sábado, 11 de agosto de 2012

PARTE 2ª CAPÍTULO XI - Dos três reinos


PARTE 2ª
CAPÍTULO XI
DOS TRÊS REINOS
1. Os minerais e as plantas. - 2. Os animais e o homem. - 3. Metempsicose.
Os minerais e as plantas

585. Que pensais da divisão da Natureza em três reinos, ou melhor, em duas
classes: a dos seres orgânicos e a dos inorgânicos? Segundo alguns, a espécie humana
forma uma quarta classe. Qual destas divisões é preferível?
“Todas são boas, conforme o ponto de vista. Do ponto de vista material, apenas há
seres orgânicos e inorgânicos. Do ponto de vista moral, há evidentemente quatro graus.”
Esses quatro graus apresentam, com efeito, caracteres determinados, muito embora
pareçam confundir-se nos seus limites extremos. A matéria inerte, que constitui o reino
mineral, só tem em si uma força mecânica. As plantas, ainda que compostas de matéria
inerte, são dotadas de vitalidade. Os animais, também compostos de matéria inerte e
igualmente dotados de vitalidade, possuem, além disso, uma espécie de inteligência
instintiva, limitada, e a consciência de sua existência e de suas individualidades. O homem,
tendo tudo o que há nas plantas e nos animais, domina todas as outras classes por uma
inteligência especial, indefinida, que lhe dá a consciência do seu futuro, a percepção das
coisas extramateriais e o conhecimento de Deus.
586. Têm as plantas consciências de que existem?
“Não, pois que não pensam; só têm vida orgânica.”
587. Experimentam sensações? Sofrem quando as mutilam?
“Recebem impressões físicas que atuam sobre a matéria, mas não têm percepções.
Conseguintemente, não têm a sensação da dor.”
588. Independe da vontade delas a força que as atrai umas para as outras?
“Certo, porquanto não pensam. É uma força mecânica da matéria, que atua sobre a
matéria, sem que elas possam a isso opor-se.”
589. Algumas plantas, como a sensitiva e a dionéia, por exemplo, executam
movimentos que denotam grande sensibilidade e, em certos casos, uma espécie de vontade,
conforme se observa na segunda, cujos lóbulos apanham a mosca que sobre ela pousa para
sugá-la, parecendo que urde uma armadilha com o fim de capturar e matar aquele inseto.
São dotadas essas plantas da faculdade de pensar? Têm vontade e formam uma classe
intermediária entre a Natureza vegetal e Natureza animal? Constituem a transição de uma
para outra?
“Tudo em a Natureza é transição, por isso mesmo que uma coisa não se assemelha a
outra e, no entanto, todas se prendem umas às outras. As plantas não pensam; por
conseguinte carecem de vontade. Nem a ostra que se abre, nem os zoófitos pensam: têm
apenas um instinto cego e natural.”
O organismo humano nos proporciona exemplo de movimentos análogos, sem
participação da vontade, nas funções digestivas e circulatórias. O piloro se contrai, ao
contacto de certos corpos, para lhes negar passagem. O mesmo provavelmente se dá na
sensitiva, cujos movimentos de nenhum modo implicam a necessidade de percepção e,
ainda menos, da vontade.
590. Não haverá nas plantas, como nos animais, um instinto de conservação, que as
induza a procurar o que lhes possa ser útil e a evitar o que lhes possa ser nocivo?
“Há, se quiserdes, uma espécie de instinto, dependendo isso da extensão que se dê
ao significado desta palavra. É, porém, um instinto puramente mecânico. Quando, nas
operações químicas, observais que dois corpos se reúnem, é que um ao outro convém; quer
dizer: é que há entre eles afinidade. Ora, a isto não dais o nome de instinto.”
591. Nos mundos superiores, as plantas são de natureza mais perfeita, como os
outros seres?
“Tudo é mais perfeito. As plantas, porém, são sempre plantas, como os animais
sempre animais e os homens sempre homens.”

Os animais e o homem
592. Se, pelo que toca à inteligência, comparamos o homem e os animais, parece
difícil estabelecer-se uma linha de demarcação entre aquele e estes, porquanto alguns
animais mostram, sob esse aspecto, notória superioridade sobre certos homens. Pode essa
linha de demarcação ser estabelecida de modo preciso?
“A este respeito é completo o desacordo entre os vossos filósofos. Querem uns que
o homem seja um animal e outros que o animal seja um homem. Estão todos em erro. O
homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes e que pode também elevarse
muito alto. Pelo físico, é como os animais e menos bem dotado do que muitos destes. A
Natureza lhes deu tudo o que o homem é obrigado a inventar com a sua inteligência, para
satisfação de suas necessidades e para sua conservação. Seu corpo se destrói, como o dos
animais, é certo, mas ao seu Espírito está assinado um destino que só ele pode
compreender, porque só ele é inteiramente livre. Pobres homens, que vos rebaixais mais do
que os brutos! Não sabeis distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pela faculdade de
pensar em Deus.”
593. Poder-se-á dizer que os animais só obram por instinto?
“Ainda aí há um sistema. É verdade que na maioria dos animais domina o instinto.
Mas, não vês que muitos obram denotando acentuada vontade? É que têm inteligência,
porém limitada.”
Não se poderia negar que, além de possuírem o instinto, alguns animais praticam
atos combinados, que denunciam vontade de operar em determinado sentido e de acordo
com as circunstâncias. Há, pois, neles, uma espécie de inteligência, mas cujo exercício
quase que se circunscreve à utilização dos meios de satisfazerem às suas necessidades
físicas e de proverem à conservação própria. Nada, porém, criam, nem melhora alguma
realizam. Qualquer que seja a arte com que executem seus trabalhos, fazem hoje o que
faziam outrora e o fazem, nem melhor, nem pior, segundo formas e proporções constantes e
invariáveis. A cria, separada dos de sua espécie, não deixa por isso de construir o seu ninho
de perfeita conformidade com os seus maiores, sem que tenha recebido nenhum ensino. O
desenvolvimento intelectual de alguns, que se mostram suscetíveis de certa educação,
desenvolvimento, aliás, que não pode ultrapassar acanhados limites, é devido à ação do
homem sobre uma natureza maleável, porquanto não há aí progresso que lhe seja próprio.
Mesmo o progresso que realizam pela ação do homem é efêmero e puramente individual,
visto que, entregue a si mesmo, não tarda que o animal volte a encerrar-se nos limites que
lhe traçou a Natureza.
594. Têm os animais alguma linguagem?
“Se vos referis a uma linguagem formada de sílabas e palavras, não. Meio, porém,
de se comunicarem entre si, têm. Dizem uns aos outros muito mais coisas do que imaginais,
Mas, essa mesma linguagem de que dispõem é restrita às necessidades, como restritas
também são as idéias que podem ter.”
a) - Há, entretanto, animais que carecem de voz. Esses parece que nenhuma
linguagem usam, não?
“Compreendem-se por outros meios. Para vos comunicardes reciprocamente, vós
outros, homens, só dispondes da palavra? E os mudos? Facultada lhes sendo a vida
de relação, os animais possuem meios de se prevenirem e de exprimirem as sensações que
experimentam. Pensais que os peixes não se entendem entre si? O homem não goza do
privilégio exclusivo da linguagem. Porém, a dos animais é instintiva e circunscrita pelas
suas necessidades e idéias, ao passo que a do homem é perfectível e se presta a todas as
concepções da sua inteligência.”
