sábado, 11 de agosto de 2012

Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos Parte 2 CAPÍTULO I DOS ESPÍRITOS


PARTE 2ª

Do mundo espírita ou mundo dos
Espíritos

CAPÍTULO I
DOS ESPÍRITOS
1. Origem e natureza dos Espíritos. - 2. Mundo normal primitivo. - 3. Forma e ubiqüidade
dos Espíritos. - 4. Perispírito. - 5. Diferentes ordens de Espíritos. - 6. Escala espírita. - 7.
Progresso dos Espíritos. - 8. Anjos e demônios.

Origem e natureza dos Espíritos
76. Que definição se pode dar dos Espíritos?
“Pode dizer-se que os Espíritos são os seres inteligentes da criação. Povoam o
Universo, fora do mundo material.”
NOTA - A palavra Espírito é empregada aqui para designar as individualidades dos
seres extracorpóreos e não mais o elemento inteligente do Universo.
77. Os Espíritos são seres distintos da Divindade, ou serão simples emanações ou
porções desta e, por isto, denominados filhos de Deus?
“Meu Deus! São obra de Deus, exatamente qual a máquina o é do homem que a
fabrica. A máquina é obra do homem, não é o próprio homem. Sabes que, quando faz
alguma coisa bela, útil, o homem lhe chama sua filha, criação sua. Pois bem! O mesmo se dá com relação a Deus: somos Seus filhos, pois que somos obra Sua.”
78. Os Espíritos tiveram princípio, ou existem, como Deus, de toda a eternidade?
“Se não tivessem tido princípio, seriam iguais a Deus, quando, ao invés, são criação
Sua e se acham submetidos à Sua vontade. Deus existe de toda a eternidade, é
incontestável. Quanto, porém, ao modo porque nos criou e em que momento o fez, nada
sabemos. Podes dizer que não tivemos princípio, se quiseres com isso significar que, sendo
eterno, Deus há de ter sempre criado ininterruptamente. Mas, quando e como cada um de
nós foi feito, repito-te, nenhum o sabe: aí é que está o mistério.”
79. Pois que há dois elementos gerais no Universo: o elemento inteligente e o
elemento material, poder-se-á dizer que os Espíritos são formados do elemento inteligente,
como os corpos inertes o são do elemento material?
“Evidentemente. Os Espíritos são a individualização do princípio inteligente, como
os corpos são a individualização do princípio material. A época e o modo por que essa
formação se operou é que são desconhecidos.”
80. A criação dos Espíritos é permanente, ou só se deu na origem dos tempos?
“É permanente. Quer dizer: Deus jamais deixou de criar.”
81. Os Espíritos se formam espontaneamente, ou procedem uns dos outros?
“Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela Sua vontade. Mas, repito ainda
uma vez, a origem deles é mistério.”
82. Será certo dizer-se que os Espíritos são imateriais?
“Como se pode definir uma coisa, quando faltam termos de comparação e com uma
linguagem deficiente? Pode um cego de nascença definir a luz? Imaterial não é bem o
termo; incorpóreo seria mais exato, pois deves compreender que, sendo uma criação, o
Espírito há de ser alguma coisa. É a matéria quintessenciada, mas sem analogia para vós
outros, e tão etérea que escapa inteiramente ao alcance dos vossos sentidos.”
Dizemos que os Espíritos são imateriais, porque, pela sua essência, diferem de tudo
o que conhecemos sob o nome de matéria. Um povo de cegos careceria de termos para
exprimir a luz e seus efeitos. O cego de nascença se julga capaz de todas as percepções pelo
ouvido, pelo olfato, pelo paladar e pelo tato. Não compreende as idéias que só lhe poderiam
ser dadas pelo sentido que lhe falta. Nós outros somos verdadeiros cegos com relação à
essência dos seres sobre-humanos. Não os podemos definir senão por meio de comparações
sempre imperfeitas, ou por um esforço da imaginação.
83. Os Espíritos têm fim? Compreende-se que seja eterno o princípio donde eles
emanam, mas o que perguntamos é se suas individualidades têm um termo e se, em dado
tempo, mais ou menos longo, o elemento de que são formados não se dissemina e volta à
massa donde saiu, como sucede com os corpos materiais. É difícil de conceber-se que uma
coisa que teve começo possa não ter fim.
“Há muitas coisas que não compreendeis, porque tendes limitada a inteligência.
Isso, porém, não é razão para que as repilais. O filho não compreende tudo o que a seu pai é
compreensível, nem o ignorante tudo o que o sábio apreende. Dizemos que a existência dos
Espíritos não tem fim. É tudo o que podemos, por agora, dizer.”
Mundo normal primitivo
84. Os Espíritos constituem um mundo à parte, fora daquele que vemos?
“Sim, o mundo dos Espíritos, ou das inteligências incorpóreas.”
85. Qual dos dois, o mundo espírita ou o mundo corpóreo, é o principal, na ordem
das coisas?
“O mundo espírita, que preexiste e sobrevive a tudo.”
86. O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso
alterasse a essência do mundo espírita?
