões, principalmente na religião Católica e aí com mais autoridade do que em todas as
outras, porquanto nela se nos depara o princípio de tudo que há nele: os Espíritos em todos
os graus de elevação, suas relações ocultas e ostensivas com os homens, os anjos guardiães,
a reencarnação, a emancipação da alma durante a vida, a dupla vista, todos os gêneros de
manifestações, as aparições e até as aparições tangíveis. Quanto aos demônios, esses não
são senão os maus Espíritos e, salvo a crença de que aqueles foram destinados a permanecer perpetuamente no mal, ao passo que a senda do progresso se conserva aberta aos segundos, não há entre uns e outros mais do que simples diferença de nomes.
Que faz a moderna ciência espírita? Reúne em corpo de doutrina o que estava
esparso: explica, com os termos próprios, o que só era dito em linguagem alegórica; poda o
que a superstição e a ignorância engendraram, para só deixar o que é real e positivo. Esse o
seu papel! O de fundadora não lhe pertence. Mostra o que existe, coordena, porém não cria,
por isso que suas bases são de todos os tempos e de todos os lugares. Quem, pois, ousaria
considerar-se bastante forte para abafá-la com sarcasmos, ou, ainda, com perseguições? Se
a proscreverem de um lado, renascerá noutras partes, no próprio terreno donde a tenham
banido, porque ela está em a Natureza e ao homem não é dado aniquilar uma força da
Natureza, nem opor veto aos decretos de Deus.
Que interesse, aos demais, haveria em obstar-se a propagação das idéias espíritas? É
exato que elas se erguem contra os abusos que nascem do orgulho e do egoísmo. Mas, se é
certo que desses abusos há quem aproveite, à coletividade humana eles prejudicam. A
coletividade, portanto, será favorável a tais idéias, contando-se-lhes por adversários sérios
apenas os interessados em manter aqueles abusos. As idéias espíritas, ao contrário, são um
penhor de ordem e tranqüilidade, porque, pela sua influência, os homens se tornam
melhores uns para com os outros, menos ávidos das coisas materiais e mais resignados aos
decretos da Providência.
VII
O Espiritismo se apresenta sob três aspectos diferentes: o das manifestações, o dos
princípios e da filosofia que delas decorrem e o da aplicação desses princípios. Daí, três
classes, ou, antes, três graus de adeptos: 1° os que crêem nas manifestações e se limitam a
comprová-las; para esses, o Espiritismo é uma ciência experimental; 2° os que lhe percebem as
conseqüências morais; 3° os que praticam ou se esforçam por praticar essa moral. Qualquer
que seja o ponto de vista, científico ou moral, sob que considerem esses estranhos
fenômenos, todos compreendem constituírem eles uma ordem, inteiramente nova, de idéias
que surge e da qual não pode deixar de resultar uma profunda modificação no estado da
Humanidade e compreendem que essa modificação não pode deixar de operar-se no sentido
do bem.
Quanto aos adversários, também podemos classificá-los em três categorias. 1ª - A
dos que negam sistematicamente tudo o que é novo, ou deles não venha, e que falam sem
conhecimento de causa. A esta classe pertencem todos os que não admitem senão o que
possa ter o testemunho dos sentidos. Nada viram, nada querem ver e ainda menos
aprofundar. Ficariam mesmo aborrecidos se vissem as coisas muito claramente, porque
forçoso lhes seria convir em que não têm razão. Para eles, o Espiritismo é uma quimera,
uma loucura, uma utopia, não existe: está dito tudo. São os incrédulos de caso pensado. Ao
lado desses, podem colocar-se os que não se dignam de dar aos fatos a mínima atenção,
sequer por desencargo de consciência, a fim de poderem dizer: Quis ver e nada vi. Não
compreendem que seja preciso mais de meia hora para alguém se inteirar de uma ciência. 2ª
- A dos que, sabendo muito bem o que pensar da realidade dos fatos, os combatem, todavia,
por motivos de interesse pessoal. Para estes, o Espiritismo existe, mas lhes receiam as
conseqüências. Atacam-no como a um inimigo. 3ª - A dos que acham na moral espírita
censura por demais severa aos seus atos ou às suas tendências. Tomado ao sério, o
Espiritismo os embaraçaria; não o rejeitam, nem o aprovam: preferem fechar os olhos. Os
primeiros são movidos pelo orgulho e pela presunção; os segundos, pela ambição; os
terceiros, pelo egoísmo. Concebe-se que, nenhuma solidez tendo, essas causas de oposição
venham a desaparecer com o tempo, pois em vão procuraríamos uma quarta classe de antagonistas, a dos que em patentes provas contrárias se apoiassem demonstrando estudo laborioso e porfiado da questão. Todos apenas opõem a negação, nenhum aduz demonstração, séria e irrefutável.
