sábado, 11 de agosto de 2012

PARTE 3ª CAPÍTULO X DA LEI DE LIBERDADE

PARTE 3ª

CAPÍTULO X
DA LEI DE LIBERDADE
1. Liberdade natural. - 2. Escravidão. - 3. Liberdade de pensar. - 4. Liberdade de
consciência. - 5. Livre-arbítrio. - 6. Fatalidade. - 7. Conhecimento do futuro. - 8. Resumo
teórico do móvel das ações do homem.

Liberdade natural
825. Haverá no mundo posições em que o homem possa jactar-se de gozar de
absoluta liberdade?
“Não, porque todos precisais uns dos outros, assim os pequenos como os grandes.”
826. Em que condições poderia o homem gozar de absoluta liberdade?
“Nas do eremita no deserto. Desde que juntos estejam dois homens, há entre eles
direitos recíprocos que lhes cumpre respeitar; não mais, portanto, qualquer deles goza de
liberdade absoluta.”
827. A obrigação de respeitar os direitos alheios tira ao homem o de pertencer-se a
si mesmo?
“De modo algum, porquanto este é um direito que lhe vem da Natureza.”
828. Como se podem conciliar as opiniões liberais de certos homens com o
despotismo que costumam exercer no seu lar e sobre os seus subordinados?
“Eles têm a compreensão da lei natural, mas contrabalançada pelo orgulho e pelo
egoísmo. Quando não representam calculadamente uma comédia, sustentando princípios
liberais, compreendem como as coisas devem ser, mas não as fazem assim.”
a) - Ser-lhes-ão, na outra vida, levados em conta os princípios que professaram
neste mundo?
“Quanto mais inteligência tem o homem para compreender um princípio, tanto
menos escusável é de o não aplicar a si mesmo. Em verdade vos digo que o homem
simples, porém sincero, está mais adiantado no caminho de Deus, do que um que pretenda
parecer o que não é.”

Escravidão
829. Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedades de
outros homens?
“É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A
escravidão é um abuso da força. Desaparece com o progresso, como gradativamente
desaparecerão todos os abusos.”
É contrária à Natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois que assemelha
o homem ao irracional e o degrada física e moralmente.
830. Quando a escravidão faz parte dos costumes de um povo, são censuráveis os
que dela aproveitam, embora só o façam conformando-se com um uso que lhes parece
natural?
“O mal é sempre o mal e não há sofisma que faça se torne boa uma ação má. A
responsabilidade, porém, do mal é relativa aos meios de que o homem disponha para
compreendê-lo. Aquele que tira proveito da lei da escravidão é sempre culpado de violação
da lei da Natureza. Mas, aí, como em tudo, a culpabilidade é relativa. Tendo-se a escravidão
introduzido nos costumes de certos povos, possível se tornou que, de boa-fé, o homem se
aproveitasse dela como de uma coisa que lhe parecia natural. Entretanto, desde que, mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida pelas luzes do Cristianismo, sua razão lhe mostrou que o escravo era um seu igual perante Deus, nenhuma desculpa mais ele tem.”
831. A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a
dependência das raças mais inteligentes?
“Sim, mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela
escravização. Durante longo tempo, os homens consideram certas raças humanas como
animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os
dessas raças como bestas de carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim
procedem. Insensatos! Nada vêem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue,
porém o Espírito.” (361-803)
832. Há, no entanto, homens que tratam seus escravos com humanidade; que não
deixam lhes falte nada e acreditam que a liberdade os exporia a maiores privações. Que
dizeis disso?
“Digo que esses compreendem melhor os seus interesses. Igual cuidado dispensam
aos seus bois e cavalos, para que obtenham bom preço no mercado. Não são tão culpados
como os que maltratam os escravos, mas, nem por isso deixam de dispor deles como de
uma mercadoria, privando-os do direito de se pertencerem a si mesmos.”

Liberdade de pensar
833. Haverá no homem alguma coisa que escape a todo constrangimento e pela
qual goze ele de absoluta liberdade?
“No pensamento goza o homem de ilimitada liberdade, pois que não há como pôrlhe
peias. Pode-se-lhe deter o vôo, porém, não aniquilá-lo.”
834. É responsável o homem pelo seu pensamento?
“Perante Deus, é. Somente a Deus sendo possível conhecê-lo, Ele o condena ou
absolve, segundo a Sua justiça.”