“Decerto. Eles são independentes; contudo, é incessante a correlação entre ambos,
porquanto um sobre o outro incessantemente reagem.”
87. Ocupam os Espíritos uma região determinada e circunscrita no espaço?
“Estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Tendes muitos
deles de contínuo a vosso lado, observando-vos e sobre vós atuando, sem o perceberdes,
pois que os Espíritos são uma das potências da Natureza e os instrumentos de que Deus se
serve para execução de Seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte,
por isso que há regiões interditas aos menos adiantados.”
Forma e ubiqüidade dos Espíritos
88. Os Espíritos têm forma determinada, limitada e constante?
“Para vós, não; para nós, sim. O Espírito é, se quiserdes, uma chama, um clarão, ou
uma centelha etérea.”
a) - Essa chama ou centelha tem cor?
“Tem uma coloração que, para vós, vai do colorido escuro e opaco a uma cor
brilhante, qual a do rubi, conforme o Espírito é mais ou menos puro.”
Representam-se de ordinário os gênios com uma chama ou estrela na fronte. É uma
alegoria, que lembra a natureza essencial dos Espíritos. Colocam-na no alto da cabeça, porque aí está a sede da inteligência.
89. Os Espíritos gastam algum tempo para percorrer o espaço?
“Sim, mas fazem-no com a rapidez do pensamento.”
a) - O pensamento não é a própria alma que se transporta?
“Quando o pensamento está em alguma parte, a alma também aí está, pois que é a
alma quem pensa. O pensamento é um atributo.”
90. O Espírito que se transporta de um lugar a outro tem consciência da distância
que percorre e dos espaços que atravessa, ou é subitamente transportado ao lugar onde
quer ir?
“Dá-se uma e outra coisa. O Espírito pode perfeitamente, se o quiser, inteirar-se da
distância que percorre, mas também essa distância pode desaparecer completamente,
dependendo isso da sua vontade, bem como da sua natureza mais ou menos depurada.”
91. A matéria opõe obstáculo ao Espírito?
“Nenhum; eles passam através de tudo. O ar, a terra, as águas e até mesmo o fogo
lhes são igualmente acessíveis.”
92. Têm os Espíritos o dom da ubiqüidade? Por outras palavras: um Espírito pode
dividir-se, ou existir em muitos pontos ao mesmo tempo?
“Não pode haver divisão de um mesmo Espírito; mas, cada um é um centro que
irradia para diversos lados. Isso é que faz parecer estar um Espírito em muitos lugares ao
mesmo tempo. Vês o Sol? É um somente. No entanto, irradia em todos os sentidos e leva
muito longe os seus raios. Contudo, não se divide.”
a) - Todos os Espíritos irradiam com igual força?
“Longe disso. Essa força depende do grau de pureza de cada um.”
Cada Espírito é uma unidade indivisível, mas cada um pode lançar seus
pensamentos para diversos lados, sem que se fracione para tal efeito. Nesse sentido
unicamente é que se deve entender o dom da ubiqüidade atribuído aos Espíritos. Dá-se com
eles o que se dá com uma centelha, que projeta longe a sua claridade e pode ser percebida
de todos os pontos do horizonte; ou, ainda, o que se dá com um homem que, sem mudar de
lugar e sem se fracionar, transmite ordens, sinais e movimento a diferentes pontos.
Perispírito
93. O Espírito, propriamente dito, nenhuma cobertura tem, ou, como pretendem
alguns, está sempre envolto numa substância qualquer?
“Envolve-o uma substância, vaporosa para os teus olhos, mas ainda bastante
grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para poder elevar-se na atmosfera e
transportar-se aonde queira.”
Envolvendo o gérmen de um fruto, há o perisperma; do mesmo modo, uma
substância que, por comparação, se pode chamar perispírito, serve de envoltório ao Espírito
propriamente dito.
94. D e onde tira o Espírito o seu invólucro semimaterial?
“Do fluido universal de cada globo, razão por que não é idêntico em todos os
mundos. Passando de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório, como mudais de
roupa.”
a) - Assim, quando os Espíritos que habitam mundos superiores vêm ao nosso meio,
tomam um perispírito mais grosseiro?
“É necessário que se revistam da vossa matéria, já o dissemos.”
95. O invólucro semimaterial do Espírito tem formas determinadas e pode ser
perceptível?
“Tem a forma que o Espírito queira. É assim que este vos aparece algumas vezes,
quer em sonho, quer no estado de vigília, e que pode tomar forma visível, mesmo
palpável.”
Diferentes ordens de Espíritos
96. São iguais os Espíritos, ou há entre eles qualquer hierarquia?
“São de diferentes ordens, conforme o grau de perfeição que tenham alcançado.”
97. As ordens ou graus de perfeição dos Espíritos são em número determinado?
“São ilimitadas em número, porque entre elas não há linhas de demarcação traçadas
como barreiras, de sorte que as divisões podem ser multiplicadas ou restringidas livremente.
Todavia, considerando-se os caracteres gerais dos Espíritos, elas podem reduzir-se a três
principais.