Fora presumir da natureza humana supor que ela possa transformar-se de súbito, por
efeito das idéias espíritas. A ação que estas exercem não é certamente idêntica, nem do
mesmo grau, em todos os que as professam. Mas, o resultado dessa ação, qualquer que seja,
ainda que extremamente fraco, representa sempre uma melhora. Será, quando menos, o de
dar a prova da existência de um mundo extracorpóreo, o que implica a negação das
doutrinas materialistas. Isto deriva da só observação dos fatos, porém, para os que
compreendem o Espiritismo filosófico e nele vêem outra coisa, que não somente fenômenos
mais ou menos curiosos, diversos são os seus efeitos.
O primeiro e mais geral consiste e desenvolver o sentimento religioso até naquele
que, sem ser materialista, olha com absoluta indiferença para as questões espirituais. Daí
lhe advém o desprezo pela morte. Não dizemos o desejo de morrer; longe disso, porquanto
o espírita defenderá sua vida como qualquer outro, mas uma indiferença que o leva a
aceitar, sem queixa, nem pesar, uma morte inevitável, como coisa mais de alegrar do que de
temer, pela certeza que tem do estado que se lhe segue.
O segundo efeito, quase tão geral quanto o primeiro, é a resignação nas vicissitudes
da vida. O Espiritismo dá a ver as coisas de tão alto, que, perdendo a vida terrena três
quartas partes da sua importância, o homem não se aflige tanto com as tribulações que a
acompanham. Daí, mais coragem nas aflições, mais moderação nos desejos. Daí, também, o
banimento da idéia de abreviar os dias da existência, por isso que a ciência espírita ensina
que, pelo suicídio, sempre se perde o que se queria ganhar. A certeza de um futuro, que
temos a faculdade de tornar feliz, a possibilidade de estabelecermos relações com os entes
que nos são caros, oferecem ao espírita suprema consolação. O horizonte se lhe dilata ao infinito, graças ao espetáculo, a que assiste incessantemente, da vida de além-túmulo, cujas misteriosas profundezas lhe é facultado sondar.
O terceiro efeito é o estimular no homem a indulgência para com os defeitos alheios.
Todavia, cumpre dizê-lo, o princípio egoísta e tudo que dele decorre são o que há de mais
tenaz no homem e, por conseguinte, de mais difícil de desarraigar. Toda gente faz
voluntariamente sacrifícios, contanto que nada custem e de nada privem. Para a maioria dos
homens, o dinheiro tem ainda irresistível atrativo e bem poucos compreendem a palavra
supérfluo, quando de suas pessoas se trata. Por isso mesmo, a abnegação da personalidade
constitui sinal de grandíssimo progresso.
VIII
Perguntam algumas pessoas: Ensinam os Espíritos qualquer moral nova, qualquer
coisa superior ao que disse o Cristo? Se a moral deles não é senão a do Evangelho, de que
serve o Espiritismo? Este raciocínio se assemelha notavelmente ao do califa Omar, com
relação à biblioteca de Alexandria: “Se ela não contém, dizia ele, mais do que o que está no
Alcorão, é inútil. Logo deve ser queimada. Se contém coisa diversa, é nociva. Logo,
também deve ser queimada.”