Liberdade de consciência
835. Será a liberdade de consciência uma conseqüência da de pensar?
“A consciência é um pensamento íntimo, que pertence ao homem, como todos os
outros pensamentos.”
836. Tem o homem direito de pôr embaraços à liberdade de consciência?
“Falece-lhe tanto esse direito, quanto com referência à liberdade de pensar, por isso
que só a Deus cabe o de julgar a consciência. Assim como os homens, pelas suas leis,
regulam as relações de homem para homem, Deus, pelas leis da Natureza, regula as
relações entre Ele e o homem.”
837. Que é o que resulta dos embaraços que se oponham à liberdade de
consciência?
“Constranger os homens a procederem em desacordo com o seu modo de pensar,
fazê-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira
civilização e do progresso.”
838. Será respeitável toda e qualquer crença, ainda quando notoriamente falsa?
“Toda crença é respeitável, quando sincera e conducente à prática do bem.
Condenáveis são as crenças que conduzam ao mal.”
839. Será repreensível aquele que escandalize com a sua crença um outro que não
pensa como ele?
“Isso é faltar com a caridade e atentar contra a liberdade de pensamento.”
840. Será atentar contra a liberdade de consciência pôr óbices a crenças capazes
de causar perturbações à sociedade?
“Podem reprimir-se os atos, mas a crença íntima é inacessível.”
Reprimir os atos exteriores de uma crença, quando acarretam qualquer prejuízo a
terceiros, não é atentar contra a liberdade de consciência, pois que essa repressão em nada
tira à crença a liberdade, que ela conserva integral.
841. Para respeitar a liberdade de consciência, dever-se-á deixar que se
propaguem doutrinas perniciosas, ou poder-se-á, sem atentar contra aquela liberdade,
procurar trazer ao caminho da verdade os que se transviaram obedecendo a falsos
princípios?
“Certamente que podeis e até deveis; mas, ensinai, a exemplo de Jesus, servindo-vos
da brandura e da persuasão e não da força, o que seria pior do que a crença daquele a
quem desejaríeis convencer. Se alguma coisa se pode impor, é o bem e a fraternidade. Mas
não cremos que o melhor meio de fazê-los admitidos seja obrar com violência. A convicção
não se impõe.”
842. Por que indícios se poderá reconhecer, entre todas as doutrinas que alimentam
a pretensão de ser a expressão única da verdade, a que tem o direito de se apresentar como
tal?
“Será aquela que mais homens de bem e menos hipócritas fizer, isto é, pela prática
da lei de amor na sua maior pureza e na sua mais ampla aplicação. Esse o sinal por que
reconhecereis que uma doutrina é boa, visto que toda doutrina que tiver por efeito semear a
desunião e estabelecer uma linha de separação entre os filhos de Deus não pode deixar de
ser falsa e perniciosa.”

Livre-arbítrio
843. Tem o homem o livre-arbítrio de seus atos?
“Pois que tem a liberdade de pensar, tem igualmente a de obrar. Sem o livre-arbítrio,
o homem seria máquina.”
844. Do livre-arbítrio goza o homem desde o seu nascimento?
“Há liberdade de agir, desde que haja vontade de fazê-lo. Nas primeiras fases da
vida, quase nula é a liberdade, que se desenvolve e muda de objeto com o desenvolvimento
das faculdades. Estando seus pensamentos em concordância com o que a sua idade reclama,
a criança aplica o seu livre-arbítrio àquilo que lhe é necessário.”
845. Não constituem obstáculos ao exercício do livre-arbítrio as predisposições
instintivas que o homem já traz consigo ao nascer?
“As predisposições instintivas são as do Espírito antes de encarnar. Conforme seja
este mais ou menos adiantado, elas podem arrastá-las à prática de atos repreensíveis, no que
será secundado pelos Espíritos que simpatizam com essas disposições. Não há, porém,
arrastamento irresistível, uma vez que se tenha a vontade de resistir. Lembrai-vos de que
querer é poder.” (361)
846. Sobre os atos da vida nenhuma influência exerce o organismo? E, se essa
influência existe, não será exercida com prejuízo do livre-arbítrio?
