sábado, 11 de agosto de 2012

PARTE 3ª CAPÍTULO XI DA LEI DE JUSTIÇA, DE AMOR E DE CARIDADE

PARTE 3ª

CAPÍTULO XI
DA LEI DE JUSTIÇA, DE AMOR E DE
CARIDADE
1. Justiça e direitos naturais. - 2. Direito de propriedade. Roubo. - 3. Caridade e amor do
próximo. - 4. Amor materno e filial.

Justiça e direitos naturais
873. O sentimento da justiça está em a Natureza, ou é resultado de idéias
adquiridas?
“Está de tal modo em a Natureza, que vos revoltais à simples idéia de uma injustiça.
É fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus o
pôs no coração do homem. Daí vem que, freqüentemente, em homens simples e incultos se
vos deparam noções mais exatas da justiça do que nos que possuem grande cabedal de
saber.”
874. Sendo a justiça uma lei da Natureza, como se explica que os homens a
entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto?
“É porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à
maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um
prisma falso.”
875. Como se pode definir a justiça?
“A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.”
a) - Que é o que determina esses direitos?
“Duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens formulado leis
apropriadas a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos mutáveis com o
progresso das luzes. Vede se hoje as vossas leis, aliás imperfeitas, consagram os mesmos
direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antiquados, que agora se vos
afiguram monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, pois, é
acorde com a justiça o direito que os homens prescrevem. Demais, este direito regula
apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade
de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência.”
876. Posto de parte o direito que a lei humana consagra, qual a base da justiça,
segundo a lei natural?
“Disse o Cristo: Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo. No
coração do homem imprimiu Deus a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um
deseje ver respeitados os seus direitos. Na incerteza de como deva proceder com o seu
semelhante, em dada circunstância, trate o homem de saber como quereria que com ele
procedessem, em circunstância idêntica. Guia mais seguro do que a própria consciência não
lhe podia Deus haver dado.”
Efetivamente, o critério da verdadeira justiça está em querer cada um para os outros
o que para si mesmo quereria e não em querer para si o que quereria para os outros, o que
absolutamente não é a mesma coisa. Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si,
desde que cada um tome por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca ninguém
desejará para o seu semelhante senão o bem. Em todos os tempos e sob o império de todas
as crenças, sempre o homem se esforçou para que prevalecesse o seu direito pessoal. A
sublimidade da religião cristã está em que ela tomou o direito pessoal por base do direito
do próximo.
877. Da necessidade que o homem tem de viver em sociedade, nascem-lhe
obrigações especiais?
“Certo e a primeira de todas é a de respeitar os direitos de seus semelhante. Aquele
que respeitar esses direitos procederá sempre com justiça. Em o vosso mundo, porque a
maioria dos homens não pratica a lei de justiça, cada um usa de represálias. Essa a causa da
perturbação e da confusão em que vivem as sociedades humanas. A vida social outorga
direitos e impões deveres recíprocos.”
878. Podendo o homem enganar-se quanto à extensão do seu direito, que é o que
lhe fará conhecer o limite desse direito?
“O limite do direito que, com relação a si mesmo, reconhecer ao seu semelhante, em
idênticas circunstâncias e reciprocamente.”
a) - Mas, se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais aos de seu
semelhante, que virá a ser da subordinação aos superiores? Não será isso a anarquia de
todos os poderes?
“Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição
mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não fez uns de limo mais puro do que o
de que se serviu para fazer os outros, e todos, aos Seus olhos, são iguais. Esses direitos são
eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições. Demais, cada um
sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá sempre ter uma certa deferência para com
os que o mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que os que
se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A
subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria.”
879. Qual seria o caráter do homem que praticasse a justiça em toda a sua pureza?
“O do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porquanto praticaria também o amor do
próximo e a caridade, sem os quais não há verdadeira justiça.”

