sábado, 11 de agosto de 2012

PARTE 4ª CAPÍTULO I DAS PENAS E GOZOS TERRESTRES

PARTE 4ª

CAPÍTULO I
DAS PENAS E GOZOS TERRESTRES
1. Felicidade e infelicidade relativas. - 2. Perda de entes queridos. - 3. Decepções.
Ingratidão. Afeições destruídas. - 4. Uniões antipáticas. - 5. Temor da morte. - 6. Desgosto
da vida. Suicídio.

Felicidade e infelicidade relativas
920. Pode o homem gozar de completa felicidade na Terra?
“Não, por isso que a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Dele, porém,
depende a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra.”
921. Concebe-se que o homem será feliz na Terra, quando a Humanidade estiver
transformada. Mas, enquanto isso se não verifica, poderá conseguir uma felicidade
relativa?
“O homem é quase sempre o obreiro da sua própria infelicidade. Praticando a lei de
Deus, a muitos males se forrará e proporcionará a si mesmo felicidade tão grande quanto o
comporte a sua existência grosseira.”
Aquele que se acha bem compenetrado de seu destino futuro não vê na vida corporal
mais do que uma estação temporária, uma como parada momentânea em péssima hospedaria. Facilmente se consola de alguns aborrecimentos passageiros de uma viagem que o levará a tanto melhor posição,
quanto melhor tenha cuidado dos preparativos para empreendê-la.
Já nesta vida somos punidos pela infrações, que cometemos, das leis que regem a
existência corpórea, sofrendo os males conseqüentes dessas mesmas infrações e dos nossos
próprios excessos. Se, gradativamente, remontarmos à origem do que chamamos as nossas
desgraças terrenas, veremos que, na maioria dos casos, elas são a conseqüência de um
primeiro afastamento nosso do caminho reto. Desviando-nos deste, enveredamos por outro,
mau, e, de conseqüência em conseqüência, caímos na desgraça.
922. A felicidade terrestre é relativa à posição de cada um. O que basta para a
felicidade de um, constitui a desgraça de outro. Haverá, contudo, alguma soma de
felicidade comum a todos os homens?
“Com relação à vida material, é a posse do necessário. Com relação à vida moral, a
consciência tranqüila e a fé no futuro.”
923. O que para um é supérfluo não representará para outro, o necessário, e
reciprocamente, de acordo com as posições respectivas?
“Sim, conformemente às vossas idéias materiais, aos vossos preconceitos, à vossa
ambição e às vossas ridículas extravagâncias, a que o futuro fará justiça, quando
compreenderdes a verdade. Não há dúvida de que aquele que tinha cinqüenta mil libras de
renda, vendo-se reduzido a só ter dez mil, se considera muito desgraçado, por não mais
poder fazer a mesma figura, conservar o que chama a sua posição, ter cavalos, lacaios,
satisfazer a todas as paixões, etc. Acredita que lhe falta o necessário. Mas, francamente,
achas que seja digno de lástima, quando ao seu lado muitos há, morrendo de fome e frio,
sem um abrigo onde repousem a cabeça? O homem criterioso, a fim de ser feliz, olha
sempre para baixo e não para cima, a não ser para elevar sua alma ao infinito.” (715)
924. Há males que independem da maneira de proceder do homem e que atingem
mesmo os mais justos. Nenhum meio terá ele de os evitar?
“Deve resignar-se e sofrê-los sem murmurar, se quer progredir. Sempre, porém, lhe
é dado haurir consolação na própria consciência, que lhe proporciona a esperança de melhor
futuro, se fizer o que é preciso para obtê-lo.”
925. Por que favorece Deus, com os dons da riqueza, a certos homens que não
parecem tê-las merecido?
“Isso significa um favor aos olhos dos que apenas vêem o presente. Mas, ficai
sabendo, a riqueza é, de ordinário, a prova mais perigosa do que a miséria.” (814 e
seguintes)
926. Criando novas necessidades, a civilização não constitui uma fonte de novas
aflições?
“Os males deste mundo estão na razão das necessidades factícias que vos criais. A
muitos desenganos se poupa nesta vida aquele que sabe restringir seus desejos e olha sem
inveja para o que esteja acima de si. O que menos necessidades tem, esse o mais rico.
“Invejais os gozos dos que vos parecem os felizes do mundo. Sabeis, porventura, o
que lhes está reservado? Se os seus gozos são todos pessoais, pertencem eles ao número dos
egoístas: o reverso então virá. Deveis, de preferência, lastimá-los. Deus algumas vezes
permite que o mau prospere, mas a sua felicidade não é de causar inveja, porque com
lágrimas amargas a pagará. Quando um justo é infeliz, isso representa uma prova que lhe
será levada em conta, se a suportar com coragem. Lembrai-vos destas palavras de Jesus:
Bem-aventurados os que sofrem, pois que serão consolados.”
927. Não há dúvida que, à felicidade, o supérfluo não é forçosamente indispensável,
porém o mesmo não se dá com o necessário. Ora, não será real a infelicidade daqueles a
quem falta o necessário?
“Verdadeiramente infeliz o homem só o é quando sofre a falta do necessário à vida e
à saúde do corpo. Todavia, pode acontecer que essa privação seja de sua culpa. Então, só
tem que se queixar de si mesmo. Se for ocasionada por outrem, a responsabilidade recairá
sobre aquele que lhe houver dado causa.”
928. Evidentemente, por meio da especialidade das aptidões naturais, Deus indica a
nossa vocação neste mundo. Muitos dos nossos males não advirão de não seguirmos essa
vocação?
“Assim é, de fato, e muitas vezes são os pais que, por orgulho ou avareza, desviam
seus filhos da senda que a Natureza lhes traçou, comprometendo-lhes a felicidade, por
efeito desse desvio. Responderão por ele.”
a) - Acharíeis então justo que o filho de um homem altamente colocado na
sociedade fabricasse tamancos, por exemplo, desde que para isso tivesse aptidão?
“Cumpre não cair no absurdo, nem exagerar coisa alguma: a civilização tem suas
exigências. Por que haveria de fabricar tamancos o filho de um homem altamente colocado,
como dizes, se pode fazer outra coisa? Poderá sempre tornar-se útil na medida de suas
faculdades, desde que não as aplique às avessas. Assim, por exemplo, em vez de mau
advogado, talvez desse bom mecânico, etc.”
No afastarem-se os homens da sua esfera intelectual reside indubitavelmente uma
das mais freqüentes causas de decepção. A inaptidão para a carreira abraçada constitui fonte
inesgotável de reveses. Depois, o amor-próprio, sobrevindo a tudo isso, impede que o que
fracassou recorra a uma profissão mais humilde e lhe mostra o suicídio como remédio para
escapar ao que se lhe afigura humilhação. Se uma educação moral o houvesse colocado
acima dos tolos preconceitos do orgulho, jamais se teria deixado apanhar desprevenido.
929. Pessoas há, que, baldas de todos os recursos, embora no seu derredor reine a
abundância, só têm diante de si a perspectiva da morte. Que partido devem tomar? Devem deixar-se morrer de fome?
“Nunca ninguém deve ter a idéia de deixar-se morrer de fome. O homem acharia
sempre meio de se alimentar, se o orgulho não se colocasse entre a necessidade e o
trabalho. Costuma-se dizer: “Não há ofício desprezível; o seu estado não é o que desonra o
homem.” Isso, porém, cada um diz para os outros e não para si.”
930. É evidente que, se não fossem os preconceitos sociais, pelos quais se deixa o
homem dominar, ele sempre acharia um trabalho qualquer, que lhe proporcionasse meio
de viver, embora deslocando-se da sua posição. Mas, entre os que não têm preconceitos ou
os põem de lado, não há pessoas que se vêem na impossibilidade de prover às suas
necessidades, em conseqüência de moléstias ou outras causas independentes da vontade
delas?
“Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de
fome.”
Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem só por culpa sua
pode faltar o necessário. Porém, suas próprias faltas são freqüentemente resultado do meio
onde se acha colocado. Quando praticar a lei de Deus, terá uma ordem social fundada na
justiça e na solidariedade e ele próprio também será melhor.” (793)
931. Por que são mais numerosas, na sociedade, as classes sofredoras do que as
felizes?