“Na primeira, colocar-se-ão os que atingiram a perfeição máxima: os puros
Espíritos. Formam a segunda os que chegaram ao meio da escala: o desejo do bem é o que
neles predomina. Pertencerão à terceira os que ainda se acham na parte inferior da escala: os
Espíritos imperfeitos. A ignorância, o desejo do mal e todas as paixões más que lhes
retardam o progresso, eis o que os caracteriza.”
98. Os Espíritos da segunda ordem, para os quais o bem constitui a preocupação
dominante, têm o poder de praticá-lo?
“Cada um deles dispõe desse poder, de acordo com o grau de perfeição a que
chegou. Assim, uns possuem a ciência, outros a sabedoria e a bondade. Todos, porém, ainda
têm que sofrer provas.”
99. Os da terceira categoria são todos essencialmente maus?
“Não; uns há que não fazem nem o mal nem o bem; outros, ao contrário, se
comprazem no mal e ficam satisfeitos quando se lhes depara ocasião de praticá-lo. Há
também os levianos ou estouvados, mais perturbadores do que malignos, que se comprazem
antes na malícia do que na malvadez e cujo prazer consiste em mistificar e causar pequenas
contrariedades, de que se riem.”
Escala espírita
100. OBSERVAÇÕES PRELIMINARES. - A classificação dos Espíritos se baseia
no grau de adiantamento deles, nas qualidades que já adquiriram e nas imperfeições de que
ainda terão de despojar-se. Esta classificação, aliás, nada tem de absoluta. Apenas no seu
conjunto cada categoria apresenta caráter definido. De um grau a outro a transição é
insensível e, nos limites extremos, os matizes se apagam, como nos reinos da Natureza,
como nas cores do arco-íris, ou, também, como nos diferentes períodos da vida do homem.
Podem, pois, formar-se maior ou menor número de classes, conforme o ponto de vista
donde se considere a questão. Dá-se aqui o que se dá com todos os sistemas de classificação
científica, que podem ser mais ou menos completos, mais ou menos racionais, mais ou
menos cômodos para a inteligência. Sejam, porém, quais forem, em nada alteram as bases
da ciência. Assim, é natural que inquiridos sobre este ponto, hajam os Espíritos divergido
quanto ao número das categorias, sem que isto tenha valor algum. Entretanto, não faltou
quem se agarrasse a esta contradição aparente, sem refletir que os Espíritos nenhuma
importância ligam ao que é puramente convencional. Para eles, o pensamento é tudo.
Deixam-nos a nós a forma, a escolha dos termos, as classificações, numa palavra, os
sistemas.
Façamos ainda uma consideração que se não deve jamais perder de vista, a
de que entre os Espíritos, do mesmo modo que entre os homens, há os muito ignorantes, de
maneira que nunca serão demais as cautelas que se tomem contra a tendência a crer que, por serem Espíritos, todos devam saber tudo.
Qualquer classificação exige método, análise e conhecimento aprofundado do assunto. Ora
no mundo dos Espíritos, os que possuem limitados conhecimentos são, como neste mundo,
os ignorantes, os inaptos a apreender uma síntese, a formular um sistema. Só muito
imperfeitamente percebem ou compreendem uma classificação qualquer. Consideram da
primeira categoria todos os Espíritos que lhes são superiores, por não poderem apreciar as
gradações de saber, de capacidade e de moralidade que os distinguem, como sucede entre
nós a um homem rude com relação aos civilizados. Mesmo os que sejam capazes de tal
apreciação podem mostra-se divergentes, quanto às particularidades, conformemente aos
pontos de vista em que se achem, sobretudo se se trata de uma divisão, que nenhum cunho
absoluto apresente. Lineu, Jussieu e Tournefort tiveram cada um o seu método, sem que a
Botânica houvesse em conseqüência experimentado modificação alguma. É que nenhum
deles inventou as plantas, nem seus caracteres. Apenas observaram as analogias, segundo as
quais formaram os grupos ou classes. Foi assim que também nós procedemos. Não
inventamos os Espíritos, nem seus caracteres. Vimos e observamos, julgamo-los pelas suas
palavras e atos, depois os classificamos pelas semelhanças, baseando-nos em dados que eles
próprios nos forneceram.
Os Espíritos, em geral, admitem três categorias principais, ou três grandes divisões.
Na última, a que fica na parte inferior da escala, estão os Espíritos imperfeitos,
caracterizados pela predominância da matéria sobre o Espírito e pela propensão para o mal.
Os da segunda se caracterizam pela predominância do Espírito sobre a matéria e pelo desejo
do bem: são os bons Espíritos. A primeira, finalmente, compreende os Espíritos puros, os
que atingiram o grau supremo da perfeição.
Esta divisão nos pareceu perfeitamente racional e com caracteres bem positivados.
Só nos restava pôr em relevo, mediante subdivisões em número suficiente, os principais
matizes do conjunto. Foi o que fizemos, como concurso dos Espíritos, cujas benévolas instruções jamais nos faltaram.