“É inegável que sobre o Espírito exerce influência a matéria, que pode embaraçarlhe
as manifestações. Daí vem que, nos mundos onde os corpos são menos materiais do que
na Terra, as faculdades se desdobram mais livremente. Porém, o instrumento não dá a
faculdade. Além disso, cumpre se distingam as faculdades morais das intelectuais. Tendo
um homem o instinto do assassínio, seu próprio Espírito é, indubitavelmente, quem possui
esse instinto e quem lho dá; não são seus órgãos que lho dão. Semelhante ao bruto, e ainda
pior do que este, se torna aquele que nulifica o seu pensamento, para só se ocupar com a
matéria, pois que não cuida mais de se premunir contra o mal. Nisto é que incorre em falta,
porquanto assim procede por vontade sua.” (Vede n°s. 367 e seguintes - “Influência do
organismo”.)
847. Da aberração das faculdades tira ao homem o livre-arbítrio?
“Já não é senhor do seu pensamento aquele cuja inteligência se ache turbada por
uma causa qualquer e, desde então, já não tem liberdade. Essa aberração constitui muitas
vezes uma punição para o Espírito que, porventura, tenha sido, noutra existência, fútil e
orgulhoso, ou tenha feito mau uso de suas faculdades. Pode esse Espírito, em tal caso,
renascer no corpo de um idiota, como o déspota no de um escravo e o mau rico no de um
mendigo. O Espírito, porém, sofre por efeito desse constrangimento, de que tem perfeita
consciência. Está aí a ação da matéria.” (371 e seguintes)
848. Servirá de escusa aos atos reprováveis o ser devida à embriaguez a aberração
das faculdades intelectuais?
“Não, porque foi voluntariamente que o ébrio se privou da sua razão, para satisfazer
a paixões brutais. Em vez de uma falta, comete duas.”
849. Qual a faculdade predominante no homem em estado de selvageria: o instinto,
ou o livre-arbítrio?
“O instinto, o que não o impede de agir com inteira liberdade, no tocante a certas
coisas. Mas, aplica, como a criança, essa liberdade às suas necessidades e ela se amplia com
a inteligência. Conseguintemente, tu, que és mais esclarecido do que um selvagem, também
és mais responsável pelo que fazes do que um selvagem o é pelos seus atos.”
850. A posição social não constitui às vezes, para o homem, obstáculo à inteira
liberdade de seus atos?
“É fora de dúvida que o mundo tem suas exigências, Deus é justo e tudo leva em
conta. Deixa-vos, entretanto, a responsabilidade de nenhum esforço empregardes para
vencer os obstáculos.”

Fatalidade
851. Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme ao sentido que se dá
a este vocábulo? Quer dizer: todos os acontecimentos são predeterminados? E, neste caso,
que vem a ser do livre-arbítrio?
“A fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta
ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a, institui para si uma espécie de destino, que é a
conseqüência mesma da posição em que vem a achar-se colocado. Falo das provas físicas,
pois, pelo que toca às provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio
quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir. Ao vê-lo fraquejar, um
bom Espírito pode vir-lhe em auxílio, mas não pode influir sobre ele de maneira a dominarlhe
a vontade. Um Espírito mau, isto é, inferior, mostrando-lhe, exagerando aos seus olhos
um perigo físico, o poderá abalar e amedrontar. Nem por isso, entretanto, a vontade do
Espírito encarnado deixa de se conservar livre de quaisquer peias.”
852. Há pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade, independente da
maneira por que procedem. Não lhes estará no destino o infortúnio?
“São, talvez, provas que lhe caiba sofrer e que elas escolheram. Porém, ainda aqui
lançais à conta do destino o que as mais das vezes é apenas conseqüência de vossas próprias
faltas. Trata de ter pura a consciência em meio dos males que te afligem e já bastante
consolado te sentirás.”
As idéias exatas ou falsas que fazemos das coisas nos levam a ser bem ou mal
sucedidos, de acordo com o nosso caráter e a nossa posição social. Achamos mais simples e
menos humilhante para o nosso amor-próprio atribuir antes à sorte ou ao destino os
insucessos que experimentamos, do que à nossa própria falta. É certo que para isso
contribui algumas vezes a influência dos Espíritos, mas também o é
que podemos sempre forrar-nos a essa influência, repelindo as idéias que eles nos sugerem,
quando más.
853. Algumas pessoas só escapam de um perigo mortal para cair em outro. Parece
que não podem escapar da morte. Não há nisso fatalidade?
“Fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte o é. Chegado esse
momento, de uma forma ou doutra, a ele não podeis furtar-vos.”
a) - Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, se a hora da morte ainda
não chegou, não morreremos?
“Não; não perecerás e tens disso milhares de exemplos. Quando, porém, soe a hora
da tua partida, nada poderá impedir que partas. Deus sabe de antemão de que gênero será a
morte do homem e muitas vezes seu Espírito também o sabe, por lhe ter sido isso revelado,
quando escolheu tal ou qual existência.”
854. Do fato de ser infalível a hora da morte, poder-se-á deduzir que sejam inúteis
as precauções para evitá-la?
“Não, visto que as precauções que tomais vos são sugeridas com o fito de evitardes
a morte que vos ameaça. São um dos meios empregados para que ela não se dê.”
855. Com que fim nos faz a Providência correr perigos que nenhuma conseqüência
devem ter?
“O fato de ser a tua vida posta em perigo constitui um aviso que tu mesmo desejaste,
a fim de te desviares do mal e te tornares melhor. Se escapas desse perigo, quando ainda
sob a impressão do risco que correste, de te melhorares, conforme seja mais ou menos forte
sobre ti a influência dos Espíritos bons. Sobrevindo o mau Espírito (digo mau,
subentendendo o mal que ainda existe nele), entras a pensar que do mesmo modo escaparás
a outros perigos e deixas que de novo tuas paixões se desencadeiem. Por
meio dos perigos que correis, Deus vos lembra a vossa fraqueza e a fragilidade da vossa
existência. Se examinardes a causa e a natureza do perigo, verificareis que, quase sempre,
suas conseqüências teriam sido a punição de uma falta cometida ou da negligência no
cumprimento de um dever. Deus, por essa forma, exorta o Espírito a cair em si e a se
emendar.” (526-532)
856. Sabe o Espírito antecipadamente de que gênero será sua morte?
“Sabe que o gênero de vida que escolheu o expõe mais a morrer desta do que
daquela maneira. Sabe igualmente quais a lutas que terá de sustentar para evitá-lo e que, se
Deus o permitir, não sucumbirá.”
857. Há homens que afrontam os perigos dos combates, persuadidos, de certo
modo, de que a hora não lhes chegou. Haverá algum fundamento para essa confiança?
“Muito amiúde tem o homem o pressentimento do seu fim, como pode ter o de que
ainda não morrerá. Esse pressentimento lhe vem dos Espíritos seus protetores, que assim o
advertem para que esteja pronto a partir, ou lhe fortalecem a coragem nos momentos em
que mais dela necessita. Pode vir-lhe também da intuição que tem da existência que
escolheu, ou da missão que aceitou e que sabe ter que cumprir.” (411-522)
858. Por que razão os que pressentem a morte a temem geralmente menos do que os
outros?
“Quem teme a morte é o homem, não o Espírito. Aquele que a pressente pensa mais
como Espírito do que como homem. Compreende ser ela a sua libertação e espera-a.”
859. Com todos os acidentes, que nos sobrevêm no curso da vida, se dá o mesmo
que com a morte, que não pode ser evitada, quando tem que ocorrer?
“São de ordinário coisas muito insignificantes, de sorte que vos podeis prevenir
deles e fazer que os eviteis algumas vezes, dirigindo o vosso pensamento, pois nos
desagradam os sofrimentos materiais. Isso, porém, nenhuma importância tem na vida que
escolhestes. A fatalidade, verdadeiramente, só existe quanto ao momento em que deveis
aparecer e desaparecer deste mundo.”
a) - Haverá fatos que forçosamente devam dar-se e que os Espíritos não possam
conjurar, embora o queiram?
“Há, mas que tu viste e pressentiste quando, no estado de Espírito, fizeste a tua
escolha. Não creias, entretanto, que tudo o que sucede esteja escrito, como costumam dizer.
Um acontecimento qualquer pode ser a conseqüência de um ato que praticaste por tua livre
vontade, de tal sorte que, se não o houvesses praticado, o acontecimento não seria dado.
Imagina que queimas o dedo. Isso nada mais é senão resultado da tua imprudência e efeito
da matéria. Só as grandes dores, os fatos importantes e capazes de influir no moral, Deus os
prevê, porque são úteis à tua depuração e à tua instrução.”
860. Pode o homem, pela sua vontade e por seus atos, fazer que se não dêem
acontecimentos que deveriam verificar-se e reciprocamente?