Efetivamente, os peixes que, como as andorinhas, emigram em cardumes,
obedientes ao guia que os conduz, devem ter meios de se advertirem, de se entenderem e
combinarem. É possível que disponham de uma vista mais penetrante e esta lhes permita
perceber os sinais que mutuamente façam. Pode ser também que tenham na água um
veículo próprio para a transmissão de certas vibrações. Como quer que seja, o que é
incontestável é que lhes não falecem meios de se entenderem, do mesmo modo que a todos
os animais carentes de voz e que, não obstante, trabalham em comum. Diante disso, que
admiração pode causar que os Espíritos entre si se comuniquem sem o auxílio da palavra
articulada?
595. Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos seus atos?
“Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a liberdade de
ação, de que desfrutam, é limitada pelas suas necessidades e não se pode comparar à do
homem. Sendo muitíssimo inferiores a este, não têm os mesmos deveres que ele. A
liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida material.”
596. Donde procede a aptidão que certos animais denotam para imitar a linguagem
do homem e por que essa aptidão se revela mais nas aves do que no macaco, por exemplo,
cuja conformação apresenta mais analogia com a humana?
“Origina-se de uma particular conformação dos órgãos vocais, reforçada pelo
instinto de imitação. O macaco imita os gestos; algumas aves imitam a voz.”
597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade
de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?
“Há e que sobrevive ao corpo.”
a) - Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?
“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta
palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem
distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”
598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a
consciência de si mesma?
“Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida
inteligente lhe permanece em estado latente.”
599. À alma dos animais é dado escolher a espécie de animal em que encarne?
“Não, pois que lhe falta livre-arbítrio.”
600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se,
depois da morte, nem estado de erraticidade, como a do homem?
“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas
não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre
vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o
que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado
pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente. Não lhe é dado
tempo de entrar em relação com outras criaturas.”
601. Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei progressiva?
“Sim; e daí vem que nos mundos superiores, onde os homens são mais adiantados,
os animais também o são, dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre,
porém, inferiores ao homem e se lhe acham submetidos, tendo neles o homem servidores
inteligentes.”
Nada há nisso de extraordinário, tomemos os nossos mais inteligentes animais, o
cão, o elefante, o cavalo, e imaginemo-los dotados de uma conformação apropriada a
trabalhos manuais. Que não fariam sob a direção do homem?
602. Os animais progridem, como o homem, por ato da própria vontade, ou pela
força das coisas?
“Pela força das coisas, razão por que não estão sujeitos à expiação.”
603. Nos mundos superiores, os animais conhecem a Deus?
“Não. Para eles o homem é um deus, como outrora os Espíritos eram deuses para o
homem.”
604. Pois que os animais, mesmo os aperfeiçoados, existentes nos mundos
superiores, são sempre inferiores ao homem, segue-se que Deus criou seres intelectuais
perpetuamente destinados à inferioridade, o que parece em desacordo com a unidade de
vistas e de progresso que todas as suas obras revelam.
“Tudo em a Natureza se encadeia por elos que ainda não podeis apreender. Assim,
as coisas aparentemente mais díspares têm pontos de contacto que o homem, no seu estado
atual, nunca chegará a compreender. Por um esforço da inteligência poderá entrevê-los;
mas, somente quando essa inteligência estiver no máximo grau de desenvolvimento e
liberta dos preconceitos do orgulho e da ignorância, logrará ver claro na obra de Deus. Até
lá, suas muito restritas idéias lhe farão observar as coisas por um mesquinho e acanhado
prisma. Sabei não ser possível que Deus se contradiga e que, na Natureza, tudo se
harmoniza mediante leis gerais, que por nenhum de seus pontos deixam de corresponder à sublime sabedoria do Criador.”
a) - A inteligência é então uma propriedade comum, um ponto de contacto entre a
alma dos animais e a do homem?
“É, porém os animais só possuem a inteligência da vida material. No homem, a
inteligência proporciona a vida moral.”
605. Considerando-se todos os pontos de contacto que existem entre o homem e os
animais, não seria lícito pensar que o homem possui duas almas: a alma animal e a alma
espírita e que, se esta última não existisse, só como o bruto poderia ele viver? Por outra:
que o animal é um ser semelhante ao homem, tendo de menos a alma espírita? Dessa
maneira de ver resultaria serem os bons e os maus instintos do homem efeito da
predominância de uma ou outra dessas almas?
“Não, o homem não tem duas almas. O corpo, porém, tem seus instintos, resultantes
da sensação peculiar aos órgãos. Dupla, no homem, só é a Natureza. Há nele a natureza
animal e a natureza espiritual. Participa, pelo seu corpo, da natureza dos animais e de seus
instintos. Por sua alma, participa da dos Espíritos.”
a) - De modo que, além de suas próprias imperfeições de que cumpre ao Espírito
despojar-se, tem ainda o homem que lutar contra a influência da matéria?
“Quanto mais inferior é o Espírito, tanto mais apertados são os laços que o ligam à
matéria. Não o vedes? O homem não tem duas almas; a alma é sempre única em cada ser.
São distintas uma da outra a alma do animal e a do homem, a tal ponto que a de um não
pode animar o corpo criado para o outro. Mas, conquanto não tenha alma animal, que, por
suas paixões, o nivele aos animais, o homem tem o corpo que, às vezes, o rebaixa até ao
nível deles, por isso que o corpo é um ser dotado de vitalidade e de instintos, porém
ininteligentes estes e restritos ao cuidado que a sua conservação requer.”
Encarnado no corpo do homem, o Espírito lhe traz o princípio intelectual e moral,
que o torna superior aos animais. As duas naturezas nele existentes dão às suas paixões
duas origens diferentes: umas provêm dos instintos da natureza animal, provindo as outras
das impurezas do Espírito, de cuja encarnação é ele a imagem e que mais ou menos
simpatiza com a grosseria dos apetites animais. Purificando-se, o Espírito se liberta pouco a
pouco da influência da matéria. Sob essa influência, aproxima-se do bruto. Isento dela,
eleva-se à sua verdadeira destinação.
606. Donde tiram os animais o princípio inteligente que constitui a alma de
natureza especial de que são dotados?
“Do elemento inteligente universal.”
a) - Então, emanam de um único princípio a inteligência do homem e a dos
animais?
“Sem dúvida alguma, porém, no homem, passou por uma elaboração que a coloca
acima da que existe no animal.”
607. Dissestes (190) que o estado da alma do homem, na sua origem, corresponde
ao estado da infância na vida corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e se ensaia
para a vida. Onde passa o Espírito essa primeira fase do seu desenvolvimento?
“Numa série de existências que precedem o período a que chamais Humanidade.”
a) - Parece que, assim, se pode considerar a alma como tendo sido o princípio
inteligente dos seres inferiores da criação, não?
“Já não dissemos que todo em a Natureza se encadeia e tende para a unidade?
Nesses seres, cuja totalidade estais longe de conhecer, é que o princípio inteligente se
elabora, se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida, conforme acabamos de
dizer. É, de certo modo, um trabalho preparatório, como o da germinação, por efeito do
qual o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. Entra então no
período da humanização, começando a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do
mal e a responsabilidade dos seus atos. Assim, à fase da infância se segue a da
adolescência, vindo depois a da juventude e da madureza. Nessa origem, coisa alguma há
de humilhante para o homem. Sentir-se-ão humilhados os grandes gênios por terem sido
fetos informes nas entranhas que os geraram? Se alguma coisa há que lhe seja humilhante, é
a sua inferioridade perante Deus e sua impotência para lhe sondar a profundeza dos
desígnios e para apreciar a sabedoria das leis que regem a harmonia do Universo.
Reconhecei a grandeza de Deus nessa admirável harmonia, mediante a qual tudo é solidário
na Natureza. Acreditar que Deus haja feito, seja o que for, sem um fim, e criado seres
inteligentes sem futuro, fora blasfemar da Sua bondade, que se estende por sobre todas as
suas criaturas.”
b) Esse período de humanização principia na Terra?
“A Terra não é o ponto de partida da primeira encarnação humana. O período da
humanização começa, geralmente, em mundos ainda inferiores à Terra. Isto, entretanto, não
constitui regra absoluta, pois pode suceder que um Espírito, desde o seu início humano,
esteja apto a viver na Terra. Não é freqüente o caso; constitui antes uma exceção.”
608. O Espírito do homem tem, após a morte, consciência de suas existências ao
período de humanidade?
“Não, pois não é desse período que começa a sua vida de Espírito. Difícil é mesmo
que se lembre de suas primeiras existências humanas, como difícil é que o homem se
lembre dos primeiros tempos de sua infância e ainda menos do tempo que passou no seio
materno. Essa a razão por que os Espíritos dizem que não sabem como começaram.”
609. Uma vez no período da humanidade, conserva o Espírito traços do que era
precedentemente, quer dizer: do estado em que se achava no período a que se poderia
chamar ante-humano?
“Conforme a distância que medeie entre os dois períodos e o progresso realizado.
Durante algumas gerações, pode ele conservar vestígios mais ou menos pronunciados do
estado primitivo, porquanto nada se opera na Natureza por brusca transição. Há sempre
anéis que ligam as extremidades da cadeia dos seres e dos acontecimentos. Aqueles
vestígios, porém, se apagam com o desenvolvimento do livre-arbítrio. os primeiros
progressos só muito lentamente se efetuam, porque ainda não têm a secundá-los a vontade.
Vão em progressão mais rápida, à medida que o Espírito adquire perfeita consciência de si
mesmo.”
610. Ter-se-ão enganado os Espíritos que disseram constituir o homem um ser à
parte na ordem da criação?
“Não, mas a questão não fora desenvolvida. Demais, há coisas que só a seu tempo
podem ser esclarecidas. O homem é, com efeito, um ser à parte, visto possuir faculdades
que o distinguem de todos os outros e ter outro destino. A espécie humana é a que Deus
escolheu para a encarnação do seres que podem conhecê-Lo.”
Metempsicose
611. O terem os seres vivos uma origem comum no princípio inteligente não é a
consagração da doutrina da metempsicose?
“Duas coisas podem ter a mesma origem e absolutamente não se assemelharem mais
tarde. Quem reconheceria a árvore, com suas folhas, flores e frutos, do gérmen informe que
se contém na semente donde ela surge? Desde que o princípio inteligente atinge o grau
necessário para ser Espírito e entrar no período da humanização, já não guarda relação com
o seu estado primitivo e já não é a alma dos animais, como a árvore já não é a semente. De animal só há no homem o corpo e as paixões que nascem da influência do corpo e do instinto de conservação inerente à matéria. Não se pode, pois, dizer que tal homem é a encarnação do Espírito de tal animal. Conseguintemente, a metempsicose, como a entendem não é verdadeira.”
612. Poderia encarnar num animal o Espírito que animou o corpo de um homem?
“Isso seria retrogradar e o Espírito não retrograda. O rio não remonta à sua
nascente.” (118)
613. Embora de todo errônea, a idéia ligada à metempsicose não terá resultado do
sentimento intuitivo que o homem possui de suas diferentes existências?
“Nessa, como em muitas outras crenças, se depara esse sentimento intuitivo. O
homem, porém, o desnaturou, como costuma fazer com a maioria de suas idéias intuitivas.”
Seria verdadeira a metempsicose, se indicasse a progressão da alma, passando de um
estado a outro superior, onde adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a
natureza. É, porém, falsa no sentido de transmigração direta da alma do animal para o
homem e reciprocamente, o que implicaria a idéia de uma retrogradação, ou de fusão. Ora,
o fato de não poder semelhante fusão operar-se, entre os seres corporais das duas espécies,
mostra que estas são de graus inassimiláveis, devendo dar-se o mesmo com relação aos
Espíritos que as animam. Se um mesmo Espírito as pudesse animar alternativamente,
haveria, como conseqüência, uma identidade de natureza, traduzindo-se pela possibilidade
da reprodução material.
A reencarnação, como os Espíritos a ensinam, se funda, ao contrário, na marcha
ascendente da Natureza e na progressão do homem, dentro da sua própria espécie, o que em
nada lhe diminui a dignidade. O que o rebaixa é o mau uso que ele faz das faculdades que
Deus lhe outorgou para que progrida. Seja como for, a ancianidade e a universalidade da
doutrina da metempsicose e, bem assim, a circunstância de a terem professado homens
eminentes provam que o princípio da reencarnação se radica na própria Natureza.
Antes, pois, constituem argumentos a seu favor, que contrários a esse princípio.
O ponto inicial do Espírito é uma dessas questões que se prendem à origem das
coisas e de que Deus guarda o segredo. Dado não é ao homem conhecê-las de modo
absoluto, nada mais lhe sendo possível a tal respeito do que fazer suposições, criar sistemas
mais ou menos prováveis. Os próprios Espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do
que não sabem, também podem ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas.
É assim, por exemplo, que nem todos pensam da mesma forma quanto às relações
existentes entre o homem e os animais. Segundo uns, o Espírito não chega ao período
humano senão depois de se haver elaborado e individualizado nos diversos graus dos seres
inferiores da Criação. Segundo outros, o Espírito do homem teria pertencido sempre à raça
humana, sem passar pela fieira animal. O primeiro desses sistemas apresenta a vantagem de
assinar um alvo ao futuro dos animais, que formariam então os primeiros elos da cadeia dos
seres pensantes. O segundo é mais conforme à dignidade do homem e pode resumir-se da
maneira seguinte:
As diferentes espécies de animais não procedem intelectualmente umas das outras,
mediante progressão. Assim, o espírito da ostra não se torna sucessivamente o do peixe, do
pássaro, do quadrúpede e do quadrúmano. Cada espécie constitui, física e moralmente, um
tipo absoluto, cada um de cujos indivíduos haure na fonte universal a quantidade do
princípio inteligente que lhe seja necessário, de acordo com a perfeição de seus órgãos e
com o trabalho que tenha de executar nos fenômenos da Natureza, quantidade que ele, por
sua morte, restitui ao reservatório donde a tirou. Os dos mundos mais adiantados que o
nosso (ver n° 188) constituem igualmente raças distintas, apropriadas às necessidades
desses mundos e ao grau de adiantamento dos homens, cujos auxiliares eles são, mas de
modo nenhum procedem das da Terra, espiritualmente falando. Outro tanto não se dá com o
homem. Do ponto de vista físico, este forma evidentemente um elo da cadeia dos seres
vivos: porém, do ponto de vista moral, há, entre o animal e o homem, solução de
continuidade. O homem possui, como propriedade sua, a alma ou Espírito, centelha divina
que lhe confere o senso moral e um alcance intelectual de que carecem os animais e que é
nele o ser principal, que preexiste e sobrevive ao corpo, conservando sua individualidade. Qual a origem do Espírito? Onde o seu ponto inicial? Forma-se do princípio inteligente individualizado? Tudo isso são mistérios que fora inútil querer devassar e sobre os quais, como dissemos, nada mais se pode fazer do que
construir sistemas. O que é constante, o que ressalta do raciocínio e da experiência é a
sobrevivência do Espírito, a conservação de sua individualidade após a morte, a
progressividade de suas faculdades, seu estado feliz ou desgraçado de acordo com o seu
adiantamento na senda do bem e todas as verdades morais decorrentes deste princípio.
Quanto às relações misteriosas que existem entre o homem e os animais, isso,
repetimos, está nos segredos de Deus, como muitas outras coisas, cujo conhecimento atual
nada importa ao nosso progresso e sobre as quais seria inútil determo-nos.

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