sábado, 11 de agosto de 2012

PARTE 3ª CAPÍTULO XII DA PERFEIÇÃO MORAL

PARTE 3ª

CAPÍTULO XII
DA PERFEIÇÃO MORAL
1. As virtudes e os vícios. - 2. Paixões. - 3. O egoísmo. - 4. Caracteres do homem de bem. -
5. Conhecimento de si mesmo.

As virtudes e os vícios
893. Qual a mais meritória de todas as virtudes?
“Toda virtude tem seu mérito próprio, porque todas indicam progresso na senda do
bem. Há virtudes sempre que há resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores.
A sublimidade da virtude, porém, está no sacrifício do interesse pessoal, pelo bem do
próximo, sem pensamento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais desinteressada
caridade.”
894. Há pessoas que fazem o bem espontaneamente, sem que precisem vencer
quaisquer sentimentos que lhes sejam opostos. Terão tanto mérito, quanto as que se vêem
na contingência de lutar contra a natureza que lhes é própria e a vencem?
“Só não têm que lutar aqueles em quem já há progresso realizado. Esses lutaram
outrora e triunfaram. Por isso é que os bons sentimentos nenhum esforço lhes custam e suas
ações lhes parecem simplíssimas. O bem se lhes tornou um hábito. Devidas lhes são as
honras que se costumam tributar a velhos guerreiros que conquistaram seus altos postos.
“Como ainda estais longe da perfeição, tais exemplos vos espantam pelo contraste
com o que tendes à vista e tanto mais os admirais, quanto mais raros são. Ficai sabendo,
porém, que, nos mundos mais adiantados do que o vosso, constitui a regra o que entre vós
representa a exceção. Em todos os pontos desses mundos, o sentimento do bem é
espontâneo, porque somente bons Espíritos os habitam. Lá, uma só intenção maligna seria
monstruosa exceção. Eis por que neles os homens são ditosos. O mesmo se dará na Terra,
quando a Humanidade se houver transformado, quando compreender e praticar a caridade
na sua verdadeira acepção.”
895. Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se pode
equivocar, qual o sinal mais característico da imperfeição?
“O interesse pessoal. Freqüentemente, as qualidades morais são como, num objeto
de cobre, a douradura que não resiste à pedra de toque. Pode um homem possuir qualidades
reais, que levem o mundo a considerá-lo homem de bem. Mas, essas qualidades, conquanto
assinalem um progresso, nem sempre suportam certas provas e às vezes basta que se fira a
corda do interesse pessoal para que o fundo fique a descoberto. O verdadeiro desinteresse é
coisa ainda tão rara na Terra que, quando se patenteia todos o admiram como se fora um
fenômeno.
“O apego às coisas materiais constitui sinal notório de inferioridade, porque, quanto
mais se aferrar aos bens deste mundo, tanto menos compreende o homem o seu destino.
Pelo desinteresse, ao contrário, demonstra que encara de um ponto mais elevado o futuro.”
896. Há pessoas desinteressadas, mas sem discernimento, que prodigalizam seus
haveres sem utilidade real, por lhes não saberem dar emprego criterioso. Têm algum
merecimento essas pessoas?
“Têm o do desinteresse, porém não o do bem que poderiam fazer. O desinteresse é
uma virtude, mas a prodigalidade irrefletida constitui sempre, pelo menos,
falta de juízo. A riqueza, assim como não é dada a uns para ser aferrolhada num cofre forte,
também não o é a outros para ser dispersada ao vento. Representa um depósito de que uns e
outros terão de prestar contas, porque terão de responder por todo o bem que podiam fazer e
não fizeram, por todas as lágrimas que podiam ter estancado com o dinheiro que deram aos
que dele não precisavam.”
897. Merecerá reprovação aquele que faz o bem, sem visar a qualquer recompensa
na Terra, mas esperando que lhe seja levado em conta na outra vida e que lá venha a ser
melhor a sua situação? E essa preocupação lhe prejudicará o progresso?
“O bem deve ser feito caritativamente, isto é, com desinteresse.”
a) - Contudo, todos alimentam o desejo muito natural de progredir, para forrar-se à
penosa condição desta vida. Os próprios Espíritos nos ensinam a praticar o bem com esse
objetivo. Será, então, um mal pensarmos que, praticando o bem, podemos esperar coisa
melhor do que temos na Terra?
“Não, certamente; mas aquele que faz o bem, sem idéia preconcebida, pelo só prazer
de ser agradável a Deus e ao seu próximo que sofre, já se acha num certo grau de progresso,
que lhe permitirá alcançar a felicidade muito mais depressa do que seu irmão que, mais
positivo, faz o bem por cálculo e não impelido pelo ardor natural do seu coração.” (894)
b) - Não haverá aqui uma distinção a estabelecer-se entre o bem que podemos fazer
ao nosso próximo e o cuidado que pomos em corrigir-nos dos nossos defeitos?
Concebemos que seja pouco meritório fazermos o bem com a idéia de que nos seja levado
em conta na outra vida; mas será igualmente indício de inferioridade emendarmo-nos,
vencermos as nossas paixões, corrigirmos o nosso caráter, com o propósito de nos
aproximarmos dos bons Espíritos e de nos elevarmos?
“Não, não. Quando dizemos - fazer o bem, queremos significar - ser caridoso.
Procede como egoísta todo aquele que calcula o que lhe possa cada uma de suas boas ações
render na vida futura, tanto quanto na vida terrena. Nenhum egoísmo, porém, há em querer
o homem melhorar-se, para se aproximar de Deus, pois que é o fim para o qual devem
todos tender.”
898. Sendo a vida corpórea apenas uma estada temporária neste mundo e devendo
o futuro constituir objeto da nossa principal preocupação, será útil nos esforcemos por
adquirir conhecimentos científicos que só digam respeito às coisas e às necessidades
materiais?
“Sem dúvida. Primeiramente, isso vos põe em condições de auxiliar os vossos
irmãos; depois, o vosso Espírito subirá mais depressa, se já houver progredido em
inteligência. Nos intervalos das encarnações, aprendereis numa hora o que na Terra vos
exigiria anos de aprendizado. Nenhum conhecimento é inútil; todos mais ou menos
contribuem para o progresso, porque o Espírito, para ser perfeito, tem que saber tudo, e
porque, cumprindo que o progresso se efetue em todos os sentidos, todas as idéias
adquiridas ajudam o desenvolvimento do Espírito.”
899. Qual o mais culpado de dois homens ricos que empregam exclusivamente em
gozos pessoais suas riquezas, tendo um nascido na opulência e desconhecido sempre a
necessidade, devendo o outro ao seu trabalho os bens que possui?
“Aquele que conheceu os sofrimentos, porque sabe o que é sofrer. A dor, a que
nenhum alívio procura dar, ele a conhece; porém, como freqüentemente sucede, já dela se
não lembra.”
900. Aquele que incessantemente acumula haveres, sem fazer o bem a quem quer
que seja, achará desculpa, que valha, na circunstância de acumular com o fito de maior
soma legar aos seus herdeiros?
“É um compromisso com a consciência má.”
901. Figuremos dois avarentos, um dos quais nega a si mesmo o necessário e morre
de miséria sobre o seu tesouro, ao passo que o segundo só o é para os outros, mostrandose
pródigo para consigo mesmo; enquanto recua ante o mais ligeiro sacrifício para prestar
um serviço ou fazer qualquer coisa útil, nunca julga demasiado o que dependa para
satisfazer aos seus gostos ou às suas paixões. Peça-se-lhe um obséquio e estará sempre em
dificuldade para fazê-lo; imagine, porém, realizar uma fantasia e terá sempre o bastante
para isso. Qual o mais culpado e qual o que se achará em pior situação no mundo dos
Espíritos?
“O que goza, porque é mais egoísta do que avarento. O outro já recebeu parte do seu
castigo.”
902. Será reprovável que cobicemos a riqueza, quando nos anime o desejo de fazer
o bem?
“Tal sentimento é, não há dúvida, louvável, quando puro. Mas, será sempre bastante
desinteressado esse desejo? Não ocultará nenhum intuito de ordem pessoal? Não será de
fazer o bem a si mesmo, em primeiro lugar, que cogita aquele, em quem tal desejo se
manifesta?”
903. Incorre em culpa o homem, por estudar os defeitos alheios?
“Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e divulgar, porque será faltar
com a caridade. Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe
de alguma utilidade. Importa, porém, não esquecer que a indulgência para com os defeitos
de outrem é uma das virtudes contidas na caridade. Antes de censurardes as imperfeições
dos outros, vede se de vós não poderão dizer o mesmo. Tratai, pois, de possuir as
qualidades opostas aos defeitos que criticais no vosso semelhante. Esse o meio de vos
tornardes superiores a ele. Se lhe censurais a ser avaro, sede generosos; se o ser orgulhoso,
sede humildes e modestos; se o ser áspero, sede
brandos; se o proceder com pequenez, sede grandes em todas as vossas ações. Numa
palavra, fazei por maneira que se não vos possam aplicar estas palavras de Jesus: Vê o
argueiro no olho do seu vizinho e não vê a trave no seu próprio.”
904. Incorrerá em culpa aquele que sonda as chagas da sociedade e as expõe em
público?
“Depende do sentimento que o mova. Se o escritor apenas visa produzir escândalo,
não faz mais do que proporcionar a si mesmo um gozo pessoal, apresentando quadros que
constituem antes mau do que bom exemplo. O Espírito aprecia isso, mas pode vir a ser
punido por essa espécie de prazer que encontra em revelar o mal.”
a) - Como, em tal caso, julgar da pureza das intenções e da sinceridade do escritor?
“Nem sempre há nisso utilidade. Se ele escrever boas coisas, aproveitai-as. Se
proceder mal, é uma questão de consciência que lhe diz respeito, exclusivamente. Demais,
se o escritor tem empenho em provar a sua sinceridade, apóie o que disser nos exemplos
que dê.”
905. Alguns autores hão publicado belíssimas obras de grande moral, que auxiliam
o progresso da Humanidade, das quais, porém, nenhum proveito tiraram eles. Ser-lhes-á
levado em conta, como Espíritos, o bem a que suas obras hajam dado lugar?
“A moral sem as ações é o mesmo que a semente sem o trabalho. De que vos serve a
semente, se não a fazeis dar frutos que vos alimentem? Grave é a culpa desses homens,
porque dispunham de inteligência para compreender. Não praticando as máximas que
ofereciam aos outros, renunciaram a colher-lhes os frutos.”
906. Será passível de censura o homem, por ter consciência do bem que faz e por
confessá-lo a si mesmo?
“Pois que pode ter consciência do mal que pratica, do bem igualmente deve tê-la, a
fim de saber se andou bem ou mal. Pesando todos os seus atos na balança da lei de Deus e, sobretudo, na lei de justiça, amor e caridade, é que poderá dizer a si mesmo se suas obras são boas ou más, que
as poderá aprovar ou desaprovar. Não se lhe pode, portanto, censurar que reconheça haver
triunfado dos maus pendores e que se sinta satisfeito, desde que de tal não se envaideça,
porque então cairia noutra falta.” (919)

Paixões
907. Será substancialmente mau o princípio originário das paixões, embora esteja
na Natureza?
“Não; a paixão está no excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio
que lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à
realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal.”
908. Como se poderá determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para
se tornarem más?
“As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado e que se
torna perigoso desde que passe a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do
momento em que deixais de poder governá-la e que dá em resultado um prejuízo qualquer
para vós mesmos, ou para outrem.”
As paixões são alavancas que decuplicam as forças do homem e o auxiliam na
execução dos desígnios da Providência. Mas, se, em vez de as dirigir, deixa que elas o
dirijam, cai o homem nos excessos e a própria força que, manejada pelas suas mãos,
poderia produzir o bem, contra ele se volta e o esmaga.
Todas as paixões têm seu princípio num sentimento, ou numa necessidade natural.
O princípio das paixões não é, assim, um mal, pois que assenta numa das condições
providenciais da nossa existência. A paixão propriamente dita é a exageração de uma
necessidade ou de um sentimento. Está no excesso e não na causa e este excesso se torna
um mal, quando tem como conseqüência um mal qualquer.
Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza
espiritual.
Todo sentimento que eleva o homem acima da natureza animal denota
predominância do espírito sobre a matéria e o aproxima da perfeição.
909. Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?
“Sim, e, freqüentemente, fazendo esforços muito insignificantes. O que lhe falta é a
vontade. Ah! Quão poucos dentre vós fazem esforços!”
910. Pode o homem achar nos Espíritos eficaz assistência para triunfar de suas
paixões?
“Se o pedir a Deus e ao seu bom gênio, com sinceridade, os bons Espíritos lhe virão
certamente em auxílio, porquanto é essa a missão deles.” (459)
911. Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis, que a vontade seja impotente para
dominá-las?
“Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios.
Querem, porém muito satisfeitas ficam que não seja como “querem”. Quando o homem crê
que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em conseqüência
da sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura reprimir.
Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a matéria.”
912. Qual o meio mais eficiente de combater-se o predomínio da natureza
corpórea?
“Praticar a abnegação.”

O egoísmo
913. Dentre os vícios, qual o que se pode considerar radical?
“Temo-lo dito muitas vezes: o egoísmo. Daí deriva todo mal. Estudai todos os vícios
e vereis que no fundo de todos há egoísmo. Por mais que lhes deis combate, não chegareis a extirpá-los, enquanto não atacardes o mal pela raiz, enquanto não lhe houverdes destruído a causa. Tendam, pois,
todos os esforços para esse efeito, porquanto aí é que está a verdadeira chaga da sociedade.
Quem quiser, desde esta vida, ir aproximando-se da perfeição moral, deve expurgar o seu
coração de todo sentimento de egoísmo, visto ser o egoísmo incompatível com a justiça, o
amor e a caridade. Ele neutraliza todas as outras qualidades.”
914. Fundando-se o egoísmo no sentimento do interesse pessoal, bem difícil parece
extirpá-lo inteiramente do coração humano. Chegar-se-á a consegui-lo?
“À medida que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão
às coisas materiais. Depois, necessário é que se reformem as instituições humanas que o
entretêm e excitam. Isso depende da educação.”
915. Por ser inerente à espécie humana, o egoísmo não constituirá sempre um
obstáculo ao reinado do bem absoluto na Terra?
“É exato que no egoísmo tendes o vosso maior mal, porém ele se prende à
inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra e não à Humanidade mesma. Ora,
depurando-se por encarnações sucessivas, os Espíritos se despojam do egoísmo, como de
suas outras impurezas. Não existirá na Terra nenhum homem isento de egoísmo e praticante
da caridade? Há muito mais homens assim do que supondes. Apenas, não os conheceis,
porque a virtude foge à viva claridade do dia. Desde que haja um, por que não haverá dez?
Havendo dez, por que não haverá mil e assim por diante?
916. Longe de diminuir, o egoísmo cresce com a civilização, que, até, parece, o
excita e mantém. Como poderá a causa destruir o efeito?
“Quanto maior é o mal, mais hediondo se torna. Era preciso que o egoísmo
produzisse muito mal, para que compreensível se fizesse a necessidade de extirpá-lo. Os homens, quando se houverem despojado do egoísmo que os domina, viverão como irmãos, sem se fazerem mal algum,
auxiliando-se reciprocamente, impelidos pelo sentimento mútuo da solidariedade. Então, o
forte será o amparo e não o opressor do fraco e não mais serão vistos homens a quem falte o
indispensável, porque todos praticarão a lei de justiça. Esse o reinado do bem, que os
Espíritos estão incumbidos de preparar.” (784)
917. Qual o meio de destruir-se o egoísmo?
“De todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais difícil de desenraizar-se
porque deriva da influência da matéria, influência de que o homem, ainda muito próximo de
sua origem, não pôde libertar-se e para cujo entretenimento tudo concorre: suas leis, sua
organização social, sua educação. O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral
for predominante sobre a vida material e, sobretudo, com a compreensão, que o Espiritismo
vos faculta, do vosso estado futuro, real e não desfigurado por ficções alegóricas. Quando,
bem compreendido, se houver identificado com os costumes e as crenças, o Espiritismo
transformará os hábitos, os usos, as relações sociais. O egoísmo assenta na importância da
personalidade. Ora, o Espiritismo, bem compreendido, repito, mostra as coisas de tão alto
que o sentimento da personalidade desaparece, de certo modo, diante da imensidade.
Destruindo essa importância, ou, pelo menos, reduzindo-a às suas legítimas proporções, ele
necessariamente combate o egoísmo.
“O choque, que o homem experimenta, do egoísmo os outros é o que muitas vezes o
faz egoísta, por sentir a necessidade de colocar-se na defensiva. Notando que os outros
pensam em si próprios e não nele, ei-lo levado a ocupar-se consigo, mais do que com os
outros. Sirva de base às instituições sociais, às relações legais de povo a povo e de homem a
homem o princípio da caridade e da fraternidade e cada um pensará menos na sua pessoa,
assim veja que outros nela pensam. Todos experimentarão a influência moralizadora do exemplo e do contacto. Em face do atual extravasamento de egoísmo, grande virtude é verdadeiramente necessária, para que alguém renuncie à sua personalidade em proveito dos outros, que, de ordinário, absolutamente lhe não agradecem.
Principalmente para os que possuem essa virtude, é que o reino dos céus se acha aberto. A
esses, sobretudo, é que está reservada a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo
que, no dia da justiça, será posto de lado e sofrerá pelo abandono, em que se há de ver, todo
aquele que em si somente houver pensado.” (785)
FÉNELON.
Louváveis esforços indubitavelmente se empregam para fazer que a Humanidade
progrida. Os bons sentimentos são animados, estimulados e honrados mais do que em
qualquer outra época. Entretanto, o egoísmo, verme roedor, continua a ser a chaga social. É
um mal real, que se alastra por todo o mundo e do qual cada homem é mais ou menos
vítima. Cumpre, pois, combatê-lo, como se combate uma enfermidade epidêmica. Para isso,
deve-se proceder como procedem os médicos: ir à origem do mal. Procurem-se em todas as
partes do organismo social, da família aos povos, da choupana ao palácio, todas as causas,
todas as influências que, ostensiva ou ocultamente, excitam, alimentam e desenvolvem o
sentimento do egoísmo. Conhecidas as causas, o remédio se apresentará por si mesmo. Só
restará então destruí-las, senão totalmente, de uma só vez, ao menos parcialmente, e o
veneno pouco a pouco será eliminado. Poderá ser longa a cura, porque numerosas são as
causas, mas não é impossível. Contudo, ela só se obterá se o mal for atacado em sua raiz,
isto é, pela educação, não por essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas pela
que tende a fazer homens de bem. A educação, convenientemente entendida, constitui a
chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se
conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se
aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda
observação. É grave erro pensar-se que, para exercê-la com proveito baste o conhecimento
da Ciência. Quem acompanhar, assim o filho do rico, como o do pobre, desde o instante
422
PARTE 3ª - CAPÍTULO XII
do nascimento, o observar todas as influências perniciosas que sobre eles atuam, em
conseqüência da fraqueza, da incúria e da ignorância dos que os dirigem, observando
igualmente com quanta freqüência falham os meios empregados para moralizá-los, não
poderá espantar-se de encontrar pelo mundo tantas esquisitices. Faça-se com o moral o que
se faz com a inteligência e ver-se-á que, se há naturezas refratárias, muito maior do que se
julga é o número das que apenas reclamam boa cultura, para produzir bons frutos. (872)
O homem deseja ser feliz e natural é o sentimento que dá origem a esse desejo. Por
isso é que trabalha incessantemente para melhorar a sua posição na Terra, que pesquisa as
causas de seus males, para remediá-los. Quando compreender bem que no egoísmo reside
uma dessas causas, a que gera o orgulho, a ambição, a cupidez, a inveja, o ódio, o ciúme,
que a cada momento o magoam, a que perturba todas as relações sociais, provoca as
dissensões, aniquila a confiança, a que o obriga a se manter constantemente na defensiva
contra o seu vizinho, enfim a que do amigo faz inimigo, ele compreenderá também que esse
vício é incompatível com a sua felicidade e, podemos mesmo acrescentar, com a sua
própria segurança. E quanto mais haja sofrido por efeito desse vício, mais sentirá a
necessidade de combatê-lo, como se combatem a peste, os animais nocivos e todos os
outros flagelos. O seu próprio interesse a isso o induzirá. (784)
O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade o é de todas as virtudes.
Destruir um e desenvolver a outra, tal deve ser o alvo de todos os esforços do homem, se
quiser assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto quanto no futuro.

Caracteres do homem de bem
918. Por que indícios se pode reconhecer em um homem o progresso real que lhe
elevará o Espírito na hierarquia espírita?
“O espírito prova a sua elevação, quando todos os atos de sua vida corporal
representam a prática da lei de Deus e quando antecipadamente compreende a vida
espiritual.”
Verdadeiramente, homem de bem é o que pratica a lei de justiça, amor e caridade,
na sua maior pureza. Se interrogar a própria consciência sobre os atos que praticou,
perguntará se não transgrediu essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se
ninguém tem motivos para dele se queixar, enfim se fez aos outros o que desejara que lhe
fizessem.
Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem
contar com qualquer retribuição, e sacrifica seus interesses à justiça.
É bondoso, humanitário e benevolente para com todos, porque vê irmãos em todos
os homens, sem distinção de raças, nem de crenças.
Se Deus lhe outorgou o poder e a riqueza, considera essas coisas como UM
DEPÓSITO, de que lhe cumpre usar para o bem. Delas não se envaidece, por saber que
Deus, que lhas deu, também lhas pode retirar.
Se sob a sua dependência a ordem social colocou outros homens, trata-os com
bondade e complacência, porque são seus iguais perante Deus. Usa da sua autoridade para
lhes levantar o moral e não para os esmagar com seu orgulho.
É indulgente para com as fraquezas alheias, porque sabe que também precisa da
indulgência dos outros e se lembra destas palavras do Cristo: Atire a primeira pedra aquele
que estiver sem pecado.
Não é vingativo. A exemplo de Jesus, perdoa as ofensas, para só se lembrar dos
benefícios, pois não ignora que, como houver perdoado, assim perdoado lhe será.
Respeita, enfim, em seus semelhantes, todos os direitos que as leis da Natureza lhes
concedem, como quer que os mesmos direitos lhe sejam respeitados.

Conhecimento de si mesmo
919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e
de resistir à atração do mal?
“Um sábio da antigüidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”
a) - Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a dificuldade está
precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo. Qual o meio de consegui-lo?
“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha
consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum
dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me
conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse
todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que
houvera feito, rogando a Deus e ao seu anjo de guarda que o esclarecessem, grande força
adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. Dirigi, pois, a vós
mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes
em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem,
censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda
mais: “Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém,
ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?”
“Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e,
finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa
consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.
“O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas,
direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para
atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e
previdente; o orgulhosos julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um
meio de verificação que não pode iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de
uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a
censurais noutrem, não na poderia ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus
não usa de duas medidas na aplicação de Sua justiça. Procurai também saber o que dela
pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto
esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo. Perscrute,
conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de
melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas
daninhas; dê balanço no seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas
e seus lucros e eu vos asseguro que a conta destes será mais avultada que a daquelas. Se
puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar
na outra vida.
“Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais
multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna.
Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na
velhice? Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz
suportar fadigas e privações temporárias? Pois bem! Que é esse descanso de alguns dias,
turbado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem
de bem? Não valerá este outro a pena de alguns esforços? Sei haver muitos que dizem ser
positivo o presente e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a idéia que estamos
encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse
futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro
chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que
agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar. Com este
objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.”
SANTO AGOSTINHO.
Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente, seguindo
o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa consciência,
veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos
a natureza e o móvel dos nossos atos.
A forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que qualquer máxima, que
muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige respostas categóricas, por
um sim ou não, que não abrem lugar para qualquer alternativa e que são outros tantos
argumentos pessoais. E, pela soma que derem as respostas, poderemos computar a soma de
bem ou de mal que existe em nós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário