sábado, 11 de agosto de 2012

Introdução (Livro dos Espíritos)


I N T R O D U Ç Ã O
ao estudo da
DOUTRINA ESPÍRITA
                                                                                I
Para se designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a clareza
da linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras.
Os vocábulos espiritual, espiritualista, espiritualismo têm acepção bem definida. Dar-lhes
outra, para aplicá-los à doutrina dos Espíritos, fora multiplicar as causas já numerosas de
anfibologia. Com efeito, o espiritismo é o oposto do materialismo. Quem quer que acredite
haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém,
que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em
vez das palavras espiritual, espiritualismo, empregamos, para indicar a crença a que vimos
de referir-nos, os termos espírita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido
radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis,
deixando ao vocábulo espiritualismo a acepção que lhe é própria. Diremos, pois, que a
doutrina espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os
Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se
quiserem, os espiritistas.
Como especialidade, o Livro dos Espíritos contém a doutrina espírita; como
generalidade, prende-se à doutrina espiritualista, uma de cujas fases apresenta. Essa a razão
porque traz no cabeçalho do seu título as palavras: Filosofia espiritualista.

INTRODUÇÃO
II
Há outra palavra acerca da qual importa igualmente que todos se entendam, por
constituir um dos fechos de abóbada de toda doutrina moral e ser objeto de inúmeras
controvérsias, à míngua de uma acepção bem determinada. É a palavra alma. A divergência
de opiniões sobre a natureza da alma provém da aplicação particular que cada um dá a esse
termo. Uma língua perfeita, em que cada idéia fosse expressa por um termo próprio, evitaria
muitas discussões.
Segundo uns, a alma é o princípio da vida material orgânica. Não tem existência
própria e se aniquila com a vida: é o materialismo puro. Neste sentido e por comparação,
diz-se de um instrumento rachado, que nenhum som mais emite: não tem alma. De
conformidade com essa opinião, a alma seria efeito e não causa.
Pensam outros que a alma é o princípio da inteligência, agente universal do qual
cada ser absorve uma certa porção. Segundo esses, não haveria em todo o Universo senão
uma só alma a distribuir centelhas pelos diversos seres inteligentes durante a vida destes,
voltando cada centelha, mortos ou seres, à fonte comum, a se confundir com o todo, como
os regatos e os rios voltam ao mar, donde saíram. Essa opinião difere da precedente em que,
nesta hipótese, não há em nós somente matéria, subsistindo alguma coisa após a morte. Mas
é quase como se nada subsistisse, porquanto, destituídos de individualidade, não mais
teríamos consciência de nós mesmos. Dentro desta opinião, a alma universal seria Deus, e
cada ser um fragmento da divindade. Simples variante do panteísmo.
Segundo outros, finalmente, a alma é um ser moral, distinto, independente da
matéria e que conserva sua individualidade após a morte. Esta acepção é, sem contradita, a
mais geral, porque, debaixo de um nome ou de outro, a idéia desse ser que sobrevive ao
corpo se encontra, no estado de crença instintiva, não derivada de ensino, entre todos os
povos, qualquer que seja o grau de civilização de cada um. Essa doutrina, segundo a qual a
alma é causa e não efeito, é a dos espiritualistas.
Sem discutir o mérito de tais opiniões e considerando apenas o lado lingüístico da
questão, diremos que estas três aplicações do termo alma correspondem a três idéias
distintas, que demandariam, para serem expressas, três vocábulos diferentes. Aquela
palavra tem, pois, tríplice acepção e cada um, do seu ponto de vista, pode com razão defini-la como o faz. O mal está em a língua dispor somente de uma palavra para exprimir três idéias. A fim de evitar todo
equívoco, seria necessário restringir-se a acepção do termo alma a uma daquelas idéias. A
escolha é indiferente; o que se faz mister é o entendimento entre todos reduzindo-se o
problema a uma simples questão de convenção. Julgamos mais lógico tomá-lo na sua
acepção vulgar e por isso chamamos ALMA ao ser imaterial e individual que em nós reside
e sobrevive ao corpo. Mesmo quando esse ser não existisse, não passasse de produto da
imaginação, ainda assim fora preciso um termo para designá-lo.
Na ausência de um vocábulo especial para tradução de cada uma das outras idéias a
que corresponde a palavra alma, denominamos:
Princípio vital o princípio da vida material e orgânica, qualquer que seja a fonte
donde promane, princípio esse comum a todos os seres vivos, desde as plantas até o
homem. Pois que pode haver vida com exclusão da faculdade de pensar, o princípio vital é
uma propriedade da matéria, um efeito que se produz achando-se a matéria em dadas
circunstâncias. Segundo outros, e esta é a idéia mais comum, ele reside em um fluido
especial, universalmente espalhado e do qual cada ser absorve e assimila uma parcela
durante a vida, tal como os corpos inertes absorvem a luz. Esse seria então o fluido vital
que, na opinião de alguns, em nada difere do fluido elétrico animalizado, ao qual também se
dão os nomes de fluido magnético, fluido nervoso, etc.
Seja como for, um fato há que ninguém ousaria contestar, pois que resulta da
observação: é que os seres orgânicos têm em si uma forma íntima que determina o
fenômeno da vida, enquanto essa força existe; que a vida material é comum a todos os seres
orgânicos e independe da inteligência e do pensamento; que a inteligência e o pensamento
são faculdades próprias de certas espécies orgânicas; finalmente, que entre as espécies
orgânicas dotadas de inteligência e de pensamento há uma dotada também de um senso
moral especial, que lhe dá incontestável superioridade sobre as outras: a espécie humana.
Concebe-se que, com uma acepção múltipla, o termo alma não exclui o
materialismo, nem o panteísmo. O próprio espiritualismo pode entender a alma de acordo
com uma ou outra das duas primeiras definições, sem prejuízo do Ser imaterial distinto, a
que então dará um nome qualquer. Assim, aquela palavra não representa uma opinião:
é um Proteu, que cada um ajeita a seu bel-prazer. Daí tantas disputas intermináveis.
Evitar-se-ia igualmente a confusão, embora usando-se do termo alma nos três casos,
desde que se lhe acrescentasse um qualificativo especificando o ponto de vista em que se
está colocado, ou a aplicação que se faz da palavra. Esta teria, então, um caráter genérico,
designando, ao mesmo tempo, o princípio da vida material, o da inteligência e o do senso
moral, que se distinguiriam mediante um atributo, como os gases, por exemplo, que se
distinguem aditando-se ao termo genérico as palavras hidrogênio, oxigênio ou azoto. Poderse-
ia, assim dizer, e talvez fosse o melhor, a alma vital - indicando o princípio da vida
material; a alma intelectual - o princípio da inteligência, e a alma espírita - o da nossa
individualidade após a morte. Como se vê, tudo isto não passa de uma questão de palavras,
mas questão muito importante quando se trata de nos fazermos entendidos. De
conformidade com essa maneira de falar, a alma vital seria comum a todos os seres
orgânicos: plantas, animais e homens; a alma intelectual pertenceria aos animais e aos
homens; e a alma espírita somente ao homem.
Julgamos dever insistir nestas explicações pela razão de que a doutrina espírita
repousa naturalmente sobre a existência, em nós, de um ser independente da matéria e que
sobrevive ao corpo. A palavra alma, tendo que aparecer com freqüência no curso desta
obra, cumpria fixássemos bem o sentido que lhe atribuímos, a fim de evitarmos qualquer
engano.
Passemos agora ao objeto principal desta instrução preliminar.