Com o auxílio desse quadro, fácil será determinar-se a ordem, assim como o grau de
superioridade ou de inferioridade dos que possam entrar em relações conosco e, por
conseguinte, o grau de confiança ou de estima que mereçam. É, de certo modo, a chave da
ciência espírita, porquanto só ele pode explicar as anomalias que as comunicações
apresentam, esclarecendo-nos acerca das desigualdades intelectuais e morais dos Espíritos.
Faremos, todavia, notar que estes não ficam pertencendo, exclusivamente, a tal ou tal
classe. Sendo sempre gradual o progresso deles e muitas vezes mais acentuado num sentido
do que em outro, pode acontecer que muitos reúnam em si os caracteres de várias
categorias, o que seus atos e linguagem tornam possível apreciar-se.
Terceira ordem. - Espíritos imperfeitos
101. CARACTERES GERAIS. - Predominância da matéria sobre o Espírito.
Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as paixões que lhes são
conseqüentes.
Têm a intuição de Deus, mas não O compreendem.
Nem todos são essencialmente maus. Em alguns há mais leviandade, irreflexão e
malícia do que verdadeira maldade. Uns não fazem o bem nem o mal; mas, pelo simples
fato de não fazerem o bem, já denotam a sua inferioridade. Outros, ao contrário, se
comprazem no mal e rejubilam quando uma ocasião se lhes depara de praticá-lo.
A inteligência pode achar-se neles aliada à maldade ou à malícia; seja, porém, qual
for o grau que tenham alcançado de desenvolvimento intelectual, suas idéias são pouco
elevadas e mais ou menos abjetos seus sentimentos.
Restritos conhecimentos têm das coisas do mundo espírita e o pouco que sabem se
confunde com as idéias e preconceitos da vida corporal. Não nos podem dar mais
do que noções errôneas e incompletas; entretanto, nas suas comunicações, mesmo
imperfeitas, o observador atento encontra a confirmação das grandes verdades ensinadas
pelos Espíritos superiores.
Na linguagem de que usam se lhes revela o caráter. Todo Espírito que, em suas
comunicações, trai um mau pensamento pode ser classificado na terceira ordem.
Conseguintemente, todo mau pensamento que nos é sugerido vem de um Espírito desta
ordem.
Eles vêem a felicidade dos bons e esse espetáculo lhes constitui incessante tormento,
porque os faz experimentar todas as angústias que a inveja e o ciúme podem causar.
Conservam a lembrança e a percepção dos sofrimentos da vida corpórea e essa
impressão é muitas vezes mais penosa do que a realidade. Sofrem, pois, verdadeiramente,
pelos males de que padeceram em vida e pelos que ocasionam aos outros. E, como sofrem
por longo tempo, julgam que sofrerão para sempre. Deus, para puní-los, quer que assim
julguem.
Podem compor cinco classes principais.
102. Décima classe. ESPÍRITOS IMPUROS. - São inclinados ao mal, de que fazem
o objeto de suas preocupações. Como Espíritos, dão conselhos pérfidos, sopram a discórdia
e a desconfiança e se mascaram de todas as maneiras para melhor enganar. Ligam-se aos
homens de caráter bastante fraco para cederem às suas sugestões, a fim de induzi-los à
perdição, satisfeitos com o conseguirem retardar-lhes o adiantamento, fazendo-os sucumbir
nas provas por que passam.
Nas manifestações dão-se a conhecer pela linguagem. A trivialidade e a grosseria
das expressões, nos Espíritos, como nos homens, é sempre indício de inferioridade moral,
senão também intelectual. Suas comunicações exprimem a baixeza de seus pendores e, se
tentam iludir, falando com sensatez, não conseguem sustentar por muito tempo o papel e
acabam sempre por se traírem.
Alguns povos os arvoraram em divindades maléficas; outros os designam pelos
nomes de demônios, maus gênios, Espíritos do mal.
Quando encarnados, os seres vivos que eles constituem se mostram propensos a
todos os vícios geradores das paixões vis e degradantes: a sensualidade, a crueldade, a
felonia, a hipocrisia, a cupidez, a avareza sórdida. Fazem o mal por prazer, as mais das
vezes sem motivo, e, por ódio ao bem, quase sempre escolhem suas vítimas entre as
pessoas honestas. São flagelos para a humanidade, pouco importando a categoria social a
que pertençam, e o verniz da civilização não os forra ao opróbrio e à ignomínia.
103. Nona classe. ESPÍRITOS LEVIANOS. - São ignorantes, maliciosos,
irrefletidos e zombeteiros. Metem-se em tudo, a tudo respondem, sem se incomodarem com
a verdade. Gostam de causar pequenos desgostos e ligeiras alegrias, de intrigar, de induzir
maldosamente em erro, por meio de mistificações e de espertezas. A esta classe pertencem
os Espíritos vulgarmente tratados de duendes, trasgos, gnomos, diabretes. Acham-se sob a
dependência dos Espíritos superiores, que muitas vezes os empregam, como fazemos com
os nossos servidores.
Em suas comunicações com os homens, a linguagem de que se servem é, amiúde,
espirituosa e faceta, mas quase sempre sem profundeza de idéias. Aproveitam-se das
esquisitices e dos ridículos humanos e os apreciam, mordazes e satíricos. Se tomam nomes
supostos, é mais por malícia do que por maldade.
104. Oitava classe. ESPÍRITOS PSEUDO-SÁBIOS. - Dispõem de conhecimentos
bastante amplos, porém, crêem saber mais do que realmente sabem. Tendo realizado alguns
progressos sob diversos pontos de vista, a linguagem deles aparenta um cunho de seriedade,
de natureza a iludir com respeito às suas capacidades e luzes. Mas, em geral, isso não passa
de reflexo dos preconceitos e idéias sistemáticas que nutriam na vida terrena. É uma
mistura de algumas verdades com os erros mais polpudos, através dos quais penetram a
presunção, o orgulho, o ciúme e a obstinação, de que ainda não puderam despir-se.
105. Sétima classe. ESPÍRITOS NEUTROS. - Nem bastante bons para fazerem o
bem, nem bastante maus para fazerem o mal. Pendem tanto para um como para o outro e
não ultrapassam a condição comum da Humanidade, quer no que concerne ao moral, quer
no que toca à inteligência. Apegam-se às coisas deste mundo, de cujas grosseiras alegrias
sentem saudades.
106. Sexta classe. ESPÍRITOS BATEDORES E PERTURBADORES. - Estes
Espíritos, propriamente falando, não formam uma classe distinta pelas suas qualidades
pessoais. Podem caber em todas as classes da terceira ordem. Manifestam geralmente sua
presença por efeitos sensíveis e físicos, como pancadas, movimento e deslocamento
anormal de corpos sólidos, agitação do ar, etc. Afiguram-se, mais do que outros, presos à
matéria. Parecem ser os agentes principais das vicissitudes dos elementos do globo, quer
atuem sobre o ar, a água, o fogo, os corpos duros, quer nas entranhas da terra. Reconhece-se
que esses fenômenos não derivam de uma causa fortuita ou física, quando denotam caráter
intencional e inteligente. Todos os Espíritos podem produzir tais fenômenos, mas os de
ordem elevada os deixam, de ordinário, como atribuições dos subalternos, mais aptos para
as coisas materiais do que para as coisas da inteligência; quando julgam úteis as
manifestações desse gênero, lançam mão destes últimos como seus auxiliares.
Segunda ordem. - Bons Espíritos
107. CARACTERES GERAIS - Predominância do Espírito sobre a matéria; desejo
do bem. Suas qualidades e poderes para o bem estão em relação com o grau de
adiantamento que hajam alcançado; uns têm a ciência, outros a sabedoria e a bondade. Os mais reúnem o saber às qualidades morais. Não estando ainda completamente desmaterializados, conservam mais ou menos, conforme a categoria que ocupem, os traços da existência corporal, assim na forma da linguagem, como nos hábitos, entre os quais se descobrem mesmo algumas de suas manias. De outro modo,
seriam Espíritos perfeitos.
Compreendem Deus e o infinito e já gozam da felicidade dos bons. São felizes pelo
bem que fazem e pelo mal que impedem. O amor que os une lhes é fonte de inefável
ventura, que não tem a perturbá-la nem a inveja, nem os remorsos, nem nenhuma das más
paixões que constituem o tormento dos Espíritos imperfeitos. Todos, entretanto, ainda têm
que passar por provas, até que atinjam a perfeição.
Como Espíritos, suscitam bons pensamentos, desviam os homens da senda do mal,
protegem na vida os que se lhes mostram dignos de proteção e neutralizam a influência dos
Espíritos imperfeitos sobre aqueles a quem não é grato sofrê-la.
Quando encarnados, são bondosos e benevolentes com os seus semelhantes. Não os
movem o orgulho, nem o egoísmo, ou a ambição. Não experimentam ódio, rancor, inveja
ou ciúme e fazem o bem pelo bem.
A esta ordem pertencem os Espíritos designados, nas crenças vulgares, pelos nomes
de bons gênios, gênios protetores, Espíritos do bem. Em épocas de superstições e de
ignorância, eles hão sido elevados à categoria de divindades benfazejas.
Podem ser divididos em quatro grupos principais:
108. Quinta classe. ESPÍRITOS BENÉVOLOS. - A bondade é neles a qualidade
dominante. Apraz-lhes prestar serviço aos homens e protegê-los. Limitados, porém, são os
seus conhecimentos. Hão progredido mais no sentido moral do que no sentido intelectual.
109. Quarta classe. ESPÍRITOS SÁBIOS. - Distinguem-se pela amplitude de seus
conhecimentos. Preocupam-se menos com as questões morais, do que com as de natureza
científica, para as quais têm maior aptidão. Entretanto, só encaram a ciência do ponto de
vista da sua utilidade e jamais dominados por quaisquer paixões próprias dos Espíritos
imperfeitos.
110. Terceira classe. ESPÍRITOS DE SABEDORIA. - As qualidades morais da
ordem mais elevada são o que os caracteriza. Sem possuírem ilimitados conhecimentos, são
dotados de uma capacidade intelectual que lhes faculta juízo reto sobre os homens e as
coisas.
111. Segunda classe. ESPÍRITOS SUPERIORES. - Esses em si reúnem a ciência, a
sabedoria e a bondade. Da linguagem que empregam se exala sempre a benevolência; é uma
linguagem invariavelmente digna, elevada e, muitas vezes, sublime. Sua superioridade os
torna mais aptos do que os outros a nos darem noções exatas sobre as coisas do mundo
incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao homem saber. Comunicam-se
complacentemente com os que procuram de boa-fé a verdade e cuja alma já está bastante
desprendida das ligações terrenas para compreendê-la. Afastam-se, porém, daqueles a quem
só a curiosidade impele, ou que, por influência da matéria, fogem à prática do bem.
Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir missão de progresso e
então nos oferecem o tipo da perfeição a que a Humanidade pode aspirar neste mundo.
Primeira ordem. - Espíritos puros
112. CARACTERES GERAIS. - Nenhuma influência da matéria. Superioridade
intelectual e moral absoluta, com relação aos Espíritos das outras ordens.
113. Primeira classe. Classe única. - Os Espíritos que a compõem percorreram
todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm mais que sofrer provas, nem expiações. Não estando
mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus.
Gozam de inalterável felicidade, porque não se acham submetidos às necessidades,
nem às vicissitudes da vida material. Essa felicidade, porém, não é a ociosidade monótona,
a transcorrer em perpétua contemplação. Eles são os mensageiros e os ministros de Deus,
cujas ordens executam para manutenção da harmonia universal. Comandam a todos os
Espíritos que lhes são inferiores, auxiliam-nos na obra de seu aperfeiçoamento e lhes
designam as suas missões. Assistir os homens nas suas aflições, concitá-los ao bem ou à
expiação das faltas que os conservem distanciados da suprema felicidade, constitui para
eles ocupação gratíssima. São designados às vezes pelos nomes de anjos, arcanjos ou
serafins.
Podem os homens pôr-se em comunicação com eles, mas extremamente presunçoso
seria aquele que pretendesse tê-los constantemente às suas ordens.
Progressão dos Espíritos
114. Os Espíritos são bons ou maus por natureza, ou são eles mesmos que se
melhoram?
“São os próprios Espíritos que se melhoram e, melhorando-se, passam de uma
ordem inferior para outra mais elevada.”
115. Dos Espíritos, uns terão sido criados bons e outros maus?
“Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem saber. A cada um
deu determinada missão, com o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar progressivamente
à perfeição, pelo conhecimento da verdade, para aproximá-los de si. Nesta perfeição é que
eles encontram a pura e eterna felicidade. Passando pelas provas
que Deus lhes impõe é que os Espíritos adquirem aquele conhecimento. Uns aceitam
submissos essas provas e chegam mais depressa à meta que lhes foi assinada. Outros só a
suportam murmurando e, pela falta em que desse modo incorrem, permanecem afastados da
perfeição e da prometida felicidade.”
a) - Segundo o que acabais de dizer, os Espíritos, em sua origem, seriam como as
crianças, ignorantes e inexperientes, só adquirindo pouco a pouco os conhecimentos de
que carecem com o percorrerem as diferentes fases da vida?
“Sim, a comparação é boa. A criança rebelde se conserva ignorante e imperfeita. Seu
aproveitamento depende da sua maior ou menor docilidade. Mas, a vida do homem tem
termo, ao passo que a dos Espíritos se prolonga ao infinito.”
116. Haverá Espíritos que se conservem eternamente nas ordens inferiores?
“Não; todos se tornarão perfeitos. Mudam de ordem, mas demoradamente,
porquanto, como já doutra vez dissemos, um pai justo e misericordioso não pode banir seus
filhos para sempre. Pretenderias que Deus, tão grande, tão bom, tão justo, fosse pior do que
vós mesmos?”
117. Depende dos Espíritos o progredirem mais ou menos rapidamente para a
perfeição?
“Certamente. Eles a alcançam mais ou menos rápido, conforme o desejo que têm de
alcançá-la e a submissão que testemunham à vontade de Deus. Uma criança dócil não se
instrui mais depressa do que outra recalcitrante?”
118. Podem os Espíritos degenerar?
“Não; à medida que avançam, compreendem o que os distanciava da perfeição.
Concluindo uma prova, o Espírito fica com a ciência que daí lhe veio e não a esquece. Pode
permanecer estacionário, mas não retrograda.”
119. Não podia Deus isentar os Espíritos das provas que lhes cumpre sofrer para
chegarem à primeira ordem?
“Se Deus os houvesse criado perfeitos, nenhum mérito teriam para gozar dos
benefícios dessa perfeição. Onde estaria o merecimento sem a luta? Demais, a desigualdade
entre eles existente é necessária às suas personalidades. Acresce ainda que as missões que
desempenham nos diferentes graus da escala estão nos desígnios da Providência, para a
harmonia do Universo.”
Pois que, na vida social, todos os homens podem chegar às mais altas funções, seria
o caso de perguntar-se por que o soberano de um país não faz de cada um de seus soldados
um general; por que todos os empregados subalternos não são funcionários superiores; por
que todos os colegiais não são mestres. Ora, entre a vida social e a espiritual há esta
diferença: enquanto que a primeira é limitada e nem sempre permite que o homem suba
todos os seus degraus, a segunda é indefinida e a todos oferece a possibilidade de se
elevarem ao grau supremo.
120. Todos os Espíritos passam pela fieira do mal para chegar ao bem?
“Pela fieira do mal, não; pela fieira da ignorância.”
121. Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal?
“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não os criou maus; criou-os simples e
ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanta para o mal. Os que são maus,
assim se tornaram por vontade própria.”
122. Como podem os Espíritos, em sua origem, quando ainda não têm consciência
de si mesmos, gozar da liberdade de escolha entre o bem e o mal? Há neles algum
princípio, qualquer tendência que os encaminhe para uma senda de preferência a outra?
“O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si
mesmo. Já não haveria liberdade, desde que a escolha fosse determinada por uma
causa independente da vontade do Espírito. A causa não está nele, está fora dele, nas
influências a que cede em virtude da sua livre vontade. É o que se contém na grande figura
emblemática da queda do homem e do pecado original: uns cederam à tentação, outros
resistiram.”
a) Donde vêm as influências que sobre ele se exercem?
“Dos Espíritos imperfeitos, que procuram apoderar-se dele, dominá-lo, e que
rejubilam com o fazê-lo sucumbir. Foi isso o que se intentou simbolizar na figura de
Satanás.”
b) Tal influência só se exerce sobre o Espírito em sua origem?
“Acompanha-o na sua vida de Espírito, até que haja conseguido tanto império sobre
si mesmo, que os maus desistem de obsidiá-lo.”
123. Por que há Deus permitido que os Espíritos possam tomar o caminho do mal?
“Como ousais pedir a Deus contas de Seus atos? Supondes poder penetrar-lhe os
desígnios? Podeis, todavia, dizer o seguinte: A sabedoria de Deus está na liberdade de
escolher que Ele deixa a cada um, porquanto, assim, cada um tem o mérito de suas obras.”
124. Pois que há Espíritos que desde o princípio seguem o caminho do bem
absoluto e outros o do mal absoluto, deve haver, sem dúvida, gradações entre esses dois
extremos. não?
“Sim, certamente, e os que se acham nos graus intermediários constituem a
maioria.”
125. Os Espíritos que enveredaram pela senda do mal poderão chegar ao mesmo
grau de superioridade que os outros?
“Sim; mas as eternidades lhes serão mais longas.”
Por estas palavras - as eternidades - se deve entender a idéia que os Espíritos
inferiores fazem da perpetuidade de seus sofrimentos, cujo termo não lhes é dado ver, idéia
que revive todas as vezes que sucumbem numa prova.
126. Chegados ao grau supremo da perfeição, os Espíritos que andaram pelo
caminho do mal têm, aos olhos de Deus, menos mérito do que os outros?
“Deus olha de igual maneira para os que se transviaram e para os outros e a todos
ama com o mesmo coração. Aqueles são chamados maus, porque sucumbiram. Antes, não
eram mais que simples Espíritos.”
127. Os Espíritos são criados iguais quanto às faculdades intelectuais?
“São criados iguais, porém, não sabendo donde vêm, preciso é que o livre-arbítrio
siga seu curso. Eles progridem mais ou menos rapidamente em inteligência como em
moralidade.”
Os espíritos que desde o princípio seguem o caminho do bem nem por isso são
Espíritos perfeitos. Não têm, é certo, maus pendores, mas precisam adquirir a experiência e
os conhecimentos indispensáveis para alcançar a perfeição. Podemos compará-los a
crianças que, seja qual for a bondade de seus instintos naturais, necessitam de se
desenvolver e esclarecer e que não passam, sem transição, da infância à madureza.
Simplesmente, assim como há homens que são bons e outros que são maus desde a
infância, também há Espíritos que são bons ou maus desde a origem, com a diferença
capital de que a criança tem instintos já inteiramente formados, enquanto que o Espírito, ao
formar-se, não é nem bom, nem mau; tem todas as tendências e toma uma ou outra direção,
por efeito do seu livre-arbítrio.
Anjos e demônios
128. Os seres a que chamamos anjos, arcanjos, serafins, formam uma categoria
especial, de natureza diferente da dos outros Espíritos?
“Não; são Espíritos puros: os que se acham no mais alto grau da escala e reúnem
todas as perfeições.”
A palavra anjo desperta geralmente a idéia de perfeição moral. Entretanto, ela se
aplica muitas vezes à designação de todos os seres, bons e maus, que estão fora da
Humanidade. Diz-se: o anjo bom e o anjo mau; o anjo de luz e o anjo das trevas. Neste
caso, o termo é sinônimo de Espírito ou de gênio. Tomamo-lo aqui na sua melhor acepção.
129. Os anjos hão percorridos todos os graus da escala?
“Percorreram todos os graus, mas do modo que havemos dito: uns, aceitando sem
murmurar suas missões, chegaram depressa; outros, gastaram mais ou menos tempo para
chegar à perfeição.”
130. Sendo errônea a opinião dos que admitem a existência de seres criados
perfeitos e superiores a todas as outras criatura, como se explica que essa crença esteja na
tradição de quase todos os povos?
“Fica sabendo que o mundo onde te achas não existe de toda a eternidade e que,
muito tempo antes que ele existisse, já havia Espíritos que tinham atingido o grau supremo.
Acreditaram os homens que eles eram assim desde todos os tempos.”
131. Há demônios, no sentido que se dá a esta palavra?
“Se houvesse demônios, seriam obra de Deus. Mas, porventura, Deus seria justo e
bom se houvera criado seres destinados eternamente ao mal e a permanecerem eternamente
desgraçados? Se há demônios, eles se encontram no mundo inferior em que habitais e em
outros semelhantes. São esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo um Deus
mau e vingativo e que julgam agradá-lo por meio das abominações que praticam em seu
nome.”
A palavra demônio não implica a idéia de Espírito mau, senão na sua acepção
moderna, porquanto o termo grego daïmon, donde ela derivou, significa gênio, inteligência
e se aplica aos seres incorpóreos, bons ou maus, indistintamente.
Por demônios, segundo a acepção vulgar da palavra, se entendem seres
essencialmente malfazejos. Como todas as coisas, eles teriam sido criados por Deus. Ora,
Deus, que é soberanamente justo e bom, não pode ter criado seres prepostos, por sua
natureza, ao mal e condenados por toda a eternidade. Se não fossem obra de Deus,
existiriam, como Ele, desde toda a eternidade, ou então haveria muitas potências soberanas.
A primeira condição de toda doutrina é ser lógica. Ora, à dos demônios, no sentido
absoluto, falta esta base essencial. Concebe-se que povos atrasados, os quais, por
desconhecerem os atributos de Deus, admitem em suas crenças divindades maléficas,
também admitam demônios; mas, é ilógico e contraditório que quem faz da bondade um
dos atributos essenciais de Deus suponha haver Ele criado seres destinados ao mal e a
praticá-lo perpetuamente, porque isso eqüivale a Lhe negar a bondade. Os partidários dos
demônios se apoiam nas palavras do Cristo. Não seremos nós quem conteste a autoridade
de seus ensinos, que desejáramos ver mais no coração do que na boca dos homens; porém,
estarão aqueles partidários certos do sentido que ele dava a esse vocábulo? Não é sabido
que a forma alegórica constitui um dos caracteres distintivos da sua linguagem? Dever-se-á
tomar ao pé da letra tudo o que o Evangelho contém? Não precisamos de outra prova além
da que nos fornece esta passagem:
“Logo após esses dias de aflição, o Sol escurecerá e a Lua não mais dará sua luz, as
estrelas cairão do céu e as potências do céu se abalarão. Em verdade vos digo que esta
geração não passará, sem que todas estas coisas se tenham cumprido.”
Não temos visto a Ciência contraditar a forma do texto bíblico, no tocante à Criação
e ao movimento da Terra? Não se dará o mesmo com algumas figuras de que se serviu o
Cristo, que tinha de falar de acordo com os tempos e os lugares? Não é possível que ele
haja dito conscientemente uma falsidade. Assim, pois, se nas suas palavras há coisas que
parecem chocar a razão, é que não as compreendemos bem, ou as interpretamos mal.
Os homens fizeram com os demônios o que fizeram com os anjos. Como
acreditaram na existência de seres perfeitos desde toda a eternidade, tomaram os Espíritos
inferiores por seres perpetuamente maus. Por demônios se devem entender os Espíritos impuros, que muitas vezes não valem mais do que as entidades designadas por esse nome, mas com a diferença de ser transitório o estado deles. São Espíritos imperfeitos, que se rebelam contra as provas que lhes tocam e que, por isso, as sofrem mais longamente, porém que, a seu turno, chegarão a sair daquele estado, quando o quiserem.
Poder-se-ia, pois, aceitar o termo demônio com esta restrição. Como o entendem
atualmente, dando-se-lhe um sentido exclusivo, ele induziria em erro, com o fazer crer na
existência de seres especiais criados para o mal.
Satanás é evidentemente a personificação do mal sob forma alegórica, visto não se
poder admitir que exista um ser mau a lutar, como de potência a potência, com a Divindade
e cuja única preocupação consistisse em lhe contrariar os desígnios. Como precisa de
figuras e imagens que lhe impressionem a imaginação, o homem pintou os seres
incorpóreos sob uma forma material, com atributos que lembram as qualidades ou os
defeitos humanos. É assim que os antigos, querendo personificar o Tempo, o pintaram com
a figura de um velho munido de uma foice e uma ampulheta. Representá-lo pela figura de
um mancebo fora contra-senso. O mesmo se verifica com as alegorias da fortuna, da
verdade, etc. Os modernos representaram os anjos, os puros Espíritos, por uma figura
radiosa, de asas brancas, emblema da pureza; e Satanás com chifres, garras e os atributos da
animalidade, emblema das paixões vis. O vulgo, que toma as coisas ao pé da letra, viu
nesses emblemas individualidades reais, como vira outrora Saturno na alegoria do Tempo.

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