“Pode-o, se essa aparente mudança na ordem dos fatos tiver cabimento na seqüência
da vida que ele escolheu. Acresce que, para fazer o bem, como lhe cumpre, pois que isso
constitui o objetivo único da vida, facultado lhe é impedir o mal, sobretudo aquele que
possa concorrer para a produção de um mal maior.”
861. Ao escolher a sua existência, o Espírito daquele que comete um assassínio
sabia que viria a ser assassino?
“Não. Escolhendo uma vida de lutas, sabe que terá ensejo de matar um de seus
semelhantes, mas não sabe se o fará, visto que ao crime precederá quase sempre, de sua
parte, a deliberação de praticá-lo. Ora, aquele que delibera sobre uma coisa é sempre livre
de fazê-la, ou não. Se soubesse previamente que, como homem, teria que cometer um crime, o Espírito
estaria a isso predestinado. Ficai, porém, sabendo que a ninguém há predestinado ao crime e
que todo crime, como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do livre-arbítrio.
“Demais, sempre confundis duas coisas muito distintas: os sucessos materiais e os
atos da vida moral. A fatalidade, que por algumas vezes há, só existe com relação àqueles
sucessos materiais, cuja causa reside fora de vós e que independem da vossa vontade.
Quanto aos da vida moral esses emanam sempre do próprio homem que, por conseguinte,
tem sempre a liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca há fatalidade.”
862. Pessoas existem que nunca logram bom êxito em coisa alguma, que parecem
perseguidas por um mau gênio em todos os seus empreendimentos. Não se pode chamar a
isso fatalidade?
“Será uma fatalidade, se lhe quiseres dar esse nome, mas que decorre do gênero da
existência escolhida. É que essas pessoas quiseram ser provadas por uma vida de
decepções, a fim de exercitarem a paciência e a resignação. Entretanto, não creias seja
absoluta essa fatalidade. Resulta muitas vezes do caminho falso que tais pessoas tomam, em
discordância com suas inteligências e aptidões. Grandes probabilidades tem de se afogar
quem pretender atravessar a nada um rio, sem saber nadar. O mesmo se dá relativamente à
maioria dos acontecimentos da vida. Quase sempre obteria o homem bom êxito, se só
tentasse o que estivesse em relação com as suas faculdades. O que o perde são o seu amorpróprio
e a sua ambição, que o desviam da senda que lhe é própria e o fazem considerar
vocação o que não passa de desejo de satisfazer a certas paixões. Fracassa por sua culpa.
Mas, em vez de culpar-se a si mesmo, prefere queixar-se da sua estrela. Um, por exemplo,
que seria bom operário e ganharia honestamente a vida, mete-se a ser mau poeta e morre de
fome. Para todos haveria lugar no mundo,
desde que cada um soubesse colocar-se no lugar que lhe compete.”
863. Os costumes sociais não obrigam muitas vezes o homem a enveredar por um
caminho de preferência a outro e não se acha ele submetido à direção da opinião geral,
quanto à escolha de suas ocupações? O que se chama respeito humano não constitui óbice
ao exercício do livre-arbítrio?
“São os homens e não Deus quem faz os costumes sociais. Se eles a estes se
submetem, é porque lhes convêm. Tal submissão, portanto, representa um ato de livrearbítrio,
pois que, se o quisessem, poderiam libertar-se de semelhante jugo. Por que, então,
se queixam? Falece-lhes razão para acusarem os costumes sociais. A culpa de tudo devem
lançá-la ao tolo amor-próprio de que vivem cheios e que os faz preferirem morrer de fome a
infringi-los. Ninguém lhes leva em conta esse sacrifício feito à opinião pública, ao passo
que Deus lhes levará em conta o sacrifício que fizerem de suas vaidades. Não quer isto
dizer que o homem deva afrontar sem necessidade aquela opinião, como fazem alguns em
que há mais originalidade do que verdadeira filosofia. Tanto desatino há em procurar
alguém ser apontado a dedo, ou considerado animal curioso, quanto acerto em descer
voluntariamente e sem murmurar, desde que não possa manter-se no alto da escala.”
864. Assim como há pessoas a quem a sorte em tudo é contrária, outras parecem
favorecidas por ela, pois que tudo lhes sai bem. A que atribuir isso?
“De ordinário, é que essas pessoas sabem conduzir-se melhor nas suas empresas.