Não, o Espiritismo não traz moral diferente da de Jesus. Mas, perguntamos, por
nossa vez: Antes que viesse o Cristo, não tinham os homens a lei dada por Deus a Moisés?
A doutrina do Cristo não se acha contida no Decálogo? Dir-se-á, por isso, que a moral de
Jesus era inútil? Perguntaremos, ainda, aos que negam utilidade à moral espírita: Por que
tão pouco praticada é a do Cristo? E por que, exatamente os que com justiça lhe proclamam
a sublimidade, são os primeiros a violar-lhe o preceito capital: o da caridade universal? Os
Espíritos vêm não só confirmá-la, mas também mostrar-nos a sua utilidade prática. Tornam
inteligíveis e patentes verdades que haviam sido ensinadas sob a forma alegórica. E, justamente com a moral, trazem-nos a definição dos mais abstratos problemas da psicologia.
Jesus veio mostrar aos homens o caminho do verdadeiro bem. Por que, tendo-o
enviado para fazer lembrada Sua lei que estava esquecida, não havia Deus de enviar hoje os
Espíritos, a fim de a lembrarem novamente aos homens, e com maior precisão, quando eles
a olvidam, para tudo sacrificar ao orgulho e à cobiça? Quem ousaria pôr limites ao poder de
Deus e traçar-Lhe normas? Quem nos diz que, como o afirmam os Espíritos, não estão
chegando os tempos preditos e que não chegamos aos em que verdades mal compreendidas,
ou falsamente interpretadas, devam ser ostensivamente reveladas ao gênero humano, para
lhe apressar o adiantamento? Não haverá alguma coisa de providencial nessas
manifestações que se produzem simultaneamente em todos os pontos do globo?
Não é um único homem, um profeta quem nos vem advertir. A luz surge por toda
parte. É todo um mundo novo que se desdobra às nossas vistas. Assim como a invenção do
microscópio nos revelou o mundo dos infinitamente pequenos, de que não suspeitávamos;
assim como o telescópio nos revelou milhões de mundos de cuja existência também não
suspeitávamos, as comunicações espíritas nos revelam o mundo invisível que nos cerca, nos
acotovela constantemente e que, à nossa revelia, toma parte em tudo o que fazemos.
Decorrido que seja mais algum tempo, a existência desse mundo, que nos espera, se
tornará tão incontestável como a do mundo microscópico e dos globos disseminados pelo
espaço. Nada, então, valerá o nos terem feito conhecer um mundo todo; o nos haverem
iniciado nos mistérios da vida de além-túmulo? É exato que essas descobertas, se se lhes
pode dar este nome, contrariam algum tanto certas idéias aceitas. Mas, não é real que todas
as grandes descobertas científicas hão igualmente modificado, subvertido até, as mais
correntes idéias? E o nosso amor-próprio não teve que se curvar diante da evidência? O mesmo acontecerá com relação ao Espiritismo, que, em breve, gozará do direito de cidade entre os conhecimentos humanos.
As comunicações com os seres de além-túmulo deram em resultado fazer-nos
compreender a vida futura, fazer-nos vê-la, iniciar-nos no conhecimento das penas e gozos
que nos estão reservados, de acordo com os nossos méritos e, desse modo, encaminhar para
o espiritualismo os que no homem somente viam a matéria, a máquina organizada. Razão,
portanto, tivemos para dizer que o Espiritismo, com os fatos, matou o materialismo. Fosse
este único resultado por ele produzido e já muita gratidão lhe deveria a ordem social. ele,
porém, faz mais: mostra os inevitáveis efeitos do mal e, conseguintemente, a necessidade
do bem. Muito maior do que se pensa é, e cresce todos os dias, o número daqueles em que
ele há melhorado os sentimentos, neutralizado as más tendências e desviado do mal. É que
para esses o futuro deixou de ser coisa imprecisa, simples esperança, por se haver tornado
uma verdade que se compreende e explica, quando se vêem e ouvem os que partiram
lamentar-se ou felicitar-se pelo que fizeram na Terra. Quem disso é testemunha entra a
refletir e sente a necessidade de a si mesmo se conhecer, julgar e emendar.
IX
Os adversários do Espiritismo não se esqueceram de armar-se contra ele de algumas
divergências de opiniões sobre certos pontos de doutrina. Não é de admirar que, no início
de uma ciência, quando ainda são incompletas as observações e cada um a considera do seu
ponto de vista, apareçam sistemas contraditórios. Mas, já três quartos desses sistemas
caíram diante de um estudo mais aprofundado, a começar pelo que atribuía todas as
comunicações ao Espírito do mal, como se a Deus fora impossível enviar bons Espíritos aos
homens: doutrina absurda, porque os fatos a desmentem; ímpia, porque importa na negação
do poder e da bondade do Criador.
Os Espíritos sempre disseram que nos não inquietássemos com essas divergências e
que a unidade se estabeleceria. Ora, a unidade já se fez quanto à maioria dos pontos e as
divergências tendem cada vez mais a desaparecer. Tendo-se-lhes perguntado: Enquanto se
não faz a unidade, sobre que pode o homem, imparcial e desinteressado, basear-se para
formar juízo? Eles responderam:
“Nuvem alguma obscurece a luz verdadeiramente pura; o diamante sem jaça é o que
tem mais valor: julgai, pois, dos Espíritos pela pureza de seus ensinos. Não olvideis que,
entre eles, há os que ainda se não despojaram das idéias que levaram da vida terrena. Sabei
distingui-los pela linguagem de que usam. Julgai-os pelo conjunto do que vos dizem. Vede
se há encadeamento lógico nas suas idéias; se nestas nada revela ignorância, orgulho ou
malevolência; em suma, se suas palavras trazem todas o cunho de sabedoria que a
verdadeira superioridade manifesta. Se o vosso mundo fosse inacessível ao erro, seria
perfeito, e longe disso se acha ele. Ainda estais aprendendo a distinguir do erro a verdade.
Faltam-vos as lições da experiência para exercitar o vosso juízo e fazer-vos avançar. A
unidade se produzirá do lado em que o bem jamais esteve de mistura com o mal; desse lado
é que os homens se coligarão pela força mesma das coisas, porquanto reconhecerão que aí é
que está a verdade.
“Aliás, que importam algumas dissidências, mais de forma que de fundo! Notai que
os princípios fundamentais são os mesmos por toda parte e vos hão de unir num
pensamento comum: o amor de Deus e a prática do bem. Quaisquer que se suponham ser o
modo de progressão ou as condições normais da existência futura, o objetivo final é um só:
fazer o bem. Ora, não há duas maneiras de fazê-lo.”
Se é certo que, entre os adeptos do Espiritismo, se contam os que divergem de
opinião sobre alguns pontos da teoria, menos certo não é que todos estão de acordo quanto
aos pontos fundamentais. Há, portanto, unidade, excluídos apenas os que, em número muito
reduzido, ainda não admitem a intervenção dos Espíritos nas manifestações; os que as atribuem a causas puramente físicas, o que é contrário a este axioma:
Todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente; ou ainda a um reflexo do nosso
próprio pensamento, o que os fatos desmentem. Os outros pontos são secundários e em
nada comprometem as bases fundamentais. Pode, pois haver escolas que procurem
esclarecer-se acerca das partes ainda controvertidas da ciência; não deve haver seitas rivais
umas das outras. Antagonismo só poderia existir entre os que querem o bem e os que
quisessem ou praticassem o mal. Ora, não há espírita sincero e compenetrado das grandes
máximas morais ensinadas pelos Espíritos que possa querer o mal, nem desejar mal ao seu
próximo, sem distinção de opiniões. Se errônea for alguma destas, cedo ou tarde a luz para
ela brilhará, se a buscar de boa-fé e sem prevenções. Enquanto isso não se dá, um laço
comum existe que as deve unir a todos num só pensamento; uma só meta para todas. Pouco,
por conseguinte, importa qual seja o caminho, uma vez que conduza a essa meta. Nenhuma
deve impor-se por meio do constrangimento material ou moral e em caminho falso estaria
unicamente aquela que lançasse anátema sobre outra, porque então procederia
evidentemente sob a influência de maus Espíritos.
O argumento supremo deve ser a razão. A moderação garantirá melhor a vitória da
verdade do que as diatribes envenenadas pela inveja e pelo ciúme. Os bons Espíritos só
pregam a união e o amor ao próximo, e nunca um pensamento malévolo ou contrário à
caridade pode provir de fonte pura. Ouçamos sobre este assunto, e para terminar, os
conselhos do Espírito Santo Agostinho:
“Por bem largo tempo, os homens se têm estraçalhado e anatematizado mutuamente
em nome de um Deus de paz e misericórdia, ofendendo-O com semelhante sacrilégio. O
Espiritismo é o laço que um dia os unirá, porque lhes mostrará onde está a verdade, onde o
erro. Durante muito tempo, porém, ainda haverá escribas e fariseus que O negarão, como
negaram o Cristo. Quereis saber sob a influência de que Espíritos estão as diversas seitas
que entre si fizeram partilha do mundo? Julgai-o pelas suas obras e pelos seus princípios.
Jamais os bons Espíritos foram os instigadores do mal; jamais aconselharam ou
legitimaram o assassínio e a violência; jamais estimularam os ódios dos partidos, nem a
sede das riquezas e das honras, nem a avidez dos bens da Terra. Os que são bons,
humanitários e benevolentes para com todos, esses os Seus prediletos e prediletos de Jesus,
porque seguem a estrada que este lhes indicou para chegarem até Ele.”
SANTO AGOSTINHO.
Nota Especial n°1 (à 34ª edição, em 1974), a que faz remissão a pág. 51: A definição dada
na resposta à questão n° 1 de “O Livro dos Espíritos” - cause première - vem sendo
tradicionalmente registrada nas traduções publicadas pela FEB, ou sob sua licença e
responsabilidade, em língua portuguesa, como causa primária, embora haja quem prefira grafá-la
como causa primeira, solução alternativa para mero caso de semântica. Além da de Guillon
Ribeiro, foram examinadas as traduções das edições publicadas em 1904 e 1889, bem assim a de
Fortúnio - pseudônimo de Joaquim Carlos Travassos - (B. L. Garnier, Editor, Rio, 1875), que é a da
1ª edição em língua portuguesa lançada no Brasil (vide “Reformador” de 1952, págs. 98/99, e de
1973, págs. 230 e segs.), todas norteadas por idêntico critério quanto ao detalhe citado. Com os
melhores dicionaristas, no caso, está Domingos de Azevedo, autor do “Grande Dicionário Francês-
Português”, Livraria Bertrand, Lisboa, 1952, 2° volume, pág. 1160: “premier, ière (...) | | Fig. La
cause première, a causa primária, Deus.”
Nota Especial n°2 (à 34ª edição, em 1974), referida à pág. 472: Em edições anteriores a
esta, as questões n°s 1012 a 1019 figuraram sob os n°s 1011 a 1018, respectivamente, sem ter sido
atribuído número à questão imediatamente seguinte à de n° 1010, mantendo-se, não obstante, o
texto em sua incolumidade original. O lapso, nasceu, no passado, de compreensível equívoco, pois
na seqüência da numeração das questões o Codificador salteou o n° 1011 na 2ª edição francesa,
definitiva, de março de 1860. Todavia, o texto foi mantido assim, mesmo nas quatorze edições que
se seguiram até a desencarnação de Allan Kardec.

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