III

Como tudo que constitui novidade, a doutrina espírita conta com adeptos e
contraditores. Vamos tentar responder a algumas das objeções destes últimos, examinando
o valor dos motivos em que se apóiam, sem alimentarmos, todavia, a pretensão de
convencer a todos, pois muitos há que crêem ter sido a luz feita exclusivamente para eles.
Dirigimo-nos aos de boa-fé, aos que não trazem idéias preconcebidas ou decididamente
firmadas contra tudo e todos, aos que sinceramente desejam instruir-se e lhes
demonstraremos que a maior parte das objeções opostas à doutrina promanam de
incompleta observação dos fatos e de juízo leviano e precipitadamente formado.
Lembremos, antes de tudo, em poucas palavras, a série progressiva dos fenômenos
que deram origem a esta doutrina.
O primeiro fato observado foi o da movimentação de objetos diversos. Designaramno
vulgarmente pelo nome de mesas girantes ou dança das mesas. Este fenômeno, que
parece ter sido notado primeiramente na América, ou melhor, que se repetiu nesse país,
porquanto a História prova que ele remonta à mais alta antigüidade, se produziu rodeado de
circunstâncias estranhas, tais como ruídos insólitos, pancadas sem nenhuma causa
ostensiva. Em seguida, propagou-se rapidamente pela Europa e pelas partes do mundo. A
princípio quase que só encontrou incredulidade, porém, ao cabo de pouco tempo, a
multiplicidade das experiências não mais permitiu lhe pusessem em dúvida a realidade.
Se tal fenômeno se houvesse limitado ao movimento de objetos materiais, poderia
explicar-se por uma causa puramente física. Estamos longe de conhecer todos os agentes
ocultos da Natureza, ou todas as propriedades dos que conhecemos: a eletricidade
multiplica diariamente os recursos que proporciona ao homem e parece destinada a iluminar
a Ciência com uma nova luz. Nada de impossível haveria, portanto, em que a eletricidade
modificada por certas circunstâncias, ou qualquer outro agente desconhecido, fosse a causa
dos movimentos observados. O fato de que a reunião de muitas pessoas aumenta a
potencialidade da ação parecia vir em apoio dessa teoria. Visto poder-se considerar o
conjunto dos assistentes como uma pilha múltipla, com o seu potencial na razão direta do
número dos elementos.
O movimento circular nada apresentava de extraordinário: está na Natureza. Todos
os astros se movem em curvas elipsóides; poderíamos, pois, ter ali, em ponto menor, um
reflexo do movimento geral do Universo, ou, melhor, uma causa, até então desconhecida,
produzindo acidentalmente, com pequenos objetos em dadas condições, uma corrente
análoga à que impele os mundos.
Mas, o movimento nem sempre era circular; muitas vezes era brusco e desordenado,
sendo o objeto violentamente sacudido, derrubado, levado numa direção qualquer e,
contrariamente a todas as leis da estática, levantando e mantido em suspensão. Ainda aqui
nada havia que se não pudesse explicar pela ação de um agente físico invisível, Não vemos
a eletricidade deitar por terra edifícios, desarraigar árvores, atirar longe os mais pesados
corpos, atraí-los ou repeli-los?
Os ruídos insólitos, as pancadas, ainda que não fossem um dos efeitos ordinários da
dilatação da madeira, ou de qualquer outra causa acidental, podiam muito bem ser produzidos pela acumulação de um fluido oculto: a eletricidade não produz formidáveis ruídos?
Até aí, como se vê, tudo pode caber no domínio dos fatos puramente físicos e
fisiológicos. Sem sair desse âmbito de idéias, já ali havia, no entanto, matéria para estudos
sérios e dignos de prender a atenção dos sábios. Por que assim não aconteceu? É penoso
dizê-lo, mas o fato deriva de causas que provam, entre mil outros semelhantes, a leviandade
do espírito humano. A vulgaridade do objeto principal que serviu de base às primeiras
experiências não foi alheia à indiferença dos sábios. Que influência não tem tido muitas
vezes uma palavra sobre as coisas mais graves!
Sem atenderem a que o movimento podia ser impresso a um objeto qualquer, a idéia
das mesas prevaleceu, sem dúvida, por ser o objeto mais cômodo e porque, à roda de uma
mesa, muito mais naturalmente do que em torno de qualquer outro móvel, se sentam
diversas pessoas. Ora, os homens superiores são com freqüência tão pueris que não há
como ter por impossível que certos espíritos de escol hajam considerado deprimente
ocuparem-se com o que se convencionara chamar a dança das mesas. É mesmo provável
que se o fenômeno observado por Galvâni o fora por homens vulgares e ficasse
caracterizado por um nome burlesco, ainda estaria relegado a fazer companhia à varinha
mágica. Qual, com efeito, o sábio que não houvera julgado uma indignidade ocupar-se com
a dança das rãs?
Alguns, entretanto, muito modestos para convirem em que bem poderia dar-se não
lhes ter ainda a Natureza dito a última palavra, quiseram ver, para tranqüilidade de suas
consciências. Mas aconteceu que o fenômeno nem sempre lhes correspondeu à expectativa
e, do fato de não se haver produzido constantemente à vontade deles e segundo a maneira
de se comportarem na experimentação, concluíram pela negativa. Mau grado, porém, ao
que decretaram, as mesas - pois que há mesas - continuam a girar e podemos dizer com
Galileu: todavia, elas se movem! Acrescentaremos que os fatos se multiplicaram de tal
modo que desfrutam hoje do direito de cidade, não mais se cogitando senão de lhes achar
uma explicação racional.
Contra a realidade do fenômeno, poder-se-ia induzir alguma coisa da circunstância
de ele não se produzir de modo sempre idêntico, conformemente à vontade e às exigências
do observador? Os fenômenos de eletricidade e de química não estão subordinados a certas
condições? Será lícito negá-los, porque não se produzem fora dessas condições? Que há, pois, de surpreendente em que o fenômeno do movimento dos objetos pelo fluido humano também se ache sujeito a
determinadas condições e deixe de se produzir quando o observador, colocando-se no seu
ponto de vista, pretende fazê-lo seguir a marcha que caprichosamente lhe imponha, ou
queira sujeitá-lo às leis dos fenômenos conhecidos, sem considerar que para fatos novos
pode e deve haver novas leis? Ora, para se conhecerem essas leis, preciso é que se estudem
as circunstâncias em que os fatos se produzem e esse estudo não pode deixar de ser fruto de
observação perseverante, atenta e às vezes muito longa.
Objetam, porém, algumas pessoas: há freqüentemente fraudes manifestas.
Perguntar-lhes-emos, em primeiro lugar, se estão bem certas de que haja fraudes e se não
tomaram por fraude efeitos que não podiam explicar, mas ou menos como o camponês que
tomava por destro escamoteador um sábio professor de Física a fazer experiências.
Admitindo-se mesmo que tal coisa tenha podido verificar-se algumas vezes, constituiria
isso razão para negar-se o fato? Dever-se-ia negar a Física, porque há prestidigitadores que
se exornam com o título de físicos? Cumpre, ao demais, se leve em conta o caráter das
pessoas e o interesse que possam ter em iludir. Seria tudo, então, mero gracejo? Admite-se
que uma pessoa se divirta por algum tempo, mas um gracejo prolongado indefinidamente se
tornaria tão fastidioso para o mistificador, como para o mistificado. Acresce que, numa
mistificação que se propaga de um extremo a outro do mundo e por entre as mais austeras,
veneráveis e esclarecidas personalidades, qualquer coisa há, com certeza, tão extraordinária,
pelo menos, quanto o próprio fenômeno.

IV

Se os fenômenos, com que nos estamos ocupando, houvessem ficado restritos ao
movimento dos objetos, teriam permanecido, como dissemos, no domínio das ciências
físicas. Assim, entretanto, não sucedeu: estava-lhes reservado colocar-nos na pista de fatos
de ordem singular. Acreditaram haver descoberto, não sabemos pela iniciativa de quem, que
a impulsão dada aos objetos não era apenas o resultado de uma força mecânica cega; que
havia nesse movimento a intervenção de uma causa inteligente. Uma vez aberto, esse
caminho conduziu a um campo totalmente novo de observações. De sobre muitos mistérios
se erguia o véu. Haverá, com efeito, no caso, uma potência inteligente? Tal a questão. Se essa potência existe, qual é ela, qual a sua natureza, a sua origem? Encontra-se acima da Humanidade? Eis outras
questões que decorrem da anterior.
As primeiras manifestações inteligentes se produziram por meio de mesas que se
levantavam e, com um dos pés, davam certo número de pancadas, respondendo desse modo
- sim, ou - não, conforme fora convencionado, a uma pergunta feita. Até aí nada de
convincente havia para os cépticos, porquanto bem podiam crer que tudo fosse obra do
acaso. Obtiveram-se depois respostas mais desenvolvidas com o auxílio das letras do
alfabeto: dando o móvel um número de pancadas correspondente ao número de ordem de
cada letra, chegava-se a formar palavras e frases que respondiam às questões propostas. A
precisão das respostas e a correlação que denotavam com as perguntas causaram espanto. O
ser misterioso que assim respondia, interrogado sobre a sua natureza, declarou que era
Espírito ou Gênio, declinou um nome e prestou diversas informações a seu respeito. Há
aqui uma circunstância muito importante, que se deve assinalar. É que ninguém imaginou
os Espíritos como meio de explicar o fenômeno; foi o próprio fenômeno que revelou a
palavra. Muitas vezes, em se tratando das ciências exatas, se formulam hipóteses para darse
uma base ao raciocínio. Não é aqui o caso.
Tal meio de correspondência era, porém, demorado e incômodo. O Espírito (e isto
constitui nova circunstância digna de nota) indicou outro. Foi um desses seres invisíveis
quem aconselhou a adaptação de um lápis a uma cesta ou a outro objeto. Colocada em cima
de uma folha de papel, a cesta é posta em movimento pela mesma potência oculta que move
as mesas; mas, em vez de um simples movimento regular, o lápis traça por si mesmo
caracteres formando palavras, frases, dissertações de muitas páginas sobre as mais altas
questões de filosofia, de moral, de metafísica, de psicologia, etc., e com tanta rapidez
quanta se se escrevesse com a mão.
O conselho foi dado simultaneamente na América, na França e em diversos outros
países. Eis em que termos o deram em Paris, a 10 de junho de 1853, a um dos mais
fervorosos adeptos da doutrina e que, havia muitos anos, desde 1849, se ocupava com a
evocação dos Espíritos: “Vai buscar, no aposento ao lado, a cestinha; amarra-lhe um lápis;
coloca-a sobre o papel; põe-lhe os teus dedos sobre a borda” Alguns instantes após, a cesta
entrou a mover-se e o lápis escreveu, muito legível, esta frase: “Proíbo expressamente que transmitas a quem quer que seja o que acabo de dizer. Da primeira vez que escrever, escreverei melhor.”
O objeto a que se adapta o lápis, não passando de mero instrumento, completamente
indiferentes são a natureza e a forma que tenha. Daí o haver-se procurado dar-lhe a
disposição mais cômoda. Assim é que muita gente se serve de uma prancheta pequena.
A cesta ou a prancheta só podem ser postas em movimento debaixo da influência de
certas pessoas, dotadas, para isso, de um poder especial, as quais se designam pelo nome de
médiuns, isto é - meios ou intermediários entre os Espíritos e os homens. As condições que
dão esse poder resultam de causas ao mesmo tempo físicas e morais, ainda imperfeitamente
conhecidas, porquanto há médiuns de todas as idades, de ambos os sexos e em todos os
graus de desenvolvimento intelectual. É, todavia, uma faculdade que se desenvolve pelo
exercício.

V

Reconheceu -se mais tarde que a cesta e a prancheta não eram, realmente, mais do
que um apêndice da mão; e o médium, tomando diretamente do lápis, se pôs a escrever por
um impulso involuntário e quase febril. Dessa maneira, as comunicações se tornaram mais
rápidas, mais fáceis e mais completas. Hoje é esse o meio geralmente empregado e com
tanto mais razão quanto o número das pessoas dotadas dessa aptidão é muito considerável e
cresce todos os dias. Finalmente, a experiência deu a conhecer muitas outras variedades da
faculdade mediadora, vindo-se a saber que as comunicações podiam igualmente ser
transmitidas pela palavra, pela audição, pela visão, pelo tato, etc., e até pela escrita direta
dos Espíritos, isto é, sem o concurso da mão do médium, nem do lápis.
Obtido o fato, restava comprovar um ponto essencial - o papel do médium nas
respostas e a parte que, mecânica e moralmente, pode ter nelas. Duas circunstâncias
capitais, que não escapariam a um observador atento, tornam possível resolver-se a questão.
A primeira consiste no modo por que a cesta se move sob a influência do médium, apenas
lhe impondo este os dedos sobre os bordos. O exame do fato demonstra a impossibilidade
de o médium imprimir uma direção qualquer ao movimento daquele objeto. Essa
impossibilidade se patenteia, sobretudo, quando duas ou três pessoas colocam juntamente
as mãos sobre a cesta. Fora preciso entre elas uma concordância verdadeiramente fenomenal de movimentos. Fora preciso, demais, a concordância dos pensamentos, para que pudessem estar de acordo quanto à resposta a dar à questão formulada. Outro fato, não menos singular, ainda vem aumentar a
dificuldade. É a mudança radical da caligrafia, conforme o Espírito que se manifesta,
reproduzindo-se a de um determinado Espírito todas as vezes que ele volta a escrever. Fora
necessário, pois que o médium se houvesse exercitado em dar à sua própria caligrafia vinte
formas diferentes e, principalmente, que pudesse lembrar-se da que corresponde a tal ou tal
Espírito.
A segunda circunstância resulta da natureza mesma das respostas que, as mais das
vezes, especialmente quando se ventilam questões abstratas e científicas, estão
notoriamente fora do campo dos conhecimentos e, amiúde, do alcance intelectual do
médium, que, além disso, como de ordinário sucede, não tem consciência do que se escreve
debaixo da sua influência; que, freqüentemente, não entende ou não compreende a questão
proposta, pois que esta o pode ser num idioma que ele desconheça, ou mesmo mentalmente,
podendo a resposta ser dada nesse idioma. Enfim, acontece muito escrever a cesta
espontaneamente, sem que se haja feito pergunta alguma, sobre um assunto qualquer,
inteiramente inesperado.
Em certos casos, as respostas revelam tal cunho de sabedoria, de profundeza e de
oportunidade; exprimem pensamentos tão elevados, tão sublimes, que não podem emanar
senão de uma Inteligência superior, impregnada da mais pura moralidade. Doutras vezes,
são tão levianas, tão frívolas, tão triviais, que a razão recusa admitir derivem da mesma
fonte. Tal diversidade de linguagem não se pode explicar senão pela diversidade das
Inteligências que se manifestam. E essas Inteligências estão na Humanidade ou fora da
Humanidade? Este o ponto a esclarecer-se e cuja explicação se encontrará completa nesta
obra, como a deram os próprios Espíritos.
Eis, pois, efeitos patentes, que se produzem fora do círculo habitual das nossas
observações; que não ocorrem misteriosamente, mas, ao contrário, à luz meridiana, que
toda gente pode ver e comprovar; que não constituem privilégio de um único indivíduo e
que milhares de pessoas repetem todos os dias. Esses efeitos têm necessariamente uma
causa e, do momento que denotam a ação de uma inteligência e de uma vontade, saem do
domínio puramente físico.
Muitas teorias foram engendradas a este respeito. Examiná-las-emos dentro em pouco e
veremos se são capazes de oferecer a explicação de todos os fatos que se observam.
Admitamos, enquanto não chegamos até lá, a existência de seres distintos dos humanos,
pois que esta é a explicação ministrada pelas Inteligências que se manifestam, e vejamos o
que eles nos dizem.

VI

Conforme notamos acima, os próprios seres que se comunicam se designam a si
mesmos pelo nome de Espíritos ou Gênios, declarando, alguns, pelo menos, terem
pertencido a homens que viveram na Terra. Eles compõem o mundo espiritual, como nós
constituímos o mundo corporal durante a vida terrena.
Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos
transmitiram, a fim de mais facilmente respondermos a certas objeções.
“Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom.
“Criou o Universo, que abrange todos os seres animados e inanimados, materiais e
“imateriais.
“Os seres materiais constituem o mundo visível ou corpóreo, e os seres imateriais, o
“mundo invisível ou espírita, isto é, dos Espíritos.
“O mundo espírita é o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobrevivente
a “tudo.
“O mundo corporal é secundário; poderia deixar de existir, ou não ter jamais
“existido, sem que por isso se alterasse a essência do mundo espírita.
“Os Espíritos revestem temporariamente um invólucro material perecível, cuja
“destruição pela morte lhes restitui a liberdade.
“Entre as diferentes espécies de seres corpóreo, Deus escolheu a espécie humana
“para a encarnação dos Espíritos que chegaram a certo grau de desenvolvimento, dando-lhe
“superioridade moral e intelectual sobre as outras.
“A alma é um Espírito encarnado, sendo o corpo apenas o seu envoltório.
“Há no homem três coisas: 1°, o corpo ou ser material análogo aos animais e
“animado pelo mesmo princípio vital; 2°, a alma ou ser imaterial, Espírito encarnado no
“corpo; 3°, o laço que prende a alma ao corpo, princípio intermediário entre a matéria e o
“Espírito.
“Tem assim o homem duas naturezas: pelo corpo, participa da natureza dos animais, cujos
“instintos lhe são comuns; pela alma, participa da natureza dos Espíritos.
“O laço ou perispírito, que prende ao corpo o Espírito, é uma espécie de envoltório
“semimaterial. A morte é a destruição do invólucro mais grosseiro. O Espírito conserva o
“segundo, que lhe constitui um corpo etéreo, invisível para nós no estado normal, porém
que “pode tornar-se acidentalmente visível e mesmo tangível, como sucede no fenômeno
das “aparições.
“O Espírito não é, pois, um ser abstrato, indefinido, só possível de conceber-se pelo
“pensamento. É um ser real, circunscrito, que, em certos casos, se torna apreciável pela
“vista, pelo ouvido e pelo tato.
“Os Espíritos pertencem a diferentes classes e não são iguais, nem em poder, nem
em “inteligência, nem em saber, nem em moralidade. Os da primeira ordem são os Espíritos
“superiores, que se distinguem dos outros pela sua perfeição, seus conhecimentos, sua
“proximidade de Deus, pela pureza de seus sentimentos e por seu amor do bem: são os
anjos “ou puros Espíritos. Os das outras classes se acham cada vez mais distanciados dessa
“perfeição, mostrando-se os das categorias inferiores, na sua maioria eivados das nossas
“paixões: o ódio, a inveja, o ciúme, o orgulho, etc. Comprazem-se no mal. Há também,
entre “os inferiores, os que não são nem muito bons nem muito mais, antes perturbadores e
“enredadores, do que perversos. A malícia e as inconseqüências parecem ser o que neles
“predomina. São os Espíritos estúrdios ou levianos.
“Os Espíritos não ocupam perpetuamente a mesma categoria. Todos se melhoram
“passando pelos diferentes graus da hierarquia espírita. Esta melhora se efetua por meio da
“encarnação, que é imposta a uns como expiação, a outros como missão. A vida material é
“uma prova que lhes cumpre sofrer repetidamente, até que hajam atingido a absoluta
“perfeição moral.
“Deixando o corpo, a alma volve ao mundo dos Espíritos, donde saíra, para passar
“por nova existência material, após um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o
qual “permanece em estado de Espírito errante. (1)
_________
(1) Há entre esta doutrina da reencarnação e a da metempsicose, como a admitem certas seitas,
uma diferença característica, que é explicada no curso da presente obra.
“Tendo o Espírito que passar por muitas encarnações, segue-se que todos nós temos tido
“muitas existências e que teremos ainda outras, mais ou menos aperfeiçoadas, quer na
Terra, “quer em outros mundos.
“A encarnação dos Espíritos se dá sempre na espécie humana; seria erro acreditar-se
“que a alma ou Espírito possa encarnar no corpo de um animal.
“As diferentes existências corpóreas do Espírito são sempre progressivas e nunca
“regressivas; mas, a rapidez do seu progresso depende dos esforços que faça para chegar à
“perfeição.
“As qualidades da alma são as do Espírito que está encarnado em nós; assim, o
“homem de bem é a encarnação de um bom Espírito, o homem perverso a de um Espírito
“impuro.
“A alma possuía sua individualidade antes de encarnar; conserva-a depois de se
“haver separado do corpo.
“Na sua volta ao mundo dos Espíritos, encontra ela todos aqueles que conhecera na
“Terra, e todas as suas existências anteriores se lhe desenham na memória, com a
lembrança “de todo bem e de todo mal que fez.
“O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que vence esta
“influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos, em
cuja “companhia um dia estará. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões, e põe
todas as “suas alegrias na satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos
impuros, “dando preponderância à sua natureza animal.
“Os Espíritos encarnados habitam os diferentes globos do Universo.
“Os não encarnados ou errantes não ocupam uma região determinada e circunscrita;
“estão por toda parte no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos de contínuo.
“É toda uma população invisível, a mover-se em torno de nós.
“Os Espíritos exercem incessante ação sobre o mundo moral e mesmo sobre o
mundo “físico. Atuam sobre a matéria e sobre o pensamento e constituem uma das
potências da “Natureza, causa eficiente de uma multidão de fenômenos até então
inexplicados ou mal “explicados e que não encontram explicação racional senão no
Espiritismo.
“As relações dos Espíritos com os homens são constantes. Os bons Espíritos nos
“atraem para o bem, nos sustentam nas provas da vida e nos ajudam a suportá-las com
“coragem e resignação. Os maus nos impelem para o mal: é-lhes um gozo ver-nos e
“assemelhar-nos a eles.
“As comunicações dos Espíritos com os homens são ocultas ou ostensivas. As
“ocultas se verificam pela influência boa ou má que exercem sobre nós, à nossa revelia.
“Cabe ao nosso juízo discernir as boas das más inspirações. As comunicações ostensivas se
“dão por meio da escrita, da palavra ou de outras manifestações materiais, quase sempre
“pelos médiuns que lhes servem de instrumentos.
“Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou mediante evocação.
“Podem evocar-se todos os Espíritos: os que animaram homens obscuros, como os
“das personagens mais ilustres, seja qual for a época em que tenham vivido; os de nossos
“parentes, amigos, ou inimigos, e obter-se deles, por comunicações escritas ou verbais,
“conselhos, informações sobre a situação em que se encontram no Além, sobre o que
“pensam a nosso respeito, assim como as revelações que lhes sejam permitidas fazer-nos.
“Os Espíritos são atraídos na razão da simpatia que lhes inspire a natureza moral do
“meio que os evoca. Os Espíritos superiores se comprazem nas reuniões sérias, onde
“predominam o amor do bem e o desejo sincero, por parte dos que as compõem, de se
“instruírem e melhorarem. A presença deles afasta os Espíritos inferiores que,
inversamente, “encontram livre acesso e podem obrar com toda a liberdade entre pessoas
frívolas ou “impelidas unicamente pela curiosidade e onde quer que existam maus instintos.
Longe de se “obterem bons conselhos, ou informações úteis, deles só se devem esperar
futilidades, “mentiras, gracejos de mau gosto, ou mistificações, pois que muitas vezes
tomam nomes “venerados, a fim de melhor induzirem ao erro.
“Distinguir os bons dos maus Espíritos é extremamente fácil. Os Espíritos
superiores “usam constantemente de linguagem digna, nobre, repassada da mais alta
moralidade, “escoimada de qualquer paixão inferior; a mais pura sabedoria lhes transparece
dos “conselhos, que objetivam sempre o nosso melhoramento e o bem da Humanidade. A
dos “Espíritos inferiores, ao contrário, é inconseqüente, amiúde trivial e até grosseira. Se,
por “vezes, dizem alguma coisa boa e verdadeira, muito mais vezes dizem falsidades e
absurdos, “por malícia ou ignorância. Zombam da credulidade dos homens e se divertem à
custa dos “que os interrogam, lisonjeando-lhes a vaidade, alimentando-lhes os desejos com
falazes “esperanças. Em resumo, as comunicações sérias, na mais ampla acepção do termo, só são dadas nos centros sérios, onde intima comunhão de pensamentos, tendo em vista o bem.
“A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima
“evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem, isto é, fazer o
“bem e não o mal. Neste princípio encontra o homem uma regra universal de proceder,
“mesmo para as suas menores ações.
“Ensinam-nos que o egoísmo, o orgulho, a sensualidade são paixões que nos
“aproximam da natureza animal, prendendo-nos à matéria; que o homem que, já neste
mundo, “se desliga da matéria, desprezando as futilidades mundanas e amando o próximo,
se “avizinha da natureza espiritual; que cada um deve tornar-se útil, de acordo com as
“faculdades e os meios que Deus lhe pôs nas mãos para experimentá-lo; que o Forte e o
“Poderoso devem amparo e proteção ao Fraco, porquanto transgride a Lei de Deus aquele
“que abusa da força e do poder para oprimir o seu semelhante. Ensinam, finalmente, que, no
“mundo dos Espíritos, nada podendo estar oculto, o hipócrita será desmascarado e
“patenteadas todas as suas torpezas, que a presença inevitável, e de todos os instantes,
“daqueles para com quem houvermos procedido mal constitui um dos castigos que nos
estão “reservados; que ao estado de inferioridade e superioridade dos Espíritos
correspondem “penas e gozos desconhecidos na Terra.
“Mas, ensinam também não haver faltas irremissíveis, que a expiação não possa
“apagar. Meio de consegui-lo encontra o homem nas diferentes existências que lhe
permitem “avançar, conformemente aos seus desejos e esforços, na senda do progresso,
para a “perfeição, que é o seu destino final.”
Este o resumo da Doutrina Espírita, como resulta dos ensinamentos dados pelos
Espíritos superiores. Vejamos agora as objeções que se lhe contrapõem.

VII

Para muita gente, a oposição das corporações científicas constitui, senão uma prova,
pelo menos forte presunção contra o que quer que seja. Não somos dos que se insurgem
contra os sábios, pois não queremos dar azo a que de nós digam que escouceamos. Temolos,
ao contrário, em grande apreço e muito honrado nos julgaríamos se fôssemos conta
do entre eles. Suas opiniões, porém, não podem representar, em todas as circunstâncias,
uma sentença irrevogável.
Desde que a Ciência sai da observação material dos fatos, em se tratando de os
apreciar e explicar, o campo está aberto às conjeturas. Cada um arquiteta o seu
sistemazinho, disposto a sustentá-lo com fervor, para fazê-lo prevalecer. Não vemos todos
os dias as mais opostas opiniões serem alternativamente preconizadas e rejeitadas, ora
repelidas como erros absurdos, para logo depois aparecerem proclamadas como verdades
incontestáveis? Os fatos, eis o verdadeiro critério dos nossos juízos, o argumento sem
réplica. Na ausência dos fatos, a dúvida se justifica no homem ponderado.
Com relação às coisas notórias, a opinião dos sábios é, com toda razão, fidedigna,
porquanto eles sabem mais e melhor do que o vulgo. Mas, no tocante a princípios novos, a
coisas desconhecidas, essa opinião quase nunca é mais do que hipotética, por isso que eles
não se acham, menos que os outros, sujeitos a preconceitos. Direi mesmo que o sábio tem
mais prejuízos que qualquer outro, porque uma propensão natural o leva a subordinar tudo
ao ponto de vista donde mais aprofundou os seus conhecimentos: o matemático não vê
prova senão numa demonstração algébrica, o químico refere tudo à ação dos elementos, etc.
Aquele que se fez especialista prende todas as suas idéias à especialidade que adotou. Tirai-
o daí e o vereis quase sempre desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo cadinho:
conseqüência da fraqueza humana. Assim, pois, consultarei, do melhor grado e com a maior
confiança, um químico sobre uma questão de análise, um físico sobre a potência elétrica,
um mecânico sobre uma força motriz. Hão de eles, porém, permitir-me, sem que isto afete a
estima a que lhes dá direito o seu saber especial, que eu não tenha em melhor conta suas
opiniões negativas acerca do Espiritismo, do que o parecer de um arquiteto sobre uma
questão de música.
As ciências ordinárias assentam nas propriedades da matéria, que se pode
experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de
inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem
subordinadas aos nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas da
mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida. Querer submetê-las
aos processos comuns de investigação é estabelecer analogias que não existem. A Ciência,
propriamente dita, é, pois, como ciência, incompetente para se pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento, favorável ou não, nenhum peso poderá ter. O Espiritismo é o resultado de uma convicção pessoal, que os sábios, como indivíduos, podem adquirir,
abstração feita da qualidade de sábios. Pretender deferir a questão à Ciência equivaleria a
querer que a existência ou não da alma fosse decidida por uma assembléia de físicos ou de
astrônomos. Com efeito, o Espiritismo está todo na existência da alma e no seu estado
depois da morte. Ora, é soberanamente ilógico imaginar-se que um homem deva ser grande
psicologista, porque é eminente matemático ou notável anatomista. Dissecando o corpo
humano, o anatomista procura a alma e, porque não a encontra, debaixo do seu escalpelo,
como encontra um nervo, ou porque não a vê evolar-se como um gás, conclui que ela não
existe, colocado num ponto de vista exclusivamente material. Segue-se que tenha razão
contra a opinião universal? Não. Vedes, portanto, que o Espiritismo não é da alçada da
Ciência.
Quando as crenças espíritas se houverem vulgarizado, quando estiverem aceitas
pelas massas humanas (e, a julgar pela rapidez com que se propagam, esse tempo não vem
longe), com elas se dará o que tem acontecido a todas as idéias novas que hão encontrado
oposição: os sábios se renderão à evidência. Lá chegarão, individualmente, pela força das
coisas. Até então será intempestivo desviá-los de seus trabalhos especiais, para obrigá-los a
se ocuparem com um assunto estranho, que não lhes está nem nas atribuições, nem no
programa. Enquanto isso não se verifica, os que, sem estudo prévio e aprofundado da
matéria, se pronunciam pela negativa e escarnecem de quem não lhes subscreve o conceito,
esquecem que o mesmo se deu com a maior parte das grandes descobertas que fazem honra
à Humanidade. Expõem-se a ver seus nomes alongando a lista dos ilustres proscritores das
idéias novas e inscritos a par dos membros da douta assembléia que, em 1752, acolheu com
retumbante gargalhada a memória de Franklin sobre os pára-raios, julgando-a indigna de
figurar entre as comunicações que lhe eram dirigidas; e dos daquela outra que ocasionou
perder a França as vantagens da iniciativa da marinha a vapor, declarando o sistema de
Fulton um sonho irrealizável. Entretanto, essas eram questões da alçada daquelas
corporações. Ora, se tais assembléias, que contavam em seu seio a nata dos sábios do
mundo, só tiveram a zombaria e o sarcasmo para idéias que elas não percebiam, idéias que, alguns anos mais tarde, revolucionaram a ciência, os costumes e a indústria, como esperar que uma questão, alheia aos trabalhos que lhes são habituais, alcance hoje das suas congêneres melhor acolhimento?
Esses erros de alguns homens eminentes, se bem que deploráveis, atenta a memória
deles, de nenhum modo poderiam privá-los dos títulos que a outros respeitos conquistaram
à nossa estima; mas, será precisa a posse de um diploma oficial para se ter bom-senso? Darse-
á que fora das cátedras acadêmicas só se encontrem tolos e imbecis? Dignem-se de
lançar os olhos para os adeptos da Doutrina Espírita e digam se só com ignorantes deparam
e se a imensa legião de homens de mérito que a têm abraçado autoriza seja ela atirada ao rol
das crendices de simplórios. O caráter e o saber desses homens dão peso a esta proposição:
pois que eles afirmam, forçoso é reconhecer que alguma coisa há.
Repetimos mais uma vez que, se os fatos a que aludimos se houvessem reduzido ao
movimento mecânico dos corpos, a indagação da causa física desse fenômeno caberia no
domínio da Ciência; porém, desde que se trata de uma manifestação que se produz com
exclusão das leis da Humanidade, ela escapa à competência da ciência material, visto não
poder explicar-se por algarismos, nem por uma força mecânica. Quando surge um fato
novo, que não guarda relação com alguma ciência conhecida, o sábio, para estudá-lo, tem
que abstrair na sua ciência e dizer a si mesmo que o que se lhe oferece constitui um estudo
novo, impossível de ser feito com idéias preconcebidas.
O homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro. Mesmo aqueles,
cujas idéias são as mais falsas, se apóiam na sua própria razão e é por isso que rejeitam tudo
o que lhes parece impossível. Os que outrora repeliram as admiráveis descobertas de que a
Humanidade se honra, todos endereçavam seus apelos a esse juiz, para repeli-las. O que se
chama razão não é muitas vezes senão orgulho disfarçado e quem quer que se considere
infalível apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados, que duvidam
do que não viram, mas que, julgando do futuro pelo passado, não crêem que o homem haja
chegado ao apogeu nem que a Natureza lhe tenha facultado ler a última página do seu livro.

VIII

Acrescentemos que o estudo de uma doutrina, qual a Doutrina Espírita, que nos lança de
súbito numa ordem de coisas tão nova quão grande, só pode ser feito com utilidade por
homens sérios, perseverantes, livres de prevenções e animados de firme e sincera vontade
de chegar a um resultado. Não sabemos como dar esses qualificativos aos que julgam a
priori, levianamente, sem tudo ter visto; que não imprimem a seus estudos a continuidade, a
regularidade e o recolhimento indispensáveis. Ainda menos saberíamos dá-los a alguns que,
para não decaírem da reputação de homens de espírito, se afadigam por achar um lado
burlesco nas coisas mais verdadeiras, ou tidas como tais por pessoas cujo saber, caráter e
convicções lhes dão direito à consideração de quem quer que se preze de bem-educado.
Abstenham-se, portanto, os que entendem não serem dignos de sua atenção os fatos.
Ninguém pensa em lhes violentar a crença; concordem, pois, em respeitar a dos outros.
O que caracteriza um estudo sério é a continuidade que se lhe dá. Será de admirar
que muitas vezes não se obtenha nenhuma resposta sensata a questões de si mesmas graves,
quando propostas ao acaso e à queima-roupa, em meio de uma aluvião de outras
extravagantes? Demais, sucede freqüentemente que, por complexa, uma questão, para ser
elucidada, exige a solução de outras preliminares ou complementares. Quem deseje tornarse
versado numa ciência tem que a estudar metodicamente, começando pelo princípio e
acompanhando o encadeamento e o desenvolvimento das idéias. Que adiantará aquele que,
ao acaso, dirigir a um sábio perguntas acerca de uma ciência cujas primeiras palavras
ignore? Poderá o próprio sábio, por maior que seja a sua boa-vontade, dar-lhe resposta
satisfatória? A resposta isolada, que der, será forçosamente incompleta e quase sempre por
isso mesmo, ininteligível, ou parecerá absurda e contraditória. O mesmo ocorre em nossas
relações com os Espíritos. Quem quiser com eles instruir-se tem que com eles fazer um
curso; mas, exatamente como se procede entre nós deverá escolher seus professores e
trabalhar com assiduidade.
Dissemos que os Espíritos superiores somente às sessões sérias acorrem, sobretudo
às em que reina perfeita comunhão de pensamentos e de sentimentos para o bem. A
leviandade e as questões ociosas os afastam, como, entre os homens, afastam as pessoas
criteriosas; o campo fica, então, livre à turba dos Espíritos mentirosos e frívolos, sempre à
espreita de ocasiões propícias para zombarem de nós e se divertirem à nossa custa. Que é o que se
dará com uma questão grave em reuniões de tal ordem? Será respondida; mas, por quem?
Acontece como se a um bando de levianos, que estejam a divertir-se, propusésseis estas
questões: Que é a alma? Que é a morte? e outras tão recreativas quanto essas. Se quereis
respostas sisudas, haveis de comportar-vos com toda a sisudeza, na mais ampla acepção do
termo, e de preencher todas as condições reclamadas. Só assim obtereis grandes coisas.
Sede, além do mais, laboriosos e perseverantes nos vossos estudos, sem o que os Espíritos
superiores vos abandonarão, como faz um professor com os discípulos negligentes.

IX

O movimento dos objetos é um fato incontestável. A questão está em saber se, nesse
movimento, há ou não uma manifestação inteligente e, em caso de afirmativa, qual a origem
dessa manifestação.
Não falamos do movimento inteligente de certos objetos, nem das comunicações
verbais, nem das que o médium escreve diretamente. Este gênero de manifestações,
evidente para os que viram e aprofundaram o assunto, não se mostra, à primeira vista,
bastante independente da vontade, para firmar a convicção de um observador novato. Não
trataremos, portanto, senão da escrita obtida com o auxílio de um objeto qualquer munido
de um lápis, como cesta, prancheta, etc. A maneira pela qual os dedos do médium repousam
sobre os objetos desafia, como atrás dissemos, a mais consumada destreza de sua parte no
intervir, de qualquer modo, em o traçar das letras. Mas admitamos que a alguém, dotado de
maravilhosa habilidade, seja isso possível e que esse alguém consiga iludir o olhar do
observador; como explicar a natureza das respostas, quando se apresentam fora do quadro
das idéias e conhecimentos do médium? E note-se que não se trata de respostas
monossilábicas, porém, muitas vezes, de numerosas páginas escritas com admirável
rapidez, quer espontaneamente, quer sobre determinado assunto. De sob os dedos do
médium menos versado em literatura, surgem de quando em quando poesias de impecáveis
sublimidade e pureza, que os melhores poetas humanos não se dedignariam de subscrever.
O que ainda torna mais estranhos esses fatos é que ocorrem por toda parte e que os médiuns
se multiplicam ao infinito. São eles reais ou não? Para esta pergunta só temos uma resposta:
vede e observai; não vos faltarão ocasiões de fazê-lo; mas, sobretudo, observai repetidamente, por longo tempo e de acordo com as condições exigidas.
Que respondem a essa evidência os antagonistas? - Sois vítimas do charlatanismo ou
joguete de uma ilusão. Diremos, primeiramente, que a palavra charlatanismo não cabe onde
não há proveito. Os charlatães não fazem grátis o seu ofício. Seria, quando muito, uma
mistificação. Mas, por que singular coincidência esses mistificadores se achariam acordes,
de um extremo a outro do mundo, para proceder do mesmo modo, produzir os mesmos
efeitos e dar, sobre os mesmos assuntos e em línguas diversas, respostas idênticas, senão
quanto à forma, pelo menos quanto ao sentido? Como compreender-se que pessoas
austeras, honradas, instruídas se prestassem a tais manejos? E com que fim? Como achar
em crianças a paciência e a habilidade necessárias a tais resultados? Porque, se os médiuns
não são instrumentos passivos, indispensáveis se lhes fazem habilidade e conhecimentos
incompatíveis com a idade infantil e com certas posições sociais.
Dizem então que, se não há fraude, pode haver ilusão de ambos os lados. Em boa
lógica, a qualidade das testemunhas é de alguma importância. Ora, é aqui o caso de
perguntarmos se a Doutrina Espírita, que já conta milhões de adeptos, só os recruta entre os
ignorantes? Os fenômenos em que ela se baseia são tão extraordinários que concebemos a
existência da dúvida. O que, porém, não podemos admitir é a pretensão de alguns
incrédulos, a de terem o monopólio do bom-senso, e que, sem guardarem as conveniências
e respeitarem o valor moral de seus adversários, tachem, com desplante, de ineptos os que
lhes não seguem o parecer. Aos olhos de qualquer pessoa judiciosa, a opinião das que,
esclarecidas, observaram durante muito tempo, estudaram e meditaram uma coisa,
constituirá sempre, quando não uma prova, uma presunção, no mínimo, a seu favor, visto
ter logrado prender a atenção de homens respeitáveis, que não tinham interesse algum em
propagar erros nem tempo a perder com futilidades.

X

Entre as objeções, algumas há das mais especiosas, ao menos na aparência, porque
tiradas da observação e feitas por pessoas respeitáveis.
A uma delas serve de base a linguagem de certos Espíritos, que não parece digna da
elevação atribuída a seres sobrenaturais. Quem se reportar ao resumo da doutrina acima apresentado, verá que os próprios Espíritos nos ensinam não haver entre eles igualdade de conhecimentos nem de
qualidades morais, e que não se deve tomar ao pé da letra tudo quanto dizem. Às pessoas
sensatas incumbe separar o bom do mau. Indubitavelmente, os que desse fato deduzem que
só se comunicam conosco seres malfazejos, cuja única ocupação consista em nos mistificar,
não conhecem as comunicações que se recebem nas reuniões onde só se manifestam
Espíritos superiores; do contrário, assim não pensariam. É de lamentar que o acaso os tenha
servido tão mal, que apenas lhes haja mostrado o lado mau do mundo espírita, pois nos
repugna supor que uma tendência simpática atraia para eles, em vez dos bons Espíritos, os
maus, os mentirosos, ou aqueles cuja linguagem é de revoltante grosseria. Poder-se-ia,
quando muito, deduzir daí que a solidez dos princípios dessas pessoas não é bastante forte
para preservá-las do mal e que, achando certo prazer em lhes satisfazerem a curiosidade, os
maus Espíritos disso se aproveitam para se aproximar delas, enquanto os bons se afastam.
Julgar a questão dos Espíritos por esses fatos seria tão pouco lógico, quanto julgar
do caráter de um povo pelo que se diz e faz numa reunião de desatinados ou de gente de má
nota, com os quais não entretêm relações as pessoas circunspectas nem as sensatas. Os que
assim julgam se colocam na situação do estrangeiro que, chegando a uma grande capital
pelo mais abjeto dos seus arrabaldes, julgasse de todos os habitantes pelos costumes e
linguagem desse bairro ínfimo. No mundo dos Espíritos também há uma sociedade boa e
uma sociedade má; dignem-se, os que daquele modo se pronunciam, de estudar o que se
passa entre os Espíritos de escol e se convencerão de que a cidade celeste não contém
apenas a escória popular.
Perguntam eles: os Espíritos de escol descem até nós? Responderemos: Não fiqueis
no subúrbio; vede, observai e julgareis; os fatos aí estão para todo o mundo. A menos que
lhes sejam aplicáveis estas palavras de Jesus: Têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não
ouvem.
Como variante dessa opinião, temos a dos que não vêem, nas comunicações
espíritas e em todos os fatos materiais a que elas dão lugar, mais do que a intervenção de
uma potência diabólica, novo Proteu que revestiria todas as formas, para melhor nos
enganar. Não a julgamos suscetível de exame sério, por isso não nos demoramos em
considerá-la. Aliás, ela está refutada pelo que acabamos de dizer. Acrescentaremos, tão-somente, que, se assim fosse, forçoso seria convir em que o diabo é às vezes bastante criterioso e ponderado, sobretudo muito moral; ou então, em que também há bons diabos.
Efetivamente, como acreditar que Deus só ao Espírito do mal permita que se
manifeste, para perder-nos, sem nos dar por contrapeso os conselhos dos bons Espíritos? Se
Ele não o pode fazer, não é onipotente; se pode e não o faz, desmente a Sua bondade.
Ambas as suposições seriam blasfemas. Note-se que admitir a comunicação dos maus
Espíritos é reconhecer o princípio das manifestações. Ora, se elas se dão, não pode deixar
de ser com a permissão de Deus. Como, então, se há de acreditar, sem impiedade, que Ele
só permita o mal, com exclusão do bem? Semelhante doutrina é contrária às mais simples
noções do bom-senso e da Religião.

XI

Esquisito é, acrescentam, que só se fale dos Espíritos de personagens conhecidas e
perguntam por que são eles os únicos a se manifestarem. Há ainda aqui um erro, oriundo,
como tantos outros, de superficial observação. Dentre os Espíritos que vêm
espontaneamente, muito maior é, para nós, o número dos desconhecidos do que o dos
ilustres, designando-se aqueles por um nome qualquer, muitas vezes por um nome alegórico
ou característico. Quanto aos que se evocam, desde que não se trate de parente ou amigo, é
muito natural nos dirijamos aos que conhecemos, de preferência a chamar pelos que nos são
desconhecidos. O nome das personagens ilustres atrai mais a atenção, por isso é que são
notadas.
Acham também singular que os Espíritos dos homens eminentes acudam
familiarmente ao nosso chamado e se ocupem, às vezes, com coisas insignificantes,
comparadas com as de que cogitavam durante a vida. Nada aí há de surpreendente para os
que sabem que a autoridade, ou a consideração de que tais homens gozaram neste mundo,
nenhuma supremacia lhes dá no mundo espírita. Nisto, os Espíritos confirmam estas
palavras do Evangelho: “Os grandes serão rebaixados e os pequenos serão elevados”,
devendo esta sentença entender-se com relação à categoria em que cada um de nós se
achará entre eles. É assim que aqueles que foi primeiro na Terra pode vir a ser lá um dos
últimos. Aquele diante de quem curvávamos aqui a cabeça pode, portanto, vir falar-nos
como o mais humilde operário, pois que deixou, com a vida terrena, toda a sua grandeza, e o mais poderoso monarca pode achar-se lá muito abaixo do último dos seus soldados.

XII

Um fato demonstrado pela observação e confirmado pelos próprios Espíritos é o de
que os Espíritos inferiores muitas vezes usurpam nomes conhecidos e respeitados. Quem
pode, pois, afirmar que os que dizem ter sido, por exemplo, Sócrates, Júlio César, Carlos
Magno, Fénelon, Napoleão, Washington, etc., tenham realmente animado essas
personagens? Esta dúvida existe mesmo entre alguns adeptos fervorosos da Doutrina
Espírita, os quais admitem a intervenção e a manifestação dos Espíritos, mas inquirem
como se lhes pode comprovar a identidade. Semelhante prova é, de fato, bem difícil de
produzir-se. Conquanto, porém, não o possa ser de modo tão autêntico como por uma
certidão de registro civil, pode-o ao menos por presunção, segundo certos indícios.
Quando se manifesta o Espírito de alguém que conhecemos pessoalmente, de um
parente ou de um amigo, por exemplo, mormente se há pouco tempo que morreu, sucede
geralmente que sua linguagem se revela de perfeito acordo com o caráter que tinha aos
nossos olhos, quando vivo. Já isso constitui indício de identidade. Não mais, entretanto, há
lugar para dúvidas, desde que o Espírito fala de coisas particulares, lembra acontecimentos
de família, sabidos unicamente do seu interlocutor. Um filho não se enganará, decerto, com
a linguagem de seu pai ou de sua mãe, nem pais haverá que se equivoquem quanto à de um
filho. Neste gênero de evocações, passam-se às vezes coisas íntimas verdadeiramente
empolgantes, de natureza a convencerem o maior incrédulo. O mais obstinado céptico fica,
não raro, aterrado com as inesperadas revelações que lhe são feitas.
Outra circunstância muito característica acode em apoio da identidade. Dissemos
que a caligrafia do médium muda, em geral, quando outro passa a ser o Espírito evocado e
que a caligrafia é sempre a mesma quando o mesmo Espírito se apresenta. Tem-se
verificado inúmeras vezes, sobretudo se se trata de pessoas mortas recentemente, que a
escrita denota flagrante semelhança com a dessa pessoa em vida. Assinaturas se hão obtido
de exatidão perfeita. Longe estamos, todavia, de querer apontar esse fato como regra e
menos ainda como regra constante. Mencionamo-lo apenas como digna de nota.
Só os Espíritos que atingiram certo grau de purificação se acham libertos de toda
influência corporal. Quando ainda não estão completamente desmaterializados (é a
expressão de que usam) conservam a maior parte das idéias, dos pensadores e até das
manias que tinham na Terra, o que também constitui um meio de reconhecimento, ao qual
igualmente, se chega por uma imensidade de fatos minuciosos, que só uma observação
acurada e detida pode revelar. Vêem-se escritores a discutir suas próprias obras ou
doutrinas, a aprovar ou condenar certas partes delas; outros a lembrar circunstâncias
ignoradas, ou quase desconhecidas de suas vidas ou de suas mortes, toda sorte de
particularidades, enfim, que são, quando nada, provas morais de identidade, únicas
invocáveis, tratando-se de coisas abstratas.
Ora, se a identidade de um Espírito evocado pode, até certo ponto, ser estabelecida
em alguns casos, razão não há para que não o seja em outros; e se, com relação a pessoas,
cuja morte data de muito tempo, não se têm os mesmos meios de verificação, resta sempre
o da linguagem e do caráter, porquanto, inquestionavelmente, o Espírito de um homem de
bem não falará como o de um perverso ou de um devasso. Quanto aos Espíritos que se
apropriam de nomes respeitáveis, esses se traem logo pela linguagem que empregam e pelas
máximas que formulam. Um que se dissesse Fénelon, por exemplo, e que, ainda quando
apenas acidentalmente ofendesse o bom-senso e a moral, mostraria, por esse simples fato, o
embuste. Se, ao contrário, forem sempre puros os pensamentos que exprima, sem
contradições e constantemente à altura do caráter de Fénelon, não há motivo para que se
duvide da sua identidade. De outra forma, havíamos de supor que um Espírito que só prega
o bem é capaz de mentir conscientemente e, ainda mais, sem utilidade alguma.
A experiência nos ensina que os Espíritos da mesma categoria, do mesmo caráter e
possuídos dos mesmos sentimentos formam grupos e famílias. Ora, incalculável é o número
dos Espíritos e longe estamos de conhecê-los a todos; a maior parte deles não têm mesmo
nomes para nós. Nada, pois, impede que um Espírito da categoria de Fénelon venha em seu
lugar, muitas vezes até como seu mandatário. Apresenta-se então com o seu nome, porque
lhe é idêntico e pode substituí-lo e ainda porque precisamos de um nome para fixar as
nossas idéias. Mas, que importa, afinal, seja um Espírito, realmente ou não, o de Fénelon?
Desde que tudo o que ele diz é bom e que fala como o teria feito o próprio Fénelon, é um bom Espírito. Indiferente é o nome pelo qual se dá a conhecer, não passando muitas vezes de um meio de que lança mão para nos fixar as idéias. O mesmo, entretanto, não é admissível nas evocações íntimas; mas, aí, como dissemos há pouco, se consegue estabelecer a identidade por provas de certo modo patentes.
Inegavelmente a substituição dos Espíritos pode dar lugar a uma porção de
equívocos, ocasionar erros e, amiúde, mistificações. Essa é uma das dificuldades do
Espiritismo prático. Nunca, porém, dissemos que esta ciência fosse fácil, nem que se
pudesse aprendê-la brincando, o que, aliás, não é possível, qualquer que seja a ciência.
Jamais teremos repetido bastante que ela demanda estudo assíduo e por vezes muito
prolongado. Não sendo lícito provocarem-se os fatos, tem-se que esperar que eles se
apresentem por si mesmos. Freqüentemente ocorrem por efeito de circunstâncias em que se
não pensa. Para o observador atento e paciente os fatos abundam, por isso que ele descobre
milhares de matizes característicos, que são verdadeiros raios de luz. O mesmo se dá com
as ciências comuns. Ao passo que o homem superficial não vê numa flor mais do que uma
forma elegante, o sábio descobre nela tesouros para o pensamento.

XIII

As observações que aí ficam nos levam a dizer alguma coisa acerca de outra
dificuldade, a da divergência que se nota na linguagem dos Espíritos.
Diferindo estes muito uns dos outros, do ponto de vista dos conhecimentos e da
moralidade, é evidente que uma questão pode ser por eles resolvida em sentidos opostos,
conforme a categoria que ocupam, exatamente como sucederia, entre os homens, se a
propusessem ora a um sábio, ora a um ignorante, ora a um gracejador de mau gosto. O
ponto essencial, temo-lo dito, é sabermos a quem nos dirigimos.
Mas, ponderam, como se explica que os tidos por Espíritos de ordem superior nem
sempre estejam de acordo? Diremos, em primeiro lugar, que, independentemente da causa
que vimos de assinalar, outras há de molde a exercerem certa influência sobre a natureza
das respostas, abstração feita da probidade dos Espíritos. Este é um ponto capital, cuja
explicação alcançaremos pelo estudo. Por isso é que dizemos que estes estudos requerem
atenção demorada, observação profunda e, sobretudo, como aliás o exigem todas as ciências
humanas, continuidade e perseverança. Anos são precisos para forma-se um médico medíocre e três quartas partes da vida para chegar-se a ser um sábio. Como pretender-se em algumas horas adquirir a Ciência do Infinito?
Ninguém, pois, se iluda: o estudo do Espiritismo é imenso; interessa a todas as questões da
metafísica e da ordem social; é um mundo que se abre diante de nós. Será de admirar que o
efetuá-lo demande tempo, muito tempo mesmo?
A contradição, demais, nem sempre é tão real quanto possa parecer. Não vemos
todos os dias homens que professam a mesma ciência divergirem na definição que dão de
uma coisa, quer empreguem termos diferentes, quer a encarem de pontos de vista diversos,
embora seja sempre a mesma a idéia fundamental? Conte quem puder as definições que se
têm dado de gramática! Acrescentaremos que a forma da resposta depende muitas vezes da
forma da questão. Pueril, portanto, seria apontar contradição onde freqüentemente só há
diferença de palavras. Os Espíritos superiores não se preocupam absolutamente com a
forma. Para eles, o fundo do pensamento é tudo.
Tomemos, por exemplo, a definição de alma. Carecendo este termo de uma acepção
invariável, compreende-se que os Espíritos, como nós, divirjam na definição que dela
dêem: um poderá dizer que é o princípio da vida, outro chamar-lhe centelha anímica, um
terceiro afirmar que ela é interna, que é externa, etc., tendo todos razão, cada um do seu
ponto de vista. Poder-se-á mesmo crer que alguns deles professem doutrinas materialistas e,
todavia, não ser assim. Outro tanto acontece relativamente a Deus. Será: o princípio de
todas as coisas, o criador do Universo, a inteligência suprema, o infinito, o grande Espírito,
etc. Em definitivo, será sempre Deus. Citemos, finalmente, a classificação dos Espíritos.
Eles formam uma série ininterrupta, desde o mais ínfimo grau até o grau superior. A
classificação é, pois, arbitrária. Um, grupá-los-á em três classes, outro em cinco, dez ou
vinte, à vontade, sem que nenhum esteja em erro. Todas as ciências humanas nos oferecem
idênticos exemplos. Cada sábio tem o seu sistema; os sistemas mudam, a Ciência, porém,
não muda. Aprenda-se a botânica pelo sistema de Linneu, ou pelo de Jussieu, ou pelo de
Tournefort, nem por isso se saberá menos botânica. Deixemos, conseguintemente, de
emprestar a coisas de pura convenção mais importância do que merecem, para só nos
atermos ao que é verdadeiramente importante e, não raro, a reflexão fará se descubra, no
que pareça disparate, uma similitude que escapara a um primeiro exame.

XIV

Passaríamos de longe pela objeção que fazem alguns cépticos, a propósito das faltas
ortográficas que certos Espíritos cometem, se ela não oferecesse margem a uma observação
essencial. A ortografia deles, cumpre dizê-lo, nem sempre é irreprochável; mas, grande
escassez de razões seria mister para se fazer disso objeto de crítica séria, dizendo que, visto
saberem tudo, os Espíritos devem saber ortografia. Poderíamos opor-lhes os múltiplos
pecados desse gênero cometidos por mais de um sábio da Terra, o que, entretanto, em nada
lhes diminui o mérito. Há, porém, no fato, uma questão mais grave. Para os Espíritos,
principalmente para os Espíritos superiores, a idéia é tudo, a forma nada vale. Livres da
matéria, a linguagem de que usam entre si é rápida como o pensamento, porquanto são os
próprios pensamentos que se comunicam sem intermediário. Muito pouco à vontade hão de
eles se sentirem, quando obrigados, para se comunicarem conosco, a utilizarem-se das
formas longas e embaraçosas da linguagem humana e a lutarem com a insuficiência e a
imperfeição dessa linguagem, para exprimirem todas as idéias. É o que eles próprios
declaram. Por isso mesmo, bastante curiosos são os meios de que se servem com freqüência
para obviarem a esse inconveniente. O mesmo se daria conosco, se houvéssemos de
exprimir-nos num idioma de vocábulos e fraseados mais longos e de maior pobreza de
expressões do que o de que usamos. É o embaraço que experimenta o homem de gênio
constitui motivo de impaciência a lentidão da sua pena sempre muito atrasada no lhe
acompanhar o pensamento. Compreende-se, diante disto, que os Espíritos liguem pouca
importância à puerilidade da ortografia, mormente quando se trata de ensino profundo e
grave. Já não é maravilhoso que se exprimam indiferentemente em todas as línguas e que as
entendam todas? Não se conclua daí, todavia, que desconheçam a correção convencional da
linguagem. Observam-na, quando necessário. Assim é, por exemplo, que a poesia por eles
ditada desafiaria quase sempre a crítica do mais meticuloso purista, a despeito da
ignorância do médium.

XV
Há também pessoas que vêem perigo por toda parte e em tudo o que não conhecem.
Daí a pressa com que, do fato de haverem perdido a razão alguns dos que se entregaram
a estes estudos, tiram conclusões desfavoráveis ao Espiritismo. Como é que homens
sensatos enxergam nisto uma objeção valiosa? Não se dá o mesmo com todas as
preocupações de ordem intelectual que empolguem um cérebro fraco? Quem será capaz de
precisar quantos loucos e maníacos os estudos da matemática, da medicina, da música, da
filosofia e outros têm produzido? Dever-se-ia, em conseqüência, banir esses estudos? Que
prova isso? Nos trabalhos corporais, estropiam-se os braços e as pernas, que são os
instrumentos da ação material; nos trabalhos da inteligência, estropia-se o cérebro, que é o
do pensamento. Mas, por se haver quebrado o instrumento, não se segue que o mesmo
tenha acontecido ao Espírito. Este permanece intacto e, desde que se liberte da matéria,
gozará, tanto quanto qualquer outro, da plenitude das suas faculdades. No seu gênero, ele é,
como homem, um mártir do trabalho.
Todas as grandes preocupações do espírito podem ocasionar a loucura: as ciências,
as artes e até a religião lhe fornecem contingentes. A loucura tem como causa primária uma
predisposição orgânica do cérebro, que o torna mais ou menos acessível a certas
impressões. Dada a predisposição para a loucura, esta tomará o caráter de preocupação
principal, que então se muda em idéia fixa, podendo tanto ser a dos Espíritos, em quem com
eles se ocupou, como a de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma arte, de
uma ciência, da maternidade, de um sistema político ou social. Provavelmente, o louco
religioso se houvera tornado um louco espírita, se o Espiritismo fora a sua preocupação
dominante, do mesmo modo que o louco espírita o seria sob outra forma, de acordo com as
circunstâncias.
Digo, pois, que o Espiritismo não tem privilégio algum a esse respeito. Vou mais
longe: digo que, bem compreendido, ele é um preservativo contra a loucura.
Entre as causas mais comuns de sobreexcitação cerebral, devem contar-se as
decepções, os infortúnios, as afeições contrariadas, que, ao mesmo tempo, são as causas
mais freqüentes de suicídio. Ora, o verdadeiro espírita vê as coisas deste mundo de um
ponto de vista tão elevado; elas lhe parecem tão pequenas, tão mesquinhas, a par do futuro
que o aguarda; a vida se lhe mostra tão curta, tão fugaz, que, aos seus olhos, as tribulações
não passam de incidentes desagradáveis, no curso de uma viagem. O que, em outro,
produziria violenta emoção, mediocremente o afeta. Demais, ele sabe que as amarguras da
vida são provas úteis ao seu adiantamento, se as sofrer sem murmurar, porque será recompensado na medida da coragem com que as houver suportado. Suas convicções lhe dão,
assim, uma resignação que o preserva do desespero e, por conseguinte, de uma causa
permanente de loucura e suicídio. Conhece também, pelo espetáculo que as comunicações
com os Espíritos lhe proporcionam, qual a sorte dos que voluntariamente abreviam seus
dias e esse quadro é bem de molde a fazê-lo refletir, tanto que a cifra muito considerável já
ascende o número dos que foram detidos em meio desse declive funesto. Este é um dos
resultados do Espiritismo. Riam quanto queiram os incrédulos. Desejo-lhes as consolações
que ele prodigaliza a todos os que se hão dado ao trabalho de lhe sondar as misteriosas
profundezas.
Cumpre também colocar entre as causas da loucura o pavor, sendo que o do diabo já
desequilibrou mais de um cérebro. Quantas vítimas não têm feito os que abalam
imaginações fracas com esse quadro, que cada vez mais pavoroso se esforçam por tornar,
mediante horríveis pormenores? O diabo, dizem, só mete medo a crianças, é um freio para
fazê-las ajuizadas. Sim, é, do mesmo modo que o papão e o lobisomem. Quando, porém,
elas deixam de ter medo, estão piores do que dantes. E, para alcançar-se tão belo resultado,
não se levam em conta as inúmeras epilepsias causadas pelo abalo de cérebros delicados.
Bem frágil seria a religião se, por não infundir terror, sua força pudesse ficar comprometida.
Felizmente, assim não é. De outros meios dispõe ela para atuar sobre as almas. Mais
eficazes e mais sérios são os que o Espiritismo lhe faculta, desde que ela os saiba utilizar.
Ele mostra a realidade da coisas e só com isso neutraliza os funestos efeitos de um temor
exagerado.

XVI

Resta-nos ainda examinar duas objeções, únicas que realmente merecem este nome,
porque se baseiam em teorias racionais. Ambas admitem a realidade de todos os fenômenos
materiais e morais, mas excluem a intervenção dos Espíritos.
Segundo a primeira dessas teorias, todas as manifestações atribuídas aos Espíritos
não seriam mais do que efeitos magnéticos. Os médiuns se achariam num estado a que se
poderia chamar sonambulismo desperto, fenômeno de que podem dar testemunho todos os
que hão estudado o magnetismo. Nesse estado, as faculdades intelectuais adquirem um
desenvolvimento anormal; o círculo das operações intuitivas se amplia, para além das raias da nossa concepção ordinária. Assim sendo, o médium tiraria de si mesmo e por efeito da sua lucidez tudo o que diz e todas as noções que transmite, mesmo sobre os assuntos que mais estranhos lhe sejam, quando no estado habitual.
Não seremos nós quem conteste o poder do sonambulismo, cujos prodígios
observamos, estudando-lhe todas as fases durante mais de trinta e cinco anos. Concordamos
em que, efetivamente, muitas manifestações espíritas são explicáveis por esse meio.
Contudo, uma observação cuidadosa e prolongada mostra grande cópia de fatos em que a
intervenção do médium, a não ser como instrumento passivo, é materialmente impossível.
Aos que partilham dessa opinião, como aos outros, diremos: “Vede e observai, porque
certamente ainda não vistes tudo.” Opor-lhes-emos, em seguida, duas considerações tiradas
da própria doutrina deles. Donde veio a teoria espírita? É um sistema imaginado por alguns
homens para explicar os fatos? De modo algum. Quem então a revelou? Precisamente esses
médiuns cuja lucidez exaltais. Ora, se essa lucidez é tal como a supondes, por que teriam
eles atribuído aos Espíritos o que em si mesmos hauriam? Como teriam dado, sobre a
natureza dessas inteligências extra-humanas, as informações precisas, lógicas e tão
sublimes, que conhecemos? Uma de duas: ou eles são lúcidos, ou não o são. Se o são e se
se pode confiar na sua veracidade, não haveria meio de admitir-se, sem contradição, que
não estejam com a verdade. Em segundo lugar, se todos os fenômenos promanassem do
médium, seriam sempre idênticos num determinado indivíduo; jamais se veria a mesma
pessoa usar de uma linguagem disparatada, nem exprimir alternativamente as coisas mais
contraditórias. Esta falta de unidade nas manifestações obtidas pelo mesmo médium prova a
diversidade das fontes. Ora, desde que não as podemos encontrar todas nele, forçoso é que
as procuremos fora dele.
Segundo outra opinião, o médium é a única fonte produtora de todas as
manifestações; mas, em vez de extraí-las de si mesmo, como o pretendem os partidários da
teoria sonambúlica, ele as toma ao meio ambiente. O médium seria então uma espécie de
espelho a refletir todas as idéias, todos os pensamentos e todos os conhecimentos das
pessoas que o cercam; nada diria que não fosse conhecido, pelo menos, de algumas destas.
Não é lícito negar-se, e isso constitui mesmo um princípio da doutrina, a influência que os
assistentes exercem sobre a natureza das manifestações. Esta influência, no entanto, difere muito da que supõem existir, e, dela à que faria do médium um eco dos pensamentos daqueles que o rodeiam, vai grande distância, porquanto milhares de fatos demonstram o contrário. Há, pois, nessa maneira de pensar, grave erro, que uma vez mais prova o perigo das conclusões prematuras. Sendo-lhes impossível negar a
realidade de um fenômeno que a ciência vulgar não pode explicar e não querendo admitir a
presença dos Espíritos, os que assim opinam o explicam a seu modo. Seria especiosa a
teoria que sustentam, se pudesse abranger todos os fatos. Tal, entretanto, não se dá. Quando
se lhes demonstra, até à evidência, que certas comunicações do médium são completamente
estranhas aos pensamentos, aos conhecimentos, às opiniões mesmo de todos os assistentes,
que essas comunicações freqüentemente são espontâneas e contradizem todas as idéias
preconcebidas, ah! eles não se embaraçam com tão pouca coisa. Respondem que a
irradiação vai muito além do círculo imediato que nos envolve; o médium é o reflexo de
toda a Humanidade, de tal sorte que se as inspirações não lhe vêm dos que se acham a seu
lado, ele as vai beber fora, na cidade, no país, em todo o globo e até nas outras esferas.
Não me parece que em semelhante teoria se encontre explicação mais simples e
mais provável que a do Espiritismo, visto que ela se baseia numa causa bem mais
maravilhosa. A idéia de que seres que povoam os espaços e que, em contacto conosco, nos
comunicam seus pensamentos, nada tem que choque mais a razão do que a suposição dessa
irradiação universal, vindo, de todos os pontos do Universo, concentrar-se no cérebro de um
indivíduo.
Ainda uma vez, e este é o ponto capital sobre que nunca insistiremos bastante: a
teoria sonambúlica e a que se poderia chamar refletiva foram imaginadas por alguns
homens; são opiniões individuais, criadas para explicar um fato, ao passo que a Doutrina
dos Espíritos não é de concepção humana. Foi ditada pelas próprias Inteligências que se
manifestam, quando ninguém disso cogitava, quando até a opinião geral a repelia. Ora,
perguntamos, onde foram os médiuns beber uma doutrina que não passava pelo pensamento
de ninguém na Terra? Perguntamos ainda mais: por que estranha coincidência milhares de
médiuns espalhados por todos os pontos do globo terráqueo, e que jamais se viram,
acordaram em dizer a mesma coisa? Se o primeiro médium que apareceu na França sofreu a
influência de opiniões já aceitas na América, por que singularidade foi ele buscá-las a
2.000 léguas além-mar e no seio de um povo tão diferente pelos costumes e pela linguagem,
em vez de as tomar ao seu derredor?
Também ainda há outra circunstância em que não se tem atentado muito. As
primeiras manifestações, na França, como na América, não se verificaram por meio da
escrita nem da palavra, e, sim, por pancadas concordantes com as letras do alfabeto e
formando palavras e frases. Foi por esse meio que as inteligências, autoras das
manifestações, se declararam Espíritos. Ora, dado se pudesse supor a intervenção do
pensamento dos médiuns nas comunicações verbais ou escritas, outro tanto não seria lícito
fazer-se com relação às pancadas, cuja significação não podia ser conhecida de antemão.
Poderíamos citar inúmeros fatos que demonstram, na inteligência que se manifesta,
uma individualidade evidente e uma absoluta independência de vontade. Recomendamos,
portanto, aos dissidentes, observação mais cuidadosa e, se quiserem estudar bem, sem
prevenções, e não formular conclusões antes de terem visto tudo, reconhecerão a
impotência de sua teoria para tudo explicar. Limitar-nos-emos a propor as questões
seguintes: Por que é que a inteligência que se manifesta, qualquer que ela seja, recusa
responder a certas perguntas sobre assuntos perfeitamente conhecidos, como, por exemplo,
sobre o nome ou a idade do interlocutor, sobre o que ele tem na mão, o que fez na véspera,
o que pensa fazer no dia seguinte, etc.? Se o médium fosse o espelho do pensamento dos
assistentes, nada lhe seria mais fácil do que responder.
A esse argumento retrucam os adversários, perguntando, a seu turno, por que os
Espíritos, que devem saber tudo, não podem dizer coisa tão simples, de acordo com o
axioma: Quem pode o mais pode o menos, e daí concluem que não são os Espíritos os que
respondem. Se um ignorante ou um zombador, apresentando-se a uma douta assembléia,
perguntasse, por exemplo, por que é dia às doze horas, acreditará alguém que ela se daria o
incômodo de responder seriamente e fora lógico que, do seu silêncio ou das zombarias com
que pagasse ao interrogante, se concluísse serem todos os seus membros? Ora, exatamente
porque os Espíritos são superiores, é que não respondem a questões ociosas ou ridículas e
não consentem em ir para a berlinda; é por isso que se calam ou declaram que só se ocupam
com coisas sérias.
Perguntaremos, finalmente, por que é que os Espíritos vêm e vão-se, muitas vezes
em dado momento e, passado este, não há pedidos, nem súplicas que os façam voltar? Se o médium obrasse unicamente por impulsão mental dos assistentes, é claro que, em tal circunstância, o concurso de todas as vontades reunidas haveria de estimular-lhe a clarividência. Desde, portanto, que não cede
ao desejo da assembléia, corroborado pela própria vontade dele, é que o médium obedece a
uma influência que lhe é estranha e aos que o cercam, influência que, por esse simples fato,
testifica da sua independência e da sua individualidade.

XVII

O cepticismo, no tocante à Doutrina Espírita, quando não resulta de uma oposição
sistemática por interesse, origina-se quase sempre do conhecimento incompleto dos fatos, o
que não obsta a que alguns cortem a questão como se a conhecessem a fundo. Pode-se ter
muito atilamento, muita instrução mesmo, e carecer-se de bom-senso. Ora, o primeiro
indício da falta de bom-senso está em crer alguém infalível o seu juízo. Muita gente
também para quem as manifestações espíritas nada mais são do que objeto de curiosidade.
Confiamos em que, lendo este livro, encontrarão nesses extraordinários fenômenos alguma
coisa mais do que simples passatempo.
A ciência espírita compreende duas partes: experimental uma, relativa às
manifestações em geral, filosófica, outra, relativa às manifestações inteligentes. Aquele que
apenas haja observado a primeira se acha na posição de quem não conhecesse a Física
senão por experiências recreativas, sem haver penetrado no âmago da ciência. A verdadeira
Doutrina Espírita está no ensino que os Espíritos deram, e os conhecimentos que esse
ensino comporta são por demais profundos e extensos para serem adquiridos de qualquer
modo, que não por um estudo perseverante, feito no silêncio e no recolhimento. Porque, só
dentro desta condição se pode observar um número infinito de fatos e particularidades que
passam despercebidos ao observador superficial, e firmar opinião. Não produzisse este livro
outro resultado além do de mostrar o lado sério da questão e de provocar estudos neste
sentido e rejubilaríamos por haver sido eleito para executar uma obra em que, aliás, nenhum
mérito pessoal pretendemos ter, pois que os princípios nela exarados não são de criação
nossa. O mérito que apresenta cabe todo aos Espíritos que a ditaram. Esperamos que dará
outro resultado, o de guiar os homens que desejem esclarecer-se, mostrando-lhes, nestes
estudos, um fim grande e sublime: o do progresso individual e social e o de lhes indicar o
caminho que conduz a esse fim.
Concluamos, fazendo uma última consideração. Alguns astrônomos, sondando o
espaço, encontraram, na distribuição dos corpos celestes, lacunas não justificadas e em
desacordo com as leis do conjunto. Suspeitaram que essas lacunas deviam estar preenchidas
por globos que lhes tinham escapado à observação. De outro lado, observaram certos
efeitos, cuja causa lhes era desconhecida e disseram: Deve haver ali um mundo, porquanto
esta lacuna não pode existir e estes efeitos hão de ter uma causa. Julgando então da causa
pelo efeito, conseguiram calcular-lhe os elementos e mais tarde os fatos lhes vieram
confirmar as previsões. Apliquemos este raciocínio a outra ordem de idéias. Se se observa a
série dos seres, descobre-se que eles formam uma cadeia sem solução de continuidade,
desde a matéria bruta até o homem mais inteligente. Porém, entre o homem e Deus, alfa e
ômega de todas as coisas, que imensa lacuna! Será racional pensar-se que no homem
terminam os anéis dessa cadeia e que ele transponha sem transição a distância que o separa
do infinito? A razão nos diz que entre o homem e Deus outros elos necessariamente haverá,
como disse aos astrônomos que, entre os mundos conhecidos, outros haveria,
desconhecidos. Que filosofia já preencheu esta lacuna? O Espiritismo no-la mostra
preenchida pelos seres de todas as ordens do mundo invisível e estes seres não são mais do
que os Espíritos dos homens, nos diferentes graus que levam à perfeição. Tudo então se
liga, tudo se encadeia, desde o alfa até o ômega. Vós, que negais a existência dos Espíritos,
preenchei o vácuo que eles ocupam. E vós, que rides deles, ousai rir das obras de Deus e da
Sua onipotência!

ALLAN KARDEC.

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