Mas, também pode ser um gênero de prova. O bom êxito as embriaga; fiam-se no seu
destino e muitas vezes pagam mais tarde esse bom êxito, mediante revezes cruéis, que a
prudência as teria feito evitar.”
865. Como se explica que a boa sorte favoreça a algumas pessoas em
circunstâncias com as quais nada têm que ver a vontade, nem a inteligência: no jogo, por
exemplo?
“Alguns Espíritos hão escolhido previamente certas espécies de prazer. A fortuna
que os favorece é uma tentação. Aquele que, como homem, ganha; perde como Espírito. É
uma prova para o seu orgulho e para a sua cupidez.”
866. Então, a faculdade que favorece presidir aos destinos materiais de nossa vida
também é resultante do nosso livre-arbítrio?
“Tu mesmo escolheste a tua prova. Quanto mais rude ela for e melhor a suportares,
tanto mais te elevarás. Os que passam a vida na abundância e na ventura humana são
Espíritos pusilânimes, que permanecem estacionários. Assim, o número dos desafortunados
é muito superior ao dos felizes deste mundo, atento que os Espíritos, na sua maioria,
procuram as provas que lhes sejam mais proveitosas. Eles vêem perfeitamente bem a
futilidade das vossas grandezas e gozos. Acresce que a mais ditosa existência é sempre
agitada, sempre perturbada, quando mais não seja, pela ausência da dor.” (525 e seguintes)
867. Donde vem a expressão: Nascer sob uma boa estrela?
“Antiga superstição, que prendia às estrelas os destinos dos homens. Alegoria que
algumas pessoas fazem a tolice de tomar ao pé da letra.”

Conhecimento do futuro
868. Pode o futuro ser revelado ao homem?
“Em princípio, o futuro lhe é oculto e só em casos raros e excepcionais permite
Deus que seja revelado.”
869. Com que fim o futuro se conserva oculto ao homem?
“Se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria do presente e não obraria com a
liberdade com que o faz, porque o dominaria a idéia de que, se uma coisa tem que
acontecer, inútil será ocupar-se com ela, ou então procuraria obstar a que acontecesse. Não
quis Deus que assim fosse, a fim de que cada um concorra para a realização das coisas, até
daquelas a que desejaria opor-se. Assim é que tu mesmo preparas muitas vezes os
acontecimentos que hão de sobrevir no curso da tua existência.”
870. Mas, se convém que o futuro permaneça oculto, por que permite Deus que seja
revelado algumas vezes?
“Permite-o, quando o conhecimento prévio do futuro facilite a execução de uma
coisa, em vez de a estorvar, obrigando o homem a agir diversamente do modo por que
agiria, se lhe não fosse feita a revelação. Não raro, também é uma prova. A perspectiva de
um acontecimento pode sugerir pensamentos mais ou menos bons. Se um homem vem a
saber, por exemplo, que vai receber uma herança, com que não conta, pode dar-se que a
revelação desse fato desperte nele o sentimento da cobiça, pela perspectiva de se lhe
tornarem possíveis maiores gozos terrenos, pela ânsia de possuir mais depressa a herança,
desejando talvez, para que tal se dê, a morte daquele de quem herdará. Ou, então, essa
perspectiva lhe inspirará bons sentimentos e pensamentos generosos. Se a predição não se
cumpre, aí está outra prova, consistente na maneira por que suportará a decepção. Nem por
isso, entretanto, lhe caberá menos o mérito ou o demérito dos pensamentos bons ou maus
que a crença na ocorrência daquele fato lhe fez nascer no íntimo.”
871. Pois que Deus tudo sabe, não ignora se um homem sucumbirá ou não em
determinada prova. Assim sendo, qual a necessidade dessa prova, uma vez que nada
acrescentará ao que Deus já sabe a respeito desse homem?
“Isso eqüivale a perguntar por que não criou Deus o homem perfeito e acabado
(119); por que passa o homem pela infância, antes de chegar à condição de adulto (379).
A prova não tem por fim dar a Deus esclarecimentos sobre o homem, pois que Deus sabe
perfeitamente o que ele vale, mas dar ao homem toda a responsabilidade de sua ação, uma
vez que tem a liberdade de fazer ou não fazer. Dotado da faculdade de escolher entre o bem
e o mal, a prova tem por efeito pô-lo em luta com as tentações do mal e conferir-lhe todo o
mérito da resistência. Ora, conquanto saiba de antemão se ele se sairá bem ou não, Deus
não o pode, em Sua justiça, punir, nem recompensar, por um ato ainda não praticado.”