Direito de propriedade. Roubo
880. Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem?
“O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu
semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.”
881. O direito de viver dá ao homem o de acumular bens que lhe permitam
repousar quando não mais possa trabalhar?
“Dá, mas ele deve fazê-lo em família, como a abelha, por meio de um trabalho
honesto, e não como egoísta. Há mesmo animais que lhe dão o exemplo de previdência.”
882. Tem o homem o direito de defender os bens que haja conseguido juntar pelo
seu trabalho?
“Não disse Deus: “Não roubarás?” E Jesus não disse: “Dai a César o que é de
César?”
O que, por meio do trabalho honesto, o homem junta constitui legítima propriedade
sua, que ele tem o direito de defender, porque a propriedade que resulta do trabalho é um
direito natural, tão sagrado quando o de trabalhar e de viver.
883. É natural o desejo de possuir?
“Sim, mas quando o homem deseja possuir para si somente e para sua satisfação
pessoal, o que há é egoísmo.”
a) - Não será, entretanto, legítimo o desejo de possuir, uma vez aquele que tem de
que viver a ninguém é pesado?
“Há homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou apenas
para saciar suas paixões. Julgas que Deus vê isso com bons olhos? Aquele que, ao contrário, junta pelo
trabalho, tendo em vista socorrer os seus semelhantes, pratica a lei de amor e caridade, e
Deus abençoa o seu trabalho.”
884. Qual o caráter da legítima propriedade?
“Propriedade legítima só é a que foi adquirida sem prejuízo de outrem.” (808)
Proibindo-nos que façamos aos outros o que não desejáramos que nos fizessem, a
lei de amor e de justiça nos proíbe, ipso facto, a aquisição de bens por quaisquer meios
que lhe sejam contrários.
885. Será ilimitado o direito de propriedade?
“É fora de dúvida que tudo o que legitimamente se adquire constitui uma
propriedade. Mas, como havemos dito, a legislação dos homens, porque imperfeita,
consagra muitos direitos convencionais, que a lei de justiça reprova. Essa a razão por que
eles reformam suas leis, à medida que o progresso se efetua e que melhor compreendem a
justiça. O que num século parece perfeito, afigura-se bárbaro no século seguinte.” (795)

Caridade e amor do próximo
886. Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus?
“Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros,
perdão das ofensas.”
O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça. pois amar o próximo é
fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito. Tal o
sentido destas palavras de Jesus: Amai-vos uns aos outros como irmãos.
A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, abrange todas as relações
em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam eles nossos inferiores, nossos
iguais, ou nossos superiores. Ela nos prescreve a indulgência, porque da indulgência
precisamos nós mesmos, e nos proíbe que humilhemos os desafortunados, contrariamente ao que se costuma fazer. Apresente-se uma pessoa rica e todas as atenções e deferências lhe são dispensadas. Se for pobre, toda gente como que entende que não precisa preocupar-se com ela. No entanto, quanto mais
lastimosa seja a sua posição, tanto maior cuidado devemos pôr em lhe não aumentarmos
o infortúnio pela humilhação. O homem verdadeiramente bom procura elevar, aos seus
próprios olhos, aquele que lhe é inferior, diminuindo a distância que os separa.
887. Jesus também disse: Amai mesmo os vossos inimigos. Ora, o amor aos
inimigos não será contrário às nossas tendências naturais e a inimizade não provirá de
uma falta de simpatia entre os Espíritos?
“Certo ninguém pode votar aos seus inimigos um amor terno e apaixonado. Não
foi isso o que Jesus entendeu de dizer. Amar os inimigos é perdoar-lhes e lhes retribuir o
mal com o bem. O que assim procede se torna superior aos seus inimigos, ao passo que
abaixo deles se coloca , se procura tomar vingança.”
888. Que se deve pensar da esmola?
“Condenando-se a pedir esmola, o homem se degrada física e moralmente:
embrutece-se. Uma sociedade que se baseia na lei de Deus e na justiça deve prover à vida
do fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve assegurar a existência dos que não
podem trabalhar, sem lhes deixar a vida à mercê do acaso e da boa-vontade de alguns.”
a) - Dar-se-á reproveis a esmola?
“Não; o que merece reprovação não é a esmola, mas a maneira por que
habitualmente é dada. O homem de bem, que compreende a caridade de acordo com
Jesus, vai ao encontro do desgraçado, sem esperar que este lhe estenda a mão.
“A verdadeira caridade é sempre bondosa e benévola; está tanto no ato, como na
maneira por que é praticado. Duplo valor tem um serviço prestado com delicadeza. Se o
for com altivez, pode ser que a necessidade obrigue quem o recebe a aceitá-lo, mas o seu coração pouco se comoverá.
“Lembrai-vos também de que, aos olhos de Deus, a ostentação tira o mérito ao
benefício. Disse Jesus: “Ignore a vossa mão esquerda o que a direita der.” Por essa forma,
ele vos ensinou a não tisnardes a caridade com o orgulho.
“Deve-se distinguir a esmola, propriamente dita, da beneficência. Nem sempre o
mais necessitado é o que pede. O temor de uma humilhação detém o verdadeiro pobre, que
muita vez sofre sem se queixar. A esse é que o homem verdadeiramente humano sabe ir
procurar, sem ostentação.
“Amai-vos uns aos outros, eis toda a lei, lei divina, mediante a qual governa Deus os
mundos. O amor é a lei de atração para os seres vivos e organizados. A atração é a lei de
amor para a matéria inorgânica.
“Não esqueçais nunca que o Espírito, qualquer que seja o grau de seu adiantamento,
sua situação como encarnado, ou na erraticidade, está sempre colocado entre um superior,
que o guia e aperfeiçoa, e um inferior, para com o qual tem que cumprir esses mesmos
deveres. Sede, pois, caridosos, praticando, não só a caridade que vos faz dar friamente o
óbolo que tirais do bolso ao que vo-lo ousa pedir, mas a que vos leve ao encontro das
misérias ocultas. Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes. Em vez de
votardes desprezo à ignorância e ao vício, instruí os ignorantes e moralizai os viciados.
Sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para com os
seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à lei de Deus.”
SÃO VICENTE DE PAULO
889. Não há homens que se vêem condenados a mendigar por culpa sua?
“Sem dúvida; mas, se uma boa educação moral lhes houvera ensinado a praticar a
lei de Deus, não teriam caído nos excessos causadores da sua perdição. Disso, sobretudo, é que depende a melhorado vosso planeta.” (707)

Amor materno e filial
890. Será uma virtude o amor materno, ou um sentimento instintivo, comum aos
homens e aos animais?
“Uma e outra coisa. A Natureza deu à mãe o amor a seus filhos no interesse da
conservação deles. No animal, porém, esse amor se limita às necessidades materiais; cessa
quando desnecessário se tornam os cuidados. No homem, persiste pela vida inteira e
comporta um devotamento e uma abnegação que são virtudes. Sobrevive mesmo à morte e
acompanha o filho até no além-túmulo. Bem vedes que há nele coisa diversa do que há no
amor do animal.” (205-385)
891. Estando em a Natureza o amor materno, como é que há mães que odeiam os
filhos e, não raro, desde a infância destes?
“Às vezes, é uma prova que o Espírito do filho escolheu, ou uma expiação, se
aconteceu ter sido mau pai, ou mãe perversa, ou mau filho, noutra existência (392). Em
todos os casos, a mãe má não pode deixar de ser animada por um mau Espírito que procura
criar embaraços ao filho, a fim de que sucumba na prova que buscou. Mas, essa violação
das leis da Natureza não ficará impune e o Espírito do filho será recompensado pelos
obstáculos de que haja triunfado.”
892. Quando os filhos causam desgostos aos pais, não têm estes desculpa para o
fato de lhes não dispensarem a ternura de que os fariam objeto, em caso contrário?
“Não, porque isso representa um encargo que lhes é confiado e a missão deles
consiste em se esforçarem por encaminhar os filhos para o bem (582-583). Demais, esses
desgostos são, amiúde, a conseqüência do mau feitio que os pais deixaram que seus filhos
tomassem desde o berço. Colhem o que semearam.”

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