“Nenhuma é perfeitamente feliz e o que julgais ser a felicidade muitas vezes oculta
pungentes aflições. O sofrimento está por toda parte. Entretanto, para responder ao teu
pensamento, direi que as classes a que chamas sofredoras são mais numerosas, por ser a
Terra lugar de expiação. Quando a houver transformado em morada do bem e de Espíritos
bons, o homem deixará de ser infeliz aí e ela lhe será o paraíso terrestre.”
932. Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?
“Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos.
Quando estes o quiserem, preponderarão.”
933. Assim como, quase sempre, é o homem o causador de seus sofrimentos
materiais, também o será de seus sofrimentos morais?
“Mais ainda, porque os sofrimentos materiais algumas vezes independem da
vontade; mas, o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o
ciúme, todas as paixões, numa palavra, são torturas da alma.
“A inveja e o ciúme! Felizes os que desconhecem estes dois vermes roedores! Para
aquele que a inveja e o ciúme atacam, não há calma, nem repouso possíveis. À sua frente,
como fantasmas que lhe não dão tréguas e o perseguem até durante o sono, se levantam os
objetos de sua cobiça, do seu ódio, do seu despeito. O invejoso e o ciumento vivem ardendo
em contínua febre. Será essa uma situação desejável e não compreendeis que, com as suas
paixões, o homem cria para si mesmo suplícios voluntários, tornando-se-lhe a Terra
verdadeiro inferno?”
Muitas expressões pintam energicamente o efeito de certas paixões. Diz-se: ímpar
de orgulho, morrer de inveja, secar de ciúme ou de despeito, não comer nem beber de
ciúmes, etc. Este quadro é sumamente real. Acontece até não ter o ciúme objeto
determinado. Há pessoas ciumentas, por natureza, de tudo o que se eleva, de tudo o que sai
da craveira vulgar, embora nenhum interesse direto tenham, mas unicamente porque não
podem conseguir outro tanto. Ofusca-as tudo o que lhes parece estar acima do horizonte e,
se constituíssem maioria na sociedade, trabalhariam para reduzir tudo ao nível em que se
acham. É o ciúme aliado à mediocridade.
De ordinário, o homem só é infeliz pela importância que liga às coisas deste mundo.
Fazem-lhe a infelicidade a vaidade, a ambição e a cobiça desiludidas. Se se colocar fora do
círculo acanhado da vida material, se elevar seus pensamentos para o infinito, que é seu
destino, mesquinhas e pueris lhe parecerão as vicissitudes da Humanidade, como o
são as tristezas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo, que resumia a sua
felicidade suprema.
Aquele que só vê felicidade na satisfação do orgulho e dos apetites grosseiros é
infeliz, desde que não os pode satisfazer, ao passo que aquele que nada pede ao supérfluo é
feliz com os que outros consideram calamidades.
Referimo-nos ao homem civilizado, porquanto, o selvagem, sendo mais limitadas as
suas necessidades, não tem os mesmos motivos de cobiça e de angústias. Diversa é a sua
maneira de ver as coisas. Como civilizado, o homem raciocina sobre a sua infelicidade e a
analisa. Por isso é que esta o fere. Mas, também, lhe é facultado raciocinar sobre os meios
de obter consolação e de analisá-los. Essa consolação ele a encontra no sentimento cristão,
que lhe dá a esperança de melhor futuro, e no Espiritismo que lhe dá a certeza desse
futuro.

Perdas dos entes queridos
934. A perda dos entes que nos são caros não constitui para nós legítima causa de
dor, tanto mais legítima quanto é irreparável e independente da nossa vontade?
“Essa causa de dor atinge assim o rico, como o pobre: representa uma prova, ou
expiação, e comum é a lei. Tendes, porém, uma consolação em poderdes comunicar-vos
com os vossos amigos pelos meios que vos estão ao alcance, enquanto não dispondes de
outros mais diretos e mais acessíveis aos vossos sentidos.”
935. Que se deve pensar da opinião dos que consideram profanação as
comunicações com o além-túmulo?
“Não pode haver nisso profanação, quando haja recolhimento e quando a evocação
seja praticada respeitosa e convenientemente. A prova de que assim é tendes no fato de que
os Espíritos que vos consagram afeição acodem com prazer ao vosso chamado. Sentem-se
felizes por vos lembrardes deles e por se comunicarem convosco. Haveria profanação, se
isso fosse feito levianamente.”
A possibilidade de nos pormos em comunicação com os Espíritos é uma dulcíssima
consolação, pois que nos proporciona meio de conversarmos com os nossos parentes e amigos, que deixaram antes de nós a Terra. Pela evocação, aproximamo-los de nós, eles vêm
colocar-se ao nosso lado, nos ouvem e respondem. Cessa assim, por bem dizer, toda
separação entre eles e nós. Auxiliam-nos com seus conselhos, testemunham-nos o afeto que
nos guardam e a alegria que experimentam por nos lembrarmos deles. Para nós, grande
satisfação é sabê-los ditosos, informar-nos, por seu intermédio, dos pormenores da nova
existência a que passaram e adquirir a certeza de que um dia nos iremos a eles juntar.
936. Como é que as dores inconsoláveis dos que sobrevivem se refletem nos
Espíritos que as causam?
“O Espírito é sensível à lembrança e às saudades dos que lhe eram caros na Terra;
mas, uma dor incessante e desarrazoada o toca penosamente, porque, nessa dor excessiva,
ele vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um obstáculo ao
adiantamento dos que o choram e talvez à sua reunião com estes.”
Estando o Espírito mais feliz no Espaço que na Terra, lamentar que ele tenha
deixado a vida corpórea é deplorar que seja feliz. Figuremos dois amigos que se achem
metidos na mesma prisão. Ambos alcançarão um dia a liberdade, mas um a obtém antes do
outro. Seria caridoso que o que continuou preso se entristecesse porque o seu amigo foi
libertado primeiro? Não haveria, de sua parte, mais egoísmo do que afeição em querer que
do seu cativeiro e do seu sofrer partilhasse o outro por igual tempo? O mesmo se dá com
dois seres que se amam na Terra. O que parte primeiro é o que primeiro se liberta e só nos
cabe felicitá-lo, aguardando com paciência o momento em que a nosso turno também o
seremos.
Façamos ainda, a este propósito, outra comparação. Tendes um amigo que, junto de
vós, se encontra em penosíssima situação. Sua saúde ou seus interesses exigem que vá para
outro país, onde estará melhor a todos os respeitos. Deixará temporariamente de se achar ao
vosso lado, mas com ele vos correspondereis sempre: a separação será apenas material.
Desgostar-vos-ia o seu afastamento, embora para o bem dele?
Pelas provas patentes, que ministra, da vida futura, da presença, em torno de nós,
daqueles a quem amamos, da continuidade da afeição e da solicitude que nos dispensavam;
pelas relações que nos faculta manter com eles, a Doutrina Espírita nos oferece suprema
consolação, por ocasião de uma das mais legítimas dores. Com o Espiritismo, não mais solidão, não mais abandono: o homem, por muito insulado que esteja, tem sempre perto de si amigos com quem pode
comunicar-se.
Impacientemente suportamos as tribulações da vida. Tão intoleráveis nos parecem,
que não compreendemos possamos sofrê-las. Entretanto, se as tivermos suportado
corajosamente, se soubermos impor silêncio às nossas murmurações, felicitar-nos-emos,
quando fora desta prisão terrena, como o doente que sofre se felicita, quando curado, por se
haver submetido a um tratamento doloroso.

Decepções. Ingratidão. Afeições destruídas
937. Para o homem de coração, as decepções oriundas da ingratidão e da
fragilidade dos laços da amizade não são também uma fonte de amarguras?
“São; porém, deveis lastimar os ingratos e os infiéis: serão muito mais infelizes do
que vós. A ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta topará mais tarde com corações
insensíveis, como o seu próprio o foi. Lembrai-vos de todos os que hão feito mais bem do
que vós, que valeram muito mais do que vós e que tiveram por paga a ingratidão. Lembraivos
de que o próprio Jesus foi, quando no mundo, injuriado e menosprezado, tratado de
velhaco. Seja o bem que houverdes feito a vossa recompensa na Terra e não atenteis no que
dizem os que hão recebido os vossos benefícios. A ingratidão é uma prova para a vossa
perseverança na prática do bem; ser-vos-á levada em conta e os que vos forem ingratos
serão tanto mais punidos, quanto maior lhes tenha sido a ingratidão.”
938. As decepções oriundas da ingratidão não serão de molde a endurecer o
coração e a fechá-lo à sensibilidade?
“Fora um erro, porquanto o homem de coração, como dizes, se sente sempre feliz
pelo bem que faz. Sabe que, se esse bem for esquecido nesta vida, será lembrado em outra e
que o ingrato se envergonhará e terá remorsos da sua ingratidão.”
a) - Mas, isso não impede que se lhe ulcere o coração. Ora, daí não poderá nascerlhe
a idéia de que seria mais feliz, se fosse menos sensível?
“Pode, se preferir a felicidade do egoísta. Triste felicidade essa! Saiba, pois, que os
amigos ingratos que os abandonam não são dignos de sua amizade e que se enganou a
respeito deles. Assim sendo, não há de que lamentar o tê-los perdido. Mais tarde achará
outros, que saberão compreendê-lo melhor. Lastimai os que usam para convosco de um
procedimento que não tenhais merecido, pois bem triste se lhes apresentará o reverso da
medalha. Não vos aflijais, porém, com isso: será o meio de vos colocardes acima deles.”
A Natureza deu ao homem a necessidade de amar e de ser amado. Um dos maiores
gozos que lhe são concedidos na Terra é o de encontrar corações que com o seu
simpatizem. Dá-lhe ela, assim, as primícias da felicidade que o aguarda no mundo dos
Espíritos perfeitos, onde tudo é amor e benignidade. Desse gozo está excluído o egoísta.

Uniões antipáticas
939. Uma vez que os Espíritos simpáticos são induzidos a unir-se, como é que, entre
os encarnados, freqüentemente só de um lado há afeição e que o mais sincero amor se vê
acolhido com indiferença e, até, com repulsão? Como é, além disso, que a mais viva
afeição de dois seres pode mudar-se em antipatia e mesmo em ódio?
“Não compreendes então que isso constitui uma punição, se bem que passageira?
Depois, quantos não são os que acreditam amar perdidamente, porque apenas julgam pelas
aparências, e que, obrigados a viver com as pessoas amadas, não tardam a reconhecer que
só experimentaram um encantamento material! Não basta uma pessoa estar enamorada de
outra que lhe agrada e em quem supõe belas qualidades. Vivendo realmente com ela é que
poderá apreciá-la. Tanto assim que, em muitas uniões, que a princípio parecem destinadas a
nunca ser simpáticas, acabam os que as constituíram, depois de se haverem estudado bem e
de bem se conhecerem, por votar-se, reciprocamente, duradouro e terno amor, porque assente na estima! Cumpre não se esqueça de que é o Espírito quem ama e não o corpo, de sorte que, dissipada a ilusão
material, o Espírito vê a realidade.
“Duas espécies há de afeição: a do corpo e a da alma, acontecendo com freqüência
tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura; efêmera
a do corpo. Daí vem que, muitas vezes, os que julgavam amar-se com eterno amor passam a
odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.”
940. Não constitui igualmente fonte de dissabores, tanto mais amargos quanto
envenenam toda a existência, a falta de simpatia entre seres destinados a viver juntos?
“Amaríssimos, com efeito. Essa, porém, é uma das infelicidades de que sois, as mais
das vezes, a causa principal. Em primeiro lugar, o erro é das vossas leis. Julgas, porventura,
que Deus te constranja a permanecer junto dos que te desagradam? Depois, nessas uniões,
ordinariamente buscais a satisfação do orgulho e da ambição, mais do que a ventura de uma
afeição mútua. Sofreis então as conseqüências dos vossos prejuízos.”
a) - Mas, nesse caso, não há quase sempre uma vítima inocente?
“Há e para ela é uma dura expiação. Mas, a responsabilidade da sua desgraça recairá
sobre os que lhe tiverem sido os causadores. Se a luz da verdade já lhe houver penetrado a
alma, em sua fé no futuro haurirá consolação. Todavia, à medida que os preconceitos se
enfraquecerem, as causas dessas desgraças íntimas também desaparecerão.”

Temor da morte
941. Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa de perplexidade, Donde
lhes vêm esse temor, tendo elas diante de si o futuro?
“Falece-lhes fundamento para semelhante temor. Mas, que queres! Se procuram
persuadi-las, quando crianças, de que há um inferno e um paraíso e que mais certo é irem para o inferno, visto que também lhes disseram que o que está na Natureza constitui pecado mortal para a alma! Sucede então que, tornadas adultas, essas pessoas, se algum juízo têm, não podem admitir tal coisa e se
fazem atéias, ou materialistas. São assim levadas a crer que, além da vida presente, nada
mais há. Quanto aos que persistiram nas suas crenças da infância, esses temem aquele fogo
eterno que os queimará sem os consumir.
“Ao justo, nenhum temor inspira a morte, porque, com a fé, tem ele a certeza do
futuro. A esperança fá-lo contar com uma vida melhor; e a caridade, a cuja lei obedece, lhe
dá a segurança de que, no mundo para onde terá de ir, nenhum ser encontrará cujo olhar lhe
seja de temer.” (730)
O homem carnal, mais preso à vida corpórea do que à vida espiritual tem, na Terra,
penas e gozos materiais. Sua felicidade consiste na satisfação fugaz de todos os seus
desejos. Sua alma, constantemente preocupada e angustiada pelas vicissitudes da vida, se
conserva numa ansiedade e numa tortura perpétuas. A morte o assusta, porque ele duvida
do futuro e porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças.
O homem moral, que se colocou acima das necessidades factícias criadas pelas
paixões, já neste mundo experimenta gozos que o homem material desconhece. A
moderação de seus desejos lhe dá ao Espírito calma e serenidade. Ditoso pelo bem que faz,
não há para ele decepções e as contrariedades lhe deslizam por sobre a alma, sem nenhuma
impressão dolorosa deixarem.
942. Pessoas não haverá que achem um tanto banais esses conselhos para ser-se
feliz na Terra; que neles vejam o que chamam lugares comuns, cediças verdades; e que
digam, que, afinal, o segredo para ser-se feliz consiste em saber cada um suportar a sua
desgraça?
“Há as que isso dizem e em grande número. Mas, muitas se parecem com certos
doentes a quem o médico prescreve a dieta; desejariam curar-se sem remédios e
continuando a apanhar indigestões.”

Desgosto da vida. Suicídio
943. Donde nasce o desgosto da vida, que, sem motivos plausíveis, se apodera de
certos indivíduos?
“Efeito da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade.
“Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas
aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente. Ele lhe
suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto obra com o fito da
felicidade mais sólida e mais durável que o espera.”
944. Tem o homem o direito de dispor da sua vida?
“Não; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário importa numa
transgressão desta lei.”
a) - Não é sempre voluntário o suicídio?
“O louco que se mata não sabe o que faz.”
945. Que se deve pensar do suicídio que tem como causa o desgosto da vida?
“Insensatos! Por que não trabalhavam? A existência não lhes teria sido tão pesada.”
946. E do suicídio cujo fim é fugir, aquele que o comete, às misérias e às decepções
deste mundo?
“Pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar as misérias da existência!
Deus ajuda aos que sofrem e não aos que carecem de energia e de coragem. As tribulações
da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão
recompensados! Ai, porém, daqueles que esperam a salvação do que, na sua impiedade,
chamam acaso, ou fortuna! O acaso, ou a fortuna, para me servir da linguagem deles,
podem, com efeito, favorecê-los por um momento, mas para lhes fazer sentir mais tarde,
cruelmente, a vacuidade dessas palavras.”
a) - Os que hajam conduzido o desgraçado a esse ato de desespero sofrerão as
conseqüências de tal proceder?
“Oh! Esses, ai deles! Responderão como por um assassínio.”
947. Pode ser considerado suicida aquele que, a braços com a maior penúria, se
deixa morrer de fome?
“É um suicídio, mas os que lhe foram causa, ou que teriam podido impedi-lo, são
mais culpados do que ele, a quem a indulgência espera. Todavia, não penseis que seja
totalmente absolvido, se lhe faltaram firmeza e perseverança e se não usou de toda a sua
inteligência para sair do atoleiro. Ai dele, sobretudo, se o seu desespero nasce do orgulho.
Quero dizer: se for quais homens em quem o orgulho anula os recursos da inteligência, que
corariam de dever a existência ao trabalho de suas mãos e que preferem morrer de fome a
renunciar ao que chamam sua posição social! Não haverá mil vezes mais grandeza e
dignidade em lutar contra a adversidade, em afrontar a crítica de um mundo fútil e egoísta,
que só tem boa-vontade para com aqueles a quem nada falta e que vos volta as costas assim
precisais dele? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é estultícia, porquanto ele a
isso nenhum apreço dá.”
948. É tão reprovável, como o que tem por causa o desespero, o suicídio daquele
que procura escapar à vergonha de uma ação má?
“O suicídio não apaga a falta. Ao contrário, em vez de uma, haverá duas. Quando se
teve a coragem de praticar o mal, é preciso ter-se a de lhe sofrer as conseqüências. Deus,
que julga, pode, conforme a causa, abrandar os rigores de Sua justiça.”
949. Será desculpável o suicídio, quando tenha por fim obstar a que a vergonha
caia sobre os filhos, ou sobre a família?
“O que assim procede não faz bem. Mas, como pensa que o faz, Deus lhe leva isso
em conta, pois que é uma expiação que ele se impõe a si mesmo. A intenção lhe atenua a falta; entretanto, nem por isso deixa de haver falta. Demais; eliminai da vossa sociedade os abusos e os preconceitos e
deixará de haver desses suicídios.”
Aquele que tira de si mesmo a vida, para fugir à vergonha de uma ação má, prova
que dá mais apreço à estima dos homens do que à de Deus, visto que volta para a vida
espiritual carregado de suas iniqüidades, tendo-se privado dos meios de repará-los durante a
vida corpórea. Deus, geralmente, é menos inexorável do que os homens. Perdoa aos que
sinceramente se arrependem e atende à reparação. O suicídio nada repara.
950. Que pensar daquele que se mata, na esperança de chegar mais depressa a uma
vida melhor?
“Outra loucura! Que faça o bem e mais cedo estará de lá chegar, pois, matando-se,
retarda a sua entrada num mundo melhor e terá que pedir lhe seja permitido voltar, para
concluir a vida a que pôs termo sob o influxo de uma idéia falsa. Uma falta, seja qual for,
jamais abre a ninguém o santuário dos eleitos.”
951. Não é, às vezes, meritório o sacrifício da vida, quando aquele que o faz visa
salvar a de outrem, ou ser útil aos seus semelhantes?
“Isso é sublime, conforme a intenção, e, em tal caso, o sacrifício da vida não
constitui suicídio. Mas, Deus se opõe a todo sacrifício inútil e não o pode ver de bom grado,
se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, não raro,
quem o faz guarda oculto um pensamento, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.”
Todo sacrifício que o homem faça à custa da sua própria felicidade é um ato
soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque resulta da prática da lei de caridade.
Ora, sendo a vida o bem terreno a que maior apreço dá o homem, não comete atentado o
que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes: cumpre um sacrifício. Mas, antes de o
cumprir, deve refletir sobre se sua vida não será mais útil do que sua morte.
952. Comete suicídio o homem que perece vítima de paixões que ele sabia lhe
haviam de apressar o fim, porém a que já não podia resistir, por havê-las o hábito mudado
em verdadeiras necessidades físicas?
“É um suicídio moral. Não percebeis que, nesse caso, o homem é duplamente
culpado? Há nele então falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de
Deus.”
a) - Será mais, ou menos, culpado do que o que tira a si mesmo a vida por
desespero?
“É mais culpado, porque tem tempo de refletir sobre o seu suicídio. Naquele que o
faz instantaneamente, há, muitas vezes, uma espécie de desvairamento, que alguma coisa
tem da loucura. O outro será muito mais punido, por isso que as penas são proporcionadas
sempre à consciência que o culpado tem das faltas que comete.”
953. Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada
se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua
morte?
“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a
existência. E quem poderá estar certo de que, mau grado às aparências, esse termo tenha
chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?”
a) - Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o suicídio seja condenável;
mas, estamos figurando o caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada
de alguns instantes.
“É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.”
b) - Quais, nesse caso, as conseqüências de tal ato?
“Uma expiação proporcionada, como sempre, à gravidade da falta, de acordo com as
circunstâncias.”
954. Será condenável uma imprudência que compromete a vida sem necessidade?
“Não há culpabilidade, em não havendo intenção, ou consciência perfeita da prática
do mal.”
955. Podem ser consideradas suicidas e sofrem as conseqüências de um suicídio as
mulheres que, em certos países, se queimam voluntariamente sobre os corpos dos maridos?
“Obedecem a um preconceito e, muitas vezes, mais à força do que por vontade.
Julgam cumprir um dever e esse não é o caráter do suicídio. Encontram desculpa na
nulidade moral que as caracteriza, em a sua maioria, e na ignorância em que se acham.
Esses usos bárbaros e estúpidos desaparecem com o advento da civilização.”
956. Alcançam o fim objetivado aqueles que, não podendo conformar-se com a
perda de pessoas que lhes eram caras, se matam na esperança de ir juntar-se-lhes?
“Muito diverso do que esperam é o resultado que colhem. Em vez de se reunirem ao
que era objeto de suas afeições, dele se afastam por longo tempo, pois não é possível que
Deus recompense um ato de covardia e o insulto que Lhe fazem com o duvidarem da Sua
providência. Pagarão esse instante de loucura com aflições maiores do que as que pensaram
abreviar e não terão, para compensá-las, a satisfação que esperavam.” (934 e seguintes)
957. Quais, em geral, com relação ao estado do Espírito, as conseqüências do
suicídio?
“Muito diversas são as conseqüências do suicídio. Não há penas determinadas e, em
todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma
conseqüência a que o suicida não pode escapar; é o desapontamento. Mas, a sorte não é a
mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente,
outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.”
A observação, realmente, mostra que os efeitos do suicídio não são idênticos.
Alguns há, porém, comuns a todos os casos de morte violenta e que são a conseqüência da interrupção brusca da vida. Há, primeiro, a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o Espírito ao corpo, por estar quase sempre esse laço na plenitude da sua força no momento em que é partido, ao
passo que, no caso de morte natural, ele se enfraquece gradualmente e muitas vezes se
desfaz antes que a vida se haja extinguido completamente. As conseqüências deste estado
de coisas são o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se à ilusão em que,
durante mais ou menos tempo, o Espírito se conserva de que ainda pertence ao número dos
vivos. (155 e 165)
A afinidade que permanece entre o Espírito e o corpo produz nalguns suicidas, uma
espécie de repercussão do estado do corpo no Espírito, que, assim, a seu mau grado, sente
os efeitos da decomposição, donde lhe resulta uma sensação cheia de angústias e de horror,
estado esse que também pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofreu
interrupção. Não é geral este efeito; mas, em caso algum, o suicida fica isento das
conseqüências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a
culpa em que incorreu. Assim é que certos Espíritos, que foram muito desgraçados na
Terra, disseram ter-se suicidado na existência precedente e submetido voluntariamente a
novas provas, para tentarem suportá-las com mais resignação. Em alguns, verifica-se uma
espécie de ligação à matéria, de que inutilmente procuram desembaraçar-se, a fim de
voarem para mundos melhores, cujo acesso, porém, se lhes conserva interdito. A maior
parte deles sofre o pesar de haver feito uma coisa inútil, pois que só decepções encontram.
A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis
da Natureza. Todas nos dizem, em princípio, que ninguém tem o direito de abreviar
voluntariamente a vida. Entretanto, por que não se tem esse direito? Por que não é livre o
homem de por termo aos seus sofrimentos? Ao Espiritismo estava reservado demonstrar,
pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é uma falta, somente por constituir
infração de uma lei moral, consideração de pouco peso para certos indivíduos, mas também
um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica, antes o contrário é o que se dá, como
no-lo ensinam, não a teoria, porém os fatos que ele nos põe sob as vistas.

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