(258)
Assim sucede entre os homens. Por muito capaz que seja um estudante, por grande
que seja a certeza que se tenha de que alcançará bom êxito, ninguém lhe confere grau algum
sem exame, isto é, sem prova. Do mesmo modo, o juiz não condena um acusado, senão
com fundamento num ato consumado e não na previsão de que ele possa ou deva consumar
esse fato.
Quanto mais se reflete nas conseqüências que teria para o homem o conhecimento
do futuro, melhor se vê quanto foi sábia a Providência em lho ocultar. A certeza de um
acontecimento venturoso o lançaria na inação. A de um acontecimento infeliz o encheria de
desânimo. Em ambos os casos, suas forças ficariam paralisadas. Daí o não lhe ser mostrado
o futuro, senão como meta que lhe cumpre atingir por seus esforços, mas ignorando os
trâmites por que terá de passar para alcançá-la. O conhecimento de todos os incidentes da
jornada lhe tolheria a iniciativa e o uso do livre-arbítrio. Ele se deixaria resvalar pelo
declive fatal dos acontecimentos sem exercer suas faculdades. Quando o feliz êxito de uma
coisa está assegurado, ninguém mais com ela se preocupa.

Resumo teórico do móvel das ações Humanas
872. A questão do livre-arbítrio se pode resumir assim: O homem não é fatalmente
levado ao mal; os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que
comete não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, por prova e por expiação,
escolher uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache
colocado, quer pelas circunstâncias que sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe para ele, quando no estado de Espírito, ao fazer a escolha da existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos nos temos
voluntariamente submetido. Cabe à educação combater essas más tendências. Fá-lo-á
utilmente, quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo
conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se
modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene.
Desprendido da matéria e no estado de erraticidade, o Espírito procede à escolha de
suas futuras existências corporais, de acordo com o grau de perfeição a que haja chegado e
é nisso, como temos dito, que consiste sobretudo o seu livre-arbítrio. Esta liberdade, a
encarnação não a anula. Se ele cede à influência da matéria, é que sucumbe nas provas que
por si mesmo escolheu. Para ter quem o ajude a vencê-las, concedido lhe é invocar a
assistência de Deus e dos bons Espíritos. (337)
Sem o livre-arbítrio, o homem não teria nem culpa por praticar o mal, nem mérito
em praticar o bem. E isto a tal ponto está reconhecido que, no mundo, a censura ou o elogio
são feitos à intenção, isto é, à vontade. Ora, quem diz vontade diz liberdade. Nenhuma
desculpa poderá, portanto, o homem buscar, para os seus delitos, na sua organização física,
sem abdicar da razão e da sua condição de ser humano, para se equiparar ao bruto. Se fora
assim quanto ao mal, assim não poderia deixar de ser relativamente ao bem. Mas, quando o
homem pratica o bem, tem grande cuidado de averbar o fato à sua conta, como mérito, e
não cogita de por ele gratificar os seus órgãos, o que prova que, por instinto, não renuncia,
mau grado à opinião de alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio de sua espécie: a
liberdade de pensar.
A fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável de
todos os sucessos da vida, qualquer que seja a importância deles. Se tal fosse
a ordem das coisas, o homem seria qual máquina sem vontade. De que lhe serviria a
inteligência, desde que houvesse de estar invariavelmente dominado, em todos os seus atos,
pela força do destino? Semelhante doutrina, se verdadeira, conteria a destruição de toda
liberdade moral; já não haveria para o homem responsabilidade, nem, por conseguinte,
bem, nem mal, crimes ou virtudes. Não seria possível que Deus, soberanamente justo,
castigasse suas criaturas por faltas cujo cometimento não dependera delas, nem que as
recompensasse por virtudes de que nenhum mérito teriam. Demais, tal lei seria a negação
da do progresso, porquanto o homem, tudo esperando da sorte, nada tentaria para melhorar
a sua posição, visto que não conseguiria ser mais nem menos.
Contudo, a fatalidade não é uma palavra vã. Existe na posição que o homem ocupa
na Terra e nas funções que aí desempenha, em conseqüência do gênero de vida que seu
Espírito escolheu como prova, expiação ou missão. Ele sofre fatalmente todas as
vicissitudes dessa existência e todas as tendências boas ou más, que lhe são inerentes. Aí,
porém, acaba a fatalidade, pois da sua vontade depende ceder ou não a essas tendências. Os
pormenores dos acontecimentos, esses ficam subordinados às circunstâncias que ele
próprio cria pelos seus atos, sendo que nessas circunstâncias podem os Espíritos influir
pelos pensamentos que sugiram. (459)
Há fatalidade, portanto, nos acontecimentos que se apresentam, por serem estes
conseqüência da escolha que o Espírito fez da sua existência de homem. Pode deixar de
haver fatalidade no resultado de tais acontecimentos, visto ser possível ao homem, pela sua
prudência, modificar-lhes o curso. Nunca há fatalidade nos atos da vida moral.
No que concerne à morte é que o homem se acha submetido, em absoluto, à
inexorável lei da fatalidade, por isso que não pode escapar à sentença que lhe marca o termo
da existência, nem ao gênero de morte que haja de cortar a esta o fio.
Segundo a doutrina vulgar, de si mesmo tiraria o homem todos os seus instintos que,
então, proviriam, ou da sua organização física, pela qual nenhuma responsabilidade lhe
toca, ou da sua própria natureza, caso em que lícito lhe fora procurar desculpar-se consigo
mesmo, dizendo não lhe pertencer a culpa de ser feito como é. Muito mais moral se mostra,
indiscutivelmente, a Doutrina Espírita. Ela admite no homem o livre-arbítrio em toda a sua
plenitude e, se lhe diz que, praticando o mal, ele cede a uma sugestão estranha e má, em
nada lhe diminui a responsabilidade, pois lhe reconhece o poder de resistir, o que
evidentemente lhe é muito mais fácil do que lutar contra a sua própria natureza. Assim, de
acordo com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre
cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindo-o ao mal, como pode cerrá-los
à voz material daquele que lhe fale ostensivamente. Pode-o pela ação da sua vontade,
pedindo a Deus a força necessária e reclamando, para tal fim, a assistência dos bons
Espíritos. Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que é a oração dominical,
quando manda que digamos: “Não nos deixes sucumbir à tentação, mas livra-nos do mal.”
Essa teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta com evidência de todo o
ensino que os Espíritos hão dado. Não só é sublime de moralidade, mas também,
acrescentaremos, eleva o homem aos seus próprios olhos. Mostra-o livre de subtrair-se a
um jugo obsessor, como livre é de fechar sua casa aos importunos. Ele deixa de ser simples
máquina, atuando por efeito de uma impulsão independente da sua vontade, para ser um
ente racional, que ouve, julga e escolhe livremente de dois conselhos um. Aditemos que,
apesar disto, o homem não se acha privado de iniciativa, não deixa de agir por impulso
próprio, pois que, em definitiva, ele é apenas um Espírito encarnado que conserva, sob o
envoltório corporal, as qualidades e os defeitos que tinha como Espírito.
Conseguintemente, as faltas que cometemos têm por fonte primária a imperfeição do
nosso próprio Espírito, que ainda não conquistou a superioridade moral que um dia alcançará, mas que, nem por isso, carece de livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada para se expungir de suas
imperfeições, mediante as provas por que passa, imperfeições que, precisamente, o tornam
mais fraco e mais acessível às sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que delas se
aproveitam para tentar fazê-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessa luta sai
vencedor ele se eleva; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nem melhor. Será uma
prova que lhe cumpre recomeçar, podendo suceder que longo tempo gaste nessa alternativa.
Quanto mais se depura, tanto mais diminuem os seus pontos fracos e tanto menos acesso
oferece aos que procurem atraí-lo para o mal. Na razão de sua elevação, cresce-lhe a força
moral, fazendo que dele se afastem os maus Espíritos.
Todos os Espíritos, mais ou menos bons, quando encarnados, constituem a espécie
humana e, como o nosso mundo é um dos menos adiantados, nele se conta maior número
de Espíritos maus do que de bons. Tal a razão por que aí vemos perversidade. Façamos,
pois, todos os esforços para a este planeta não voltarmos, após a presente estada, e para
merecermos ir repousar em mundo melhor, em um desses mundos privilegiados, onde não
nos lembraremos da nossa passagem por aqui, senão como de um exílio temporário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário