sábado, 11 de agosto de 2012

PARTE 3ª

CAPÍTULO V
DA LEI DE CONSERVAÇÃO
1. Instinto de Conservação. - 2. Meios de conservação. - 3. Gozo dos bens terrenos. -
4. Necessário e supérfluo. - 5. Privações voluntárias. Mortificações.

Instinto de Conservação
702. É lei da Natureza o instinto de conservação?
“Sem dúvida. Todos os seres vivos o possuem, qualquer que seja o grau de sua
inteligência. Nuns, é puramente maquinal, raciocinado em outros.”
703. Com que fim outorgou Deus a todos os seres vivos o instinto de conservação?
“Porque todos têm que concorrer para cumprimento dos desígnios da Providência.
Por isso foi que Deus lhes deu a necessidade de viver. Acresce que a vida é necessária ao
aperfeiçoamento dos seres. Eles o sentem instintivamente, sem disso se aperceberem.”

Meios de conservação
704. Tendo dado ao homem a necessidade de viver, Deus lhe facultou, em todos os
tempos, os meios de o conseguir?
“Certo, e se ele os não encontra, é que não os compreende. Não fora possível que
Deus criasse para o homem a necessidade de viver, sem lhe dar os meios de consegui-lo.
Essa a razão por que faz que a Terra produza de modo a proporcionar o necessário aos que a habitam, visto que só o necessário é útil. O supérfluo nunca o é.”
705. Por que nem sempre a terra produz bastante para fornecer ao homem o
necessário?
“É que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no entanto, é excelente mãe. Muitas
vezes, também, ele acusa a Natureza do que só é resultado da sua imperícia ou da sua
imprevidência. A terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o
homem contentar-se. Se o que ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ela
emprega no supérfluo o que poderia ser aplicado no necessário. Olha o árabe no deserto.
Acha sempre de que viver, porque não cria para si necessidades factícias. Desde que haja
desperdiçado a metade dos produtos em satisfazer a fantasias, que motivos tem o homem
para se espantar de nada encontrar no dia seguinte e para se queixar de estar desprovido de
tudo, quando chegam os dias de penúria? Em verdade vos digo, imprevidente não é a
Natureza, é o homem, que não sabe regrar o seu viver.”
706. Por bens da Terra unicamente se devem entender os produtos do solo?
“O solo é a fonte primacial donde dimanam todos os outros recursos, pois que, em
definitiva, estes recursos são simples transformações dos produtos do solo. Por bens da
Terra se deve, pois, entender tudo de que o homem pode gozar neste mundo.”
707. É freqüente a certos indivíduos faltarem os meios de subsistência, ainda
quando os cerca a abundância. A que se deve atribuir isso?
“Ao egoísmo dos homens, que nem sempre fazem o que lhes cumpre. Depois e as
mais das vezes, devem-no a si mesmos. Buscai e achareis; estas palavras não querem dizer
que, para achar o que deseje, basta que o homem olhe para a terra, mas que lhe é preciso procurá-lo, não com indolência, e sim com ardor e perseverança, sem desanimar ante os obstáculos, que muito amiúde são simples meios de que se utiliza a Providência, para lhe experimentar a constância, a paciência e a firmeza.”
(534)
Se é certo que a Civilização multiplica as necessidades, também o é que multiplica
as fontes de trabalho e os meios de viver. Forçoso, porém, é convir em que, a tal respeito,
muito ainda lhe resta fazer. quando ela houver concluído a sua obra, ninguém deverá haver
que possa queixar-se de lhe faltar o necessário, a não ser por própria culpa. A desgraça, para
muitos, provém de inveredarem por uma senda diversa da que a Natureza lhes traça. É
então que lhes falece a inteligência para o bom êxito. Para todos há lugar ao Sol, mas com a
condição de que cada um ocupe o seu e não o dos outros. A Natureza não pode ser
responsável pelos defeitos da organização social, nem pelas conseqüências da ambição e do
amor-próprio.
Fora preciso, entretanto, ser-se cego, para se não reconhecer o progresso que, por
esse lado, têm feito os povos mais adiantados. Graças aos louváveis esforços que, juntas, a
Filantropia e a Ciência não cessam de despender para melhorar a condição material dos
homens e mau grado ao crescimento incessante das populações, a insuficiência da produção
se acha atenuada, pelo menos em grande parte, e os anos mais calamitosos do presente não
se podem de modo algum comparar aos de outrora. A higiene pública, elemento tão
essencial da força e da saúde, a higiene pública, que nossos pais não conheceram, é objeto
de esclarecida solicitude. O infortúnio e o sofrimento encontram onde se refugiem. Por toda
parte a Ciência contribui para acrescer o bem-estar. Poder-se-á dizer que já se haja chegado
à perfeição? Oh! Não, certamente; mas, o que já se fez deixa prever o que, com
perseverança, se logrará conseguir, se o homem se mostrar bastante avisado para procurar a
sua felicidade nas coisas positivas e sérias e não em utopias que o levam a recuar em vez de
fazê-lo avançar.
708. Não há situações em as quais os meios de subsistência de maneira alguma
dependem da vontade do homem, sendo-lhe a privação do de que mais imperiosamente
necessita uma conseqüência da força mesma das coisas?
“É isso uma prova, muitas vezes cruel, que lhe compete sofrer e à qual sabia ele de
antemão que viria a estar exposto. Seu mérito então consiste em submeter-se à vontade de
Deus, desde que a sua inteligência nenhum meio lhe faculta de sair da dificuldade. Se a
morte vier colhê-lo, cumpre-lhe recebê-la sem murmurar, ponderando que a hora da
verdadeira libertação soou e que o desespero no derradeiro momento pode ocasionar-lhe a
perda do fruto de toda a sua resignação. ”
709. Terão cometido crime os que, em certas situações críticas, se viram na
contingência de sacrificar seus semelhantes, para matar a fome? Se houve crime, não teve
este a atenuá-lo a necessidade de viver, que resulta do instinto de conservação?
“Já respondi, quando disse que há mais merecimento em sofrer todas as provações
da vida com coragem e abnegação. Em tal caso, há homicídio e crime de lesa-natureza, falta
que é duplamente punida.”
710. Nos mundos de mais apurada organização, têm os seres vivos necessidade de
alimentar-se?
“Têm, mas seus alimentos estão em relação com a sua natureza. Tais alimentos não
seriam bastante substanciosos para os vossos estômagos grosseiros; assim como os deles
não poderiam digerir os vossos alimentos.”

Gozo dos bens terrenos
711. O uso dos bens da Terra é um direito de todos os homens?
“Esse direito é conseqüente da necessidade de viver. Deus não imporia um dever
sem dar ao homem o meio de cumpri-lo.”
712. Com que fim pôs Deus atrativos no gozo dos bens materiais?
“Para instigar o homem ao cumprimento da sua missão e para experimentá-lo por
meio da tentação.”
a) - Qual o objetivo dessa tentação?
“Desenvolver-lhe a razão, que deve preservá-lo dos excessos.”
Se o homem só fosse instigado a usar dos bens terrenos pela utilidade que têm, sua
indiferença houvera talvez comprometido a harmonia do Universo. Deus imprimiu a esse
uso o atrativo do prazer, porque assim é o homem impelido ao cumprimento dos desígnios
providenciais. Mas, além disso, dando àquele uso esse atrativo, quis Deus também
experimentar o homem por meio da tentação, que o arrasta para o abuso, de que deve a
razão defendê-lo.
713. Traçou a Natureza limites aos gozos?
“Traçou, para vos indicar o limite do necessário. Mas, pelos vossos excessos,
chegais à saciedade e vos punis a vós mesmos.”
714. Que se deve pensar do homem que procura nos excessos de todo gênero o
requinte dos gozos?
“Pobre criatura! Mais digna é de lástima que de inveja, pois bem perto está da
morte!”
a) - Perto da morte física, ou da morte moral?
“De ambas.”
O homem, que procura nos excessos de todo gênero o requinte do gozo, coloca-se
abaixo do bruto, pois que este sabe deter-se, quando satisfeita a sua necessidade, Abdica da
razão que Deus lhe deu por guia e quanto maiores forem seus excessos, tanto maior
preponderância confere ele à sua natureza animal sobre a sua natureza espiritual. As
doenças, são, ao mesmo tempo, o castigo à transgressão da lei de Deus.

Necessário e supérfluo
715. Como pode o homem conhecer o limite do necessário?
“Aquele que é ponderado o conhece por intuição. Muitos só chegam a conhecê-lo
por experiência e à sua própria custa.”
716. Mediante a organização que nos deu, não traçou a Natureza o limite das
nossas necessidades?
“Sem dúvida, mas o homem é insaciável. Por meio da organização que lhe deu, a
Natureza lhe traçou o limite das necessidades; porém, os vícios lhe alteraram a constituição
e lhe criaram necessidades que não são reais.”
717. Que se há de pensar dos que açambarcam os bens da Terra para se
proporcionarem o supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o necessário?
“Olvidam a lei de Deus e terão que responder pela privações que houverem causado
aos outros.”
Nada tem de absoluto o limite entre o necessário e o supérfluo. A Civilização criou
necessidades que o selvagem desconhece e os Espíritos que ditaram os preceitos acima não
pretendem que o homem civilizado deva viver como o selvagem. Tudo é relativo, cabendo
à razão regrar as coisas. A Civilização desenvolve o senso moral e, ao mesmo tempo, o
sentimento de caridade, que leva os homens a se prestarem mútuo apoio. Os que vivem à
custa das privações dos outros exploram, em seu proveito, os benefícios da Civilização.
Desta têm apenas o verniz, como muitos há que da religião só têm a máscara.

Privações voluntárias. Mortificações
718. A lei de conservação obriga o homem a prover às necessidades do corpo?
“Sim, porque, sem força e saúde, impossível é o trabalho.”
719. Merece censura o homem, por procurar o bem-estar?
“É natural o desejo do bem-estar. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à
conservação. Ele não condena a procura do bem-estar, desde que não seja conseguido à custa de outrem e não venha a diminuir-vos nem as forças físicas, nem as forças morais.”
720. São meritórias aos olhos de Deus as privações voluntárias, com o objetivo de
uma expiação igualmente voluntária?
“Fazei o bem aos vossos semelhantes e mais mérito tereis.”
a) - Haverá privações voluntárias que sejam meritórias?
“Há: a privação dos gozos inúteis, porque desprende da matéria o homem e lhe
eleva a alma. Meritório é resistir à tentação que arrasta ao excesso ou ao gozo das coisas
inúteis; é o homem tirar do que lhe é necessário para dar aos que carecem do bastante. Se a
privação não passar de simulacro, será uma irrisão.”
721. É meritória, de qualquer ponto de vista, a vida de mortificações ascéticas que
desde a mais remota antigüidade teve praticantes no seio de diversos povos?
“Procurai saber a quem ela aproveita e tereis a resposta. Se somente serve para quem
a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísmo, seja qual for o pretexto com que entendam
de colori-la. Privar-se a si mesmo e trabalhar para os outros, tal a verdadeira mortificação,
segundo a caridade cristã.”
722. Será racional a abstenção de certos alimentos, prescrita a diversos povos?
“Permitido é ao homem alimentar-se de tudo o que lhe não prejudique a saúde.
Alguns legisladores, porém, com um fim útil, entenderam de interdizer o uso de certos
alimentos e, para maior autoridade imprimirem às suas leis, apresentaram-nas como
emanadas de Deus.”
723. A alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à lei da Natureza?
“Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem
perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua
saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a
sua organização.”
724. Será meritório abster-se o homem da alimentação animal, ou de outra
qualquer, por expiação?
“Sim, se praticar essa privação em benefício dos outros. Aos olhos de Deus, porém,
só há mortificação, havendo privação séria e útil. Por isso é que qualificamos de hipócritas
os que apenas aparentemente se privam de alguma coisa.” (720)
725. Que se deve pensar das mutilações operadas no corpo do homem ou dos
animais?
“A que propósito, semelhante questão? Ainda uma vez: inquiri sempre vós mesmos
se é útil aquilo de que porventura se trate. A Deus não pode agradar o que seja inútil e o que
for nocivo Lhe será sempre desagradável. Porque, ficai sabendo, Deus só é sensível aos
sentimentos que elevam para Ele a alma. Obedecendo-Lhe à lei e não a violando é que
podereis forrar-vos ao jugo da vossa matéria terrestre.”
726. Visto que os sofrimentos deste mundo nos elevam, se os suportarmos
devidamente, dar-se-á que também nos elevam os que nós mesmos nos criamos?
“Os sofrimentos naturais são os únicos que elevam, porque vêm de Deus. Os
sofrimentos voluntários de nada servem, quando não concorrem para o bem de outrem.
Supões que se adiantam no caminho do progresso os que abreviam a vida, mediante rigores
sobre-humanos, como o fazem os bonzos, os faquires e alguns fanáticos de muitas seitas?
Por que de preferência não trabalham pelo bem de seus semelhantes? Vistam o indigente;
consolem o que chora; trabalhem pelo que está enfermo; sofram privações para alívio dos
infelizes e então suas vidas serão úteis e, portanto, agradáveis a Deus. Sofrer alguém voluntariamente, apenas por seu próprio bem, é egoísmo; sofrer pelos outros é caridade: tais os preceitos do Cristo.”
727. Uma vez que não devemos criar sofrimentos voluntários, que nenhuma
utilidade tenham para outrem, deveremos cuidar de preservar-nos dos que prevejamos ou
nos ameacem?
“Contra os perigos e os sofrimentos é que o instinto de conservação foi dado a todos
os seres. Fustigai o vosso espírito e não o vosso corpo, mortificai o vosso orgulho, sufocai o
vosso egoísmo, que se assemelha a uma serpente a vos roer o coração, e fareis muito mais
pelo vosso adiantamento do que infligindo-vos rigores que já não são deste século

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