PARTE 2ª
CAPÍTULO VII
DA VOLTA DO ESPÍRITO À VIDA CORPORAL
1. Prelúdio da volta. - 2. União da alma e do corpo. Aborto. - 3. Faculdades morais eintelectuais do homem. - 4. Influência do organismo. - 5. Idiotismo e loucura. -
6. A infância. - 7. Simpatias e antipatias terrestres. - 8. Esquecimento do passado.
Prelúdio da volta
330. Sabem os Espíritos em que época reencarnarão?“Pressentem-na, como sucede ao cego que se aproxima do fogo. Sabem que têm de
retomar um corpo, como sabeis que tendes de morrer um dia, mas ignoram quando isso se
dará.” (166)
a) - Então, a reencarnação é uma necessidade da vida espírita, como a morte o é da
vida corporal?
“Certamente; assim é.”
331. Todos os Espíritos se preocupam com a sua reencarnação?
“Muitos há que em tal coisa não pensam, que nem sequer a compreendem. Depende
de estarem mais ou menos adiantados. Para alguns, a incerteza em que se acham do futuro
que os aguarda constitui punição.”
332. Pode o Espírito apressar ou retardar o momento da sua reencarnação?
“Pode apressá-lo, atraindo-o por um desejo ardente. Pode igualmente distânciá-lo,
recuando diante da prova, pois entre os Espíritos também há covardes e indiferentes.. Nenhum, porém assim procede impunemente, visto que sofre por isso, como aquele que recusa o remédio capaz de curálo.”
333. Se se considerasse bastante feliz, numa condição mediana entre os Espíritos
errantes e, conseguintemente, não ambicionasse elevar-se, poderia um Espírito prolongar
indefinidamente esse estado?
“Indefinidamente, não. Cedo ou tarde, o Espírito sente a necessidade de progredir.
Todos têm que se elevar; esse o destino de todos.”
334. Há predestinação na união da alma com tal ou tal corpo, ou só à última hora é
feita a escolha do corpo que ela tomará?
“O Espírito é sempre, de antemão, designado. Tendo escolhido a prova a que queira
submeter-se, pede para encarnar. Ora, Deus, que tudo sabe e vê, já antecipadamente sabia e
vira que tal Espírito se uniria a tal corpo.”
335. Cabe ao Espírito a escolha do corpo em que encarne, ou somente a do gênero
de vida que lhe sirva de prova?
“Pode também escolher o corpo, porquanto as imperfeições que este apresente ainda
serão, para o Espírito, provas que lhe auxiliarão o progresso, se vencer os obstáculos que
lhe oponha. Nem sempre, porém, lhe é permitida a escolha do seu invólucro corpóreo; mas,
simplesmente, a faculdade de pedir que seja tal ou qual.”
a) - Poderia o Espírito recusar, à última hora, tomar o corpo por ele escolhido?
“Se recusasse, sofreria muito mais do que aquele que não tentasse prova alguma.”
336. Poderia dar-se não haver Espírito que aceitasse encarnar numa criança que
houvesse de nascer?
“Deus a isso proveria. Quando uma criança tem que nascer vital, está predestinada
sempre a ter uma alma. Nada se cria sem que à criação presida um desígnio.”
337. Pode a união do Espírito a determinado corpo se imposta por Deus?
“Certo, do mesmo modo que as diferentes provas, mormente quando ainda o
Espírito não está apto a proceder a uma escolha com conhecimento de causa. Por expiação,
pode o Espírito ser constrangido a se unir ao corpo de determinada criança que, pelo seu
nascimento e pela posição que venha a ocupar no mundo, se lhe torne instrumento de
castigo.”
338. Se acontecesse que muitos Espíritos se apresentassem para tomar determinado
corpo destinado a nascer, que é o que decidiria sobre a qual deles pertenceria o corpo?
“Muitos podem pedi-lo; mas, em tal caso, Deus é quem julga qual o mais capaz de
desempenhar a missão a que a criança se destina. Porém, como já eu disse, o Espírito é
designado antes que soe o instante em que haja de unir-se ao corpo.”
339. No momento de encarnar, o Espírito sofre perturbação semelhante à que
experimenta ao desencarnar?
“Muito maior e sobretudo mais longa. Pela morte, o Espírito sai da escravidão; pelo
nascimento, entra para ela.”
340. É solene para o Espírito o instante da sua encarnação? Pratica ele esse ato
considerando-o grande e importante?
“Procede como o viajante que embarca para uma travessia perigosa e que não sabe
se encontrará ou não a morte nas ondas que se decide a afrontar.”
O viajante que embarca sabe a que perigo se lança, mas não sabe se naufragará. O
mesmo se dá com o Espírito: conhece o gênero das provas a que se submete, mas não sabe se sucumbirá.
Assim como, para o Espírito, a morte do corpo é uma espécie de renascimento, a
reencarnação é uma espécie de morte, ou antes, de exílio, de clausura. Ele deixa o mundo
dos Espíritos pelo mundo corporal, como o homem deixa este mundo por aquele. Sabe que
reencarnará, como o homem sabe que morrerá. Mas, como este com relação à morte, o
Espírito só no instante supremo, quando chegou o momento predestinado, tem consciência
de que vai reencarnar. Então, qual do homem em agonia, dele se apodera a perturbação, que
se prolonga até que a nova existência se ache positivamente encetada. À aproximação do
momento de reencarnar, sente uma espécie de agonia.
341. Na incerteza em que se vê, quanto às eventualidades do seu triunfo nas provas
que vai suportar na vida, tem o Espírito uma causa de ansiedade antes da sua encarnação?
“De ansiedade bem grande, pois que as provas da sua existência o retardarão ou
farão avançar, conforme as suporte.”
342. No momento de reencarnar, o Espírito se acha acompanhado de outros
Espíritos seus amigos, que vêm assistir à sua partida do mundo incorpóreo, como vêem
recebê-lo quando para lá volta?
“Depende da esfera a que pertença. Se já está nas em que reina a afeição, os
Espíritos que lhe querem o acompanham até o último momento, animam e mesmo lhe
seguem, muitas vezes, os passos pela vida em fora.”
343. Os que vemos em sonho, que nos testemunham afeto e que se nos apresentam
com desconhecidos semblantes, são alguma vez os Espíritos amigos que nos seguem os
passos na vida?
“Muito freqüentemente são eles que vos vêm visitar, como ides visitar um
encarcerado.”
União da alma e do corpo
344. Em que momento a alma se une ao corpo?“A união começa na concepção, mas só é completa por ocasião do nascimento.
Desde o instante da concepção, o Espírito designado para habitar certo corpo a este se liga
por um laço fluídico, que cada vez mais se vai apertando até ao instante em que a criança vê
a luz. O grito, que o recém-nascido solta, anuncia que ela se conta no número dos vivos e
dos servos de Deus.”
345. É definitiva a união do Espírito com o corpo desde o momento da concepção?
Durante esta primeira fase, poderia o Espírito renunciar a habitar o corpo que lhe está
destinado?
“É definitiva a união, no sentido de que outro Espírito não poderia substituir o que
está designado para aquele corpo. Mas, como os laços que ao corpo o prendem são ainda
muito fracos, facilmente se rompem e podem romper-se por vontade do Espírito, se este
recua diante da prova que escolheu. Em tal caso, porém, a criança não vinga.”
346. Que faz o Espírito, se o corpo que ele escolheu morre antes de se verificar o
nascimento?
“Escolhe outro.”
a) - Qual a utilidade dessas mortes prematuras?
“Dão-lhes causa, as mais das vezes, as imperfeições da matéria.”
347. Que utilidade encontrará um Espírito na sua encarnação em um corpo que
morre poucos dias depois de nascido?
“O ser não tem então consciência plena da sua existência. Assim, a importância da
morte é quase nenhuma. Conforme já dissemos, o que há nesses casos de morte prematura é
uma prova para os pais.”
348. Sabe o Espírito, previamente, que o corpo de sua escolha não tem
probabilidade de viver?
“Sabe-o algumas vezes; mas, se nessa circunstância reside o motivo da escolha, isso
significa que está fugindo à prova.”
349. Quando falha por qualquer causa a encarnação de um Espírito, é ela suprida
imediatamente por outra existência?
“Nem sempre o é imediatamente. Faz-se mister dar ao Espírito tempo para proceder
a nova escolha, a menos que a reencarnação imediata corresponda a anterior determinação.”
350. Uma vez unido ao corpo da criança e quando já lhe não é possível voltar
atrás, sucede alguma vez deplorar o Espírito a escolha que fez?
“Perguntas se, como homem, se queixa da vida que tem? Se desejara que outra fosse
ela? Sim. Se se arrepende da escolha que fez? Não, pois não sabe ter sido sua escolha.
Depois de encarnado, não pode o Espírito lastimar uma escolha de que não tem consciência.
Pode, entretanto, achar pesada demais a carga e considerá-la superior às suas forças. É
quando isso acontece que recorre ao suicídio.”
351. No intervalo que medeia da concepção ao nascimento, goza o Espírito de
todas as suas faculdades?
“Mais ou menos, conforme o ponto, em que se ache, dessa fase, porquanto ainda não
está encarnado, mas apenas ligado. A partir do instante da concepção, começa o Espírito
tomado de perturbação, que o adverte de que lhe soou o momento de começar nova
existência corpórea. Essa perturbação cresce de contínuo até ao nascimento, Nesse
intervalo, seu estado é quase idêntico ao de um Espírito encarnado durante o sono. À
medida que a hora do nascimento se aproxima, suas idéias se apagam, assim como a
lembrança do passado, do qual deixa de ter consciência na condição, de homem, logo que entra na vida. Essa lembrança, porém, lhe volta pouco a pouco ao retornar ao estado de Espírito.”
352. Imediatamente ao nascer recobra o Espírito a plenitude das suas faculdades?
“Não, elas se desenvolvem gradualmente com os órgãos. O Espírito se acha numa
existência nova; preciso é que aprenda a servir-se dos instrumentos de que dispõe. As idéias
lhe voltam pouco a pouco, como a uma pessoa que desperta e se vê em situação diversa da
que ocupava na véspera.”
353. Não sendo completa a união do Espírito ao corpo, não estando definitivamente
consumada, senão depois do nascimento, poder-se-á considerar o feto como dotado de
alma?
“O Espírito que o vai animar existe, de certo modo, fora dele. O feto não tem pois,
propriamente falando, uma alma, visto que a encarnação está apenas em via de operar-se.
Acha-se, entretanto, ligado à alma que virá a possuir.”
354. Como se explica a vida intra-uterina?
“É a da planta que vegeta. A criança vive vida animal. O homem tem a vida vegetal
e a vida animal que, pelo seu nascimento, se completam com a vida espiritual.”
355. Há, de fato, como o indica a Ciência, crianças que já no seio materno não são
vitais? Com que fim ocorre isso?
“Freqüentemente isso se dá e Deus o permite como prova, quer para os pais do
nascituro, quer para o Espírito designado a tomar lugar entre os vivos.”
356. Entre os natimortos alguns haverá que não tenham sido destinados à
encarnação de Espíritos?
“Alguns há, efetivamente, a cujos corpos nunca nenhum Espírito esteve destinado.
Nada tinha que se efetuar para eles. Tais crianças então só vêm por seus pais.”
a) - Pode chegar a termo de nascimento um ser dessa natureza?
“Algumas vezes; mas não vive.”
b) - Segue-se daí que toda criança que vive após o nascimento tem forçosamente
encarnado em si um Espírito?
“Que seria ela, se assim não acontecesse? Não seria um ser humano.”
357. Que conseqüências tem para o Espírito o aborto?
“É uma existência nulificada e que ele terá de recomeçar.”
358. Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação?
“Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja,
cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, por isso que
impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se
estava formando.”
359. Dado o caso que o nascimento da criança pusesse em perigo a vida da mãe
dela, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?
“Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe.”
360. Será racional ter-se para com um feto as mesmas atenções que se dispensam
ao corpo de uma criança que viveu algum tempo?
“Vede em tudo isso a vontade e a obra de Deus. Não trateis, pois,
desatenciosamente, coisas que deveis respeitar. Por que não respeitar as obras da criação,
algumas vezes incompletas por vontade do Criador? Tudo ocorre
segundo os seus desígnios e ninguém é chamado para ser juiz.”
Faculdades morais e intelectuais do homem
361. Qual a origem das qualidades morais, boas ou más, do homem?
“São as do Espírito nele encarnado. Quanto mais puro é esse Espírito, tanto mais
propenso ao bem é o homem.”
a) - Seguir-se-á daí que o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito e o
homem vicioso a de um Espírito mau?
“Sim, mas, dize antes que o homem vicioso é a encarnação de um Espírito
imperfeito, pois, do contrário, poderias fazer crer na existência de Espíritos sempre maus, a
que chamais demônios.”
362. Qual o caráter dos indivíduos em que encarnam Espíritos desassisados e
levianos?
“São indivíduos estúrdios, maliciosos e, não raro, criaturas malfazejas.”
363. Têm os Espíritos paixões de que não partilhe a Humanidade?
“Não, que, de outro modo, vo-las teriam comunicado.”
364. O mesmo Espírito dá ao homem as qualidades morais e as da inteligência?
“Certamente e isso em virtude do grau de adiantamento a que se haja elevado. O
homem não tem em si dois Espíritos.”
365. Por que é que alguns homens muito inteligentes, o que indica acharem-se
encarnados neles Espíritos superiores, são ao mesmo tempo profundamente viciosos?
“É que não são ainda bastante puros os Espíritos encarnados nesses homens, que,
então, e por isso, cedem à influência de outros Espíritos mais imperfeitos. O Es pírito progride em insensível marcha ascendente, mas o progresso não se efetua simultaneamente em todos os sentidos. Durante um período da sua existência, ele se adianta em ciência; durante outro, em moralidade.”
366. Que se deve pensar da opinião dos que pretendem que as diferentes faculdades
intelectuais e morais do homem resultam da encarnação, nele, de outros tantos Espíritos,
diferentes entre si, cada um com uma aptidão especial?
“Refletindo, conhecereis que é absurda. O Espírito tem que ter todas as aptidões.
Para progredir, precisa de uma vontade única. Se o homem fosse um amálgama de
Espíritos, essa vontade não existiria e ele careceria de individualidade, pois que, por sua
morte, todos aqueles Espíritos formariam um bando de pássaros escapados da gaiola.
Queixa-se, amiúde, o homem de não compreender certas coisas e, no entanto, curioso é verse
como multiplica as dificuldades, quando tem ao seu alcance explicações muito simples e
naturais. Ainda neste caso tomam o efeito pela causa. Fazem, com relação à criatura
humana, o que, com relação a Deus, faziam os pagãos, que acreditavam em tantos deuses
quantos eram os fenômenos no Universo, se bem que as pessoas sensatas, com eles
coexistentes, apenas viam em tais fenômenos efeitos provindos de uma causa única -
Deus.”
O mundo físico e o mundo moral nos oferecem, a este respeito, vários pontos de
semelhança. Enquanto se detiveram na aparência dos fenômenos, os cientistas acreditaram
fosse múltipla a matéria. Hoje, compreende-se ser bem possível que tão variados
fenômenos consistam apenas em modificações da matéria elementar única. As diversas
faculdades são manifestações de uma mesma causa, que é a alma, ou do Espírito encarnado,
e não de muitas almas, exatamente como diferentes sons do órgão, os quais procedem todos
do ar e não de tantas espécies de ar, quantos os sons. De semelhante sistema decorreria que,
quando um homem perde ou adquire certas aptidões, certos pendores, isso significaria que
outros tantos Espíritos teriam vindo habitá-lo ou o teriam deixado, o que o tornaria um ser
múltiplo, sem individualidade e, conseguintemente, sem responsabilidade. Acresce que o contradizem
numerosíssimos exemplos de manifestações de Espíritos, em que estes provam suas
personalidades e identidade.
Influência do organismo
367. Unindo-se ao corpo, o Espírito se identifica com a matéria?“A matéria é apenas o envoltório do Espírito, como o vestuário o é do corpo.
Unindo-se a este, o Espírito conserva os atributos da natureza espiritual.”
368. Após sua união com o corpo, exerce o Espírito, com liberdade plena, suas
faculdades?
“O exercício das faculdades depende dos órgãos que lhes servem de instrumento. A
grosseria da matéria as enfraquece.”
a) - Assim, o invólucro material é obstáculo à livre manifestação das faculdades do
Espírito, como um vidro opaco o é à livre irradiação da luz?
“É, como vidro muito opaco.”
Pode-se comparar a ação que a matéria grosseira exerce sobre o Espírito à de um
charco lodoso sobre um corpo nele mergulhado, ao qual tira a liberdade dos movimentos.
369. O livre exercício das faculdades da alma está subordinado ao desenvolvimento
dos órgãos?
“Os órgãos são os instrumentos da manifestação das faculdades da alma,
manifestação que se acha subordinada ao desenvolvimento e ao grau de perfeição dos
órgãos, como a excelência de um trabalho o está à da ferramenta própria à sua execução.”
370. Da influência dos órgãos se pode inferir a existência de uma relação entre o
desenvolvimento dos do cérebro e o das faculdades morais e intelectuais?
“Não confundais o efeito com a causa. O Espírito dispõe sempre das faculdades que
lhe são próprias. Ora, não são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas que
impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.”
a) - Dever-se-á deduzir daí que a diversidade das aptidões entre os homens deriva
unicamente do estado do Espírito?
“O termo - unicamente - não exprime com toda a exatidão o que ocorre. O princípio
dessa diversidade reside nas qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos adiantado.
Cumpre, porém, se leve em conta a influência da matéria, que mais ou menos lhe cerceia o
exercício de suas faculdades.”
Encarnado, traz o Espírito certas predisposições e, se se admitir que a cada uma
corresponda no cérebro um órgão, o desenvolvimento desses órgãos será efeito e não causa.
Se nos órgãos estivesse o princípio das faculdades, o homem seria máquina sem livrearbítrio
e sem a responsabilidade de seus atos. Forçoso então fora admitir-se que os maiores
gênios, os sábios, os poetas, os artistas, só o são porque o acaso lhes deu órgãos especiais,
donde se seguiria que, sem esses órgãos, não teriam sido gênios e que, assim, o maior dos
imbecis houvera podido ser um Newton, um Vergílio, ou um Rafael, desde que de certos
órgãos se achassem providos. Ainda mais absurda se mostra semelhante hipótese, se a
aplicarmos às qualidades morais. Efetivamente, segundo esse sistema, um Vicente de
Paulo, se a Natureza o dotara de tal ou tal órgão, teria podido ser um celerado e o maior dos
celerados não precisaria senão de um certo órgão para ser um Vicente de Paulo. Admita-se,
ao contrário, que os órgãos especiais, dado existam são conseqüentes, que se desenvolvem
por efeito do exercício da faculdade, como os músculos por efeito do movimento, e a
nenhuma conclusão irracional se chegará. Sirvamo-nos de uma comparação trivial à força
de ser verdadeira. Por alguns sinais fisionômicos se reconhece que um homem tem o vício
da embriaguez. Serão esses sinais que fazem dele um ébrio, ou será a ebriedade que nele
imprime aqueles sinais? Pode dizer-se que os órgãos recebem o cunho das faculdades.
Idiotismo, loucura
371. Tem algum fundamento o pretender-se que a alma dos cretinos e dos idiotas éde natureza inferior?
“Nenhum. Eles trazem almas humanas, não raro mais inteligentes do que supondes,
mas que sofrem da insuficiência dos meios de que dispõem para se comunicar, da mesma
forma que o mudo sofre da impossibilidade de falar.”
372. Que objetivo visa a providência criando seres desgraçados, como os cretinos e
os idiotas?
“Os que habitam corpos de idiotas são Espíritos sujeitos a uma punição. Sofrem por
efeito do constrangimento que experimentam e da impossibilidade em que estão de se
manifestarem mediante órgãos não desenvolvidos ou desmantelados.”
a) - Não há, pois, fundamento para dizer-se que os órgãos nada influem sobre as
faculdades?
“Nunca dissemos que os órgãos não têm influência. Têm-na muito grande sobre a
manifestação das faculdades, mas não são eles a origem destas. Aqui está a diferença. Um
músico excelente, com um instrumento defeituoso, não dará a ouvir boa música, o que não
fará que deixe de ser bom músico.”
Importa se distinga o estado normal do estado patológico. No primeiro, o moral
vence os obstáculos que a matéria lhe opõe. Há, porém, casos em que a matéria oferece tal
resistência que as manifestações anímicas ficam obstadas ou desnaturadas, como nos de
idiotismo e de loucura. São casos patológicos e, não gozando nesse estado a alma de toda a
sua liberdade, a própria lei humana a isenta da responsabilidade de seus atos.
373. Qual será o mérito da existência de seres que, como os cretinos e os idiotas,
não podendo fazer o bem nem o mal, se acham incapacitados de progredir?
“É uma expiação decorrente do abuso que fizeram de certas faculdades. É um
estacionamento temporário.”
a) - Pode assim o corpo de um idiota conter um Espírito que tenha animado um
homem de gênio em precedente existência?
“Certo. O gênio se torna por vezes um flagelo, quando dele abusa o homem.”
A superioridade moral nem sempre guarda proporção com a superioridade
intelectual e os grandes gênios podem ter muito que expiar. Daí, freqüentemente, lhes
resulta uma existência inferior à que tiveram e uma causa de sofrimentos. Os embaraços
que o Espírito encontra para suas manifestações se lhe assemelham às algemas que tolhem
os movimentos a um homem vigoroso. Pode dizer-se que os cretinos e os idiotas são
estropiados do cérebro, como o coxo o é das pernas e dos olhos o cego.
374. Na condição de Espírito livre, tem o idiota consciência do seu estado mental?
“Freqüentemente tem. Compreende que as cadeias que lhe obstam ao vôo são prova
e expiação.”
375. Qual, na loucura, a situação do Espírito?
“O Espírito, quando em liberdade, recebe diretamente suas impressões e diretamente
exerce sua ação sobre a matéria. Encarnado, porém, ele se encontra em condições muito
diversas e na contingência de só o fazer com o auxílio de órgãos especiais. Altere-se uma
parte ou o conjunto de tais órgãos e eis que se lhe interrompem, no que destes dependam, a
ação ou as impressões. Se perde os olhos, fica cego; se o ouvido, torna-se surdo, etc.
Imagina agora que seja o órgão, que preside às manifestações da inteligência, o atacado ou
modificado, parcial ou inteiramente, e fácil te será compreender que, só tendo o Espírito a
seu serviço órgãos incompletos ou alterados, uma perturbação resultará de que ele, por si
mesmo e no seu foro íntimo, tem perfeita consciência, mas cujo curso não lhe está nas mãos
deter.”
a) - Então, o desorganizado é sempre o corpo e não o Espírito?
“Exatamente; mas, convém não perder de vista que, assim como o Espírito atua
sobre a matéria, também esta reage sobre ele, dentro de certos limites, e que pode acontecer
impressionar-se o Espírito temporariamente com a alteração dos órgãos pelos quais se
manifesta e recebe as impressões. Pode mesmo suceder que, com a continuação, durando
longo tempo a loucura, a repetição dos mesmos atos acabe por exercer sobre o Espírito uma
influência, de que ele não se libertará senão depois de se haver libertado de toda impressão
material.”
376. Por que razão a loucura leva o homem algumas vezes ao suicídio?
“O Espírito sofre pelo constrangimento em que se acha e pela impossibilidade em
que se vê de manifestar-se livremente, donde o procurar na morte um meio de quebrar seus
grilhões.”
377. Depois da morte, o Espírito do alienado se ressente do desarranjo de suas
faculdades?
“Pode ressentir-se, durante algum tempo após a morte, até que se desligue
completamente da matéria, como o homem que desperta se ressente, por algum tempo, da
perturbação em que o lançara o sono”.
378. De que modo a alteração do cérebro reage sobre o Espírito depois da morte?
“ Como uma recordação. Um peso oprime o Espírito e, como ele não teve a
compreensão de tudo o que se passou durante a sua loucura, sempre se faz mister um certo
tempo, a fim de se por ao corrente de tudo. Por isso é que, quanto mais durar a loucura no
curso da vida terrena, tanto mais lhe durará a incerteza, o constrangimento, depois da morte.
Liberto do corpo, o Espírito se ressente, por certo tempo, da impressão dos laços que àquele
o prendiam.”
A infância
379. É tão desenvolvido, quanto o de um adulto, o Espírito que anima o corpo deuma criança?
“Pode até ser mais, se mais progrediu. Apenas a imperfeição dos órgãos infantis o
impede de se manifestar. Obra de conformidade com o instrumento de que dispõe.”
380. Abstraindo do obstáculo que a imperfeição dos órgãos opõe à sua livre
manifestação, o Espírito, numa criancinha, pensa como criança ou como adulto?
“Desde que se trate de uma criança, é claro que, não estando ainda nela
desenvolvidos, não podem os órgãos da inteligência dar toda a intuição própria de um
adulto ao Espírito que a anima. Este, pois, tem, efetivamente, limitada a inteligência,
enquanto a idade lhe não amadurece a razão. A perturbação que o ato da encarnação produz
no Espírito não cessa de súbito, por ocasião do nascimento. Só gradualmente se dissipa,
com o desenvolvimento dos órgãos.”
Há um fato de observação, que apóia esta resposta. Os sonhos, numa criança, não
apresentam o caráter dos de um adulto. Quase sempre pueril é o objeto dos sonhos infantis,
o que indica de que natureza são as preocupações do respectivo Espírito.
381. Por morte da criança, readquire o Espírito, imediatamente, o seu precedente
vigor?
“Assim tem que ser, pois que se vê desembaraçado de seu invólucro corporal.
Entretanto, não readquire a anterior lucidez, senão quando se tenha completamente
separado daquele envoltório, isto é, quando mais nenhum laço exista entre ele e o corpo.”
382. Durante a infância sofre o Espírito encarnado, em conseqüência do
constrangimento que a imperfeição dos órgãos lhe impõe?
“Não. Esse estado corresponde a uma necessidade, está na ordem da Natureza e de
acordo com as vistas da Providência. É um período de repouso do Espírito.”
383. Qual, para este, a utilidade de passar pelo estado de infância?
“Encarnado, com o objetivo de se aperfeiçoar, o Espírito, durante esse período, é
mais acessível às impressões que recebe, capazes de lhe auxiliarem o adiantamento, para o
que devem contribuir os incumbidos de educá-lo.”
384. Por que é o choro a primeira manifestação da criança ao nascer?
“ Para estimular o interesse da genitora e provocar os cuidados de que há mister.
Não é evidente que se suas manifestações fossem todas de alegria, quando ainda não sabe
falar, pouco se inquietariam os que o cercam com os cuidados que lhe são indispensáveis?
Admirai, pois, em tudo a sabedoria da Providência.”
385. Que é o que motiva a mudança que se opera no caráter do indivíduo em certa
idade, especialmente ao sair da adolescência? É que o Espírito se modifica?
“É que o Espírito retoma a natureza que lhe é própria e se mostra qual era.
“Não conheceis o que a inocência das crianças oculta. Não sabeis o que elas são,
nem o que foram, nem o que serão. Contudo, afeição lhes tendes, as acaricias, como se
fossem parcelas de vós mesmos, a tal ponto que se considera o amor que uma mãe consagra
a seus filhos como o maior amor que um ser possa votar a outro. Donde nasce o meigo
afeto, a terna benevolência que mesmo os estranhos sentem por uma criança? Sabeis? Não.
Pois bem! Vou explicá-lo.”
“As crianças são os seres que Deus manda a novas existências. Para que não lhe
possam imputar excessiva severidade, dá-lhes Ele todos os aspectos da inocência. Ainda
quando se trata de uma criança de maus pendores, cobrem-se-lhe as más ações com a capa da inconsciência. Essa inocência não constitui superioridade real com relação ao que eram antes, não. É a imagem do que deveriam ser e, se não o são, o conseqüente castigo exclusivamente sobre elas recai.
“Não foi, todavia, por elas somente que Deus lhes deu esse aspecto de inocência; foi
também e sobretudo por seus pais, de cujo amor necessita a fraqueza que as caracteriza.
Ora, esse amor se enfraqueceria grandemente à vista de um caráter áspero e intratável, ao
passo que, julgando seus filhos bons e dóceis, os pais lhes dedicam toda a afeição e os
cercam dos mais minuciosos cuidados. Desde que, porém, os filhos não mais precisam da
proteção e assistência que lhes foram dispensadas durante quinze ou vinte anos, surge-lhes
o caráter real e individual em toda a nudez. Conservam-se bons, se eram fundamentalmente
bons; mas, sempre irisados de matizes que a primeira infância manteve ocultos.
“Como vedes, os processos de Deus são sempre os melhores e, quando se tem o
coração puro, facilmente se lhes apreende a explicação.
“Com efeito, ponderai que nos vossos lares possivelmente nascem crianças cujos
Espíritos vêm de mundos onde contraíram hábitos diferentes dos vossos e dizei-me como
poderiam estar no vosso meio esses seres, trazendo paixões diversas das que nutris,
inclinações, gostos, inteiramente opostos aos vossos; como poderiam enfileirar-se entre vós,
senão como Deus o determinou, isto é, passando pelo tamis da infância? Nesta se vêm
confundir todas as idéias, todos os caracteres, todas as variedades de seres gerados pela
infinidade dos mundos em que medram as criaturas. E vós mesmos, ao morrerdes, vos
achareis num estado que é uma espécie de infância, entre novos irmãos. Ao volverdes à
existência extraterrena, ignorareis os hábitos, os costumes, as relações que se observam
nesse mundo, para vós, novo. Manejareis com dificuldade uma linguagem que não estais
acostumado a falar, linguagem mais vivaz do que o é agora o vosso pensamento. (319)
“A infância ainda tem outra utilidade. Os Espíritos só entram na vida corporal para
se aperfeiçoarem, para se melhorarem. A delicadeza da idade infantil os torna brandos,
acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devam fazê-los progredir. Nessa fase é
que se lhes pode reformar os caracteres e reprimir os maus pendores. Tal o dever que Deus
impôs aos pais, missão sagrada de que terão de dar contas.
“Assim, portanto, a infância é não só útil, necessária, indispensável, mas também
conseqüência natural das leis que Deus estabeleceu e que regem o Universo.”
Simpatia e antipatia terrenas
386. Podem dos seres, que se conheceram e estimaram, encontrar-se noutra
existência corporal e reconhecer-se?
“Reconhecer-se, não. Podem, porém, sentir-se atraídos um para o outro. E,
freqüentemente, diversa não é a causa de íntimas ligações fundadas em sincera afeição. Um
do outro dois seres se aproximam devido a circunstâncias aparentemente fortuitas, mas que
na realidade resultam da atração de dois Espíritos, que se buscam reciprocamente por entre
a multidão.”
a) - Não lhes seria agradável reconhecerem-se?
“Nem sempre. A recordação das passadas existências teria inconvenientes maiores
do que imaginais. Depois de mortos, reconhecer-se-ão e saberão que tempo passaram
juntos.” (392)
387. A simpatia tem sempre por princípio um anterior conhecimento?
“Não. Dois Espíritos, que se ligam bem, naturalmente se procuram um ao outro, sem
que se tenham conhecido como homens.”
388. Os encontros, que costumam dar-se, de algumas pessoas e que comumente se
atribuem ao acaso, não serão efeito de uma certa relação de simpatia?
“Entre os seres pensantes há ligação que ainda não conheceis. O magnetismo é o
piloto desta ciência, que mais tarde compreendereis melhor.”
389. E a repulsão instintiva que se experimenta por algumas pessoas, donde se
origina?
“São Espíritos antipáticos que se adivinham e reconhecem , sem se falarem.”
390. A antipatia instintiva é sempre sinal de natureza má?
“De não simpatizarem um com o outro, não se segue que dois Espíritos sejam
necessariamente maus. A antipatia, entre eles, pode derivar de diversidade no modo de
pensar. À proporção irá desaparecendo e a antipatia deixará de existir.”
391. A antipatia entre duas pessoas nasce primeiro na que tem pior Espírito, ou na
que o tem melhor?
“Numa e noutra indiferentemente, mas distintas são as causas e os efeitos nas duas.
Um Espírito mau antipatiza com quem quer que possa julgar e desmascarar. Ao ver pela
primeira vez uma pessoa, logo sabe que vai ser censurado. Seu afastamento dessa pessoa se
transforma em ódio, em inveja e lhe inspira o desejo de praticar o mal. O bom Espírito
sente repulsão pelo mau, por saber que este o não compreenderá o porque díspares dos dele
são os seus sentimentos. Entretanto, consciente da sua superioridade, não alimenta ódio,
nem inveja contra o outro. Limita-se a evitá-lo e a lastimá-lo.”
Esquecimento do passado
392. Por que perde o Espírito encarnado a lembrança do seu passado?“Não pode o homem, nem deve, saber tudo. Deus assim o quer em Sua sabedoria.
Sem o véu que lhe oculta certas coisas, ficaria ofuscado, como quem, sem transição, saísse do escuro para o claro.
Esquecido de seu passado ele é mais senhor de si. ”
393. Como pode o homem ser responsável por atos e resgatar faltas de que se não
lembra? Como pode aproveitar da experiência de vidas de que se esqueceu? Concebe-se
que as tribulações da existência lhe servissem de lição, se se recordasse do que as tenha
podido ocasionar. Desde que, porém, disso não se recorda, cada existência é, para ele,
como se fosse a primeira e eis que então está sempre a recomeçar. Como conciliar isto com
justiça de Deus?
“Em cada nova existência, o homem dispõe de mais inteligência e melhor pode
distinguir o bem do mal. Onde o seu mérito se se lembrasse de todo o passado? Quando o
Espírito volta à vida anterior (a vida espírita), diante dos olhos se lhe estende toda a sua
vida pretérita. Vê as faltas que cometeu e que deram causa ao seu sofrer, assim como de que
modo as teria evitado. Reconhece justa a situação em que se acha e busca então uma
existência capaz de reparar a que vem de transcorrer. Escolhe provas análogas às de que não
soube aproveitar, ou as lutas que considere apropriadas ao seu adiantamento e pede a
Espíritos que lhe são superiores que o ajudem na nova empresa que sobre si toma, ciente de
que o Espírito, que lhe for dado por guia nessa outra existência, se esforçará pelo levar a
reparar suas faltas, dando-lhe uma espécie de intuição das em que incorreu. Tendes essa
intuição no pensamento, no desejo criminoso que freqüentemente vos assalta e a que
instintivamente resistis, atribuindo, as mais das vezes, essa resistência aos princípios que
recebestes de vossos pais, quando é a voz da consciência que vos fala. Essa voz, que é a
lembrança do passado, vos adverte para não recairdes nas faltas de que já vos fizestes
culpados. Em a nova existência, se sofre com coragem aquelas provas e resiste, o Espírito
se eleva e ascende na hierarquia dos Espíritos, ao voltar para o meio deles.”
Não temos, é certo, durante a vida corpórea, lembrança exata do que fomos e do que
fizemos em anteriores existências; mas temos de tudo isso a intuição, sendo as nossas
tendências instintivas uma reminiscência do passado. E a nossa consciência, que é o desejo
que experimentamos de não reincidir nas faltas já cometidas, nos concita à resistência
àqueles pendores.
394. Nos mundos mais elevados do que a Terra, onde os que os habitam não se
vêem premidos pelas necessidades físicas, pelas enfermidades que nos afligem, os homens
compreendem que são mais felizes do que nós? Relativa é, em geral, a felicidade. Sentimola,
mediante comparação com um estado menos ditoso. Visto que, em suma alguns desses
mundos, se bem melhores do que o nosso, ainda não atingiram o estado de perfeição, seus
habitantes devem ter motivos de desgostos, embora de gênero diverso dos nossos. Entre
nós, o rico, conquanto não sofra as angústias das necessidades materiais, como o pobre,
nem por isso se acha isento de tribulações, que lhe tornam amarga a vida. Pergunto então:
Na situação em que se encontram, os habitantes desses mundos não se consideram tão
infelizes quanto nós, na em que nos vemos, e não se lastimam da sorte, olvidados de
existências inferiores que lhes sirvam de termos de comparação?
“Cabem aqui duas respostas distintas. Há mundos, entre os de que falas, cujos
habitantes guardam lembrança clara e exata de suas existências passadas. Esses,
compreendes, pedem e sabem apreciar a felicidade de que Deus lhes permite fruir. Outros
há, porém, cujos habitantes, achando-se, como dizes, em melhores condições do que vós na
Terra, não deixam de experimentar grandes desgostos, até desgraças. Esses não apreciam a
felicidade de que gozam, pela razão mesma de se não recordarem de um estado mais infeliz.
Entretanto, se não a apreciam como homens, apreciam-na como Espíritos.”
No esquecimento das existências anteriormente transcorridas, sobretudo quando
foram amarguradas, não há qualquer coisa de providencial e que revela a sabedoria divina?
Nos mundos superiores, quando o recordá-las já não constitui pesadelo, é que as vidas desgraçadas se apresentam à memória. Nos mundos inferiores, a lembrança de todas as que se tenham sofrido não agravaria as infelicidades presentes?
Concluamos, pois, daí que tudo o que Deus fez é perfeito e que não nos toca criticar-Lhe as
obras, nem Lhe ensinar como deveria ter regulado o Universo.
Gravíssimos inconvenientes teria o nos lembrarmos das nossas individualidades
anteriores. Em certos casos, humilhar-nos-ia sobremaneira. Em outros nos exaltaria o
orgulho, peando-nos em conseqüência, o livre-arbítrio. Para nos melhorarmos, dá-nos Deus
exatamente o que nos é necessário e basta: a voz da consciência e os pendores instintivos.
Priva-nos do que nos prejudicaria. Acrescentemos que, se nos recordássemos dos nossos
precedentes atos pessoais, igualmente nos recordaríamos dos outros homens, do que
resultariam talvez os mais desastrosos efeitos para as relações sociais. Nem sempre
podendo honrar-nos do nosso passado, melhor é que sobre ele um véu seja lançado. Isto
concorda perfeitamente com a doutrina dos Espíritos acerca dos mundos superiores à Terra.
Nesses mundos, onde só reina o bem, a reminiscência do passado nada tem de dolorosa. Tal
a razão por que neles as criaturas se lembram da sua antecedente existência, como nos
lembramos do que fizemos na véspera. Quanto à estada em mundos inferiores, não passa
então, como já dissemos, de mau sonho.
395. Podemos ter algumas revelações a respeito de nossas vidas anteriores?
“Nem sempre. Contudo, muitos sabem o que foram e o que faziam. Se se lhes
permitisse dizê-lo abertamente, extraordinárias revelações fariam sobre o passado.”
396. Algumas pessoas julgam ter vaga recordação de um passado desconhecido,
que se lhes apresenta como a imagem fugitiva de um sonho, que em vão se tenta reter. Não
há nisso simples ilusão?
“Algumas vezes, é uma impressão real; mas também, freqüentemente, não passa de
mera ilusão, contra a qual precisa o homem por-se em guarda, porquanto pode ser efeito de
superexcitada imaginação.”
397. Nas existências corpóreas de natureza mais elevada do que a nossa, é mais
clara a lembrança das anteriores?
“Sim, à medida que o corpo se torna menos material, com mais exatidão o homem
se lembra do seu passado. Esta lembrança, os que habitam os mundos de ordem superior a
têm mais nítida.”
398. Sendo os pendores instintivos uma reminiscência do seu passado, dar-se-á que,
pelo estudo desses pendores, seja possível ao homem conhecer as faltas que cometeu?
“Até certo ponto, assim é. Preciso se torna, porém, levar em conta a melhora que se
possa ter operado no Espírito e as resoluções que ele haja tomado na erraticidade. Pode
suceder que a existência atual seja muito melhor que a precedente.”
a) - Poderá também ser pior, isto é, poderá o Espírito cometer, numa existência,
faltas que não praticou em a precedente?
“Depende do seu adiantamento. Se não souber triunfar das provas, possivelmente
será arrastado a novas faltas, conseqüentes, então, da posição que escolheu. Mas, em geral,
estas faltas denotam mais um estacionamento que uma retrogradação, porquanto o Espírito
é suscetível de se adiantar ou de parar, nunca, porém, de retroceder.”
399. Sendo as vicissitudes da vida corporal expiação das faltas do passado e, ao
mesmo tempo, provas com vistas ao futuro, seguir-se-á que da natureza de tais vicissitudes
se possa deduzir de que gênero foi a existência anterior?
“Muito amiúde é isso possível, pois que cada um é punido naquilo por onde pecou.
Entretanto, não há que tirar daí uma regra absoluta. As tendências instintivas constituem
indício mais seguro, visto que as provas por que passa o Espírito o são, tanto pelo que
respeita ao passado, quanto pelo que toca ao futuro.”
Chegando ao termo que a Providência lhe assinou à vida na erraticidade, o próprio
Espírito escolhe as provas a que deseja submeter-se para apressar o seu adiantamento, isto
é, escolhe meios de adiantar-se e tais provas estão sempre em relação com as faltas que lhe
cumpre expiar. Se delas triunfa, eleva-se; se sucumbe, tem que recomeçar.
O Espírito goza sempre do livre-arbítrio. Em virtude dessa liberdade é que escolhe,
quando desencarnado, as provas da vida corporal e que, quando encarnado, decide fazer ou
não uma coisa procede à escolha entre o bem e o mal. Negar ao homem o livre-arbítrio fora
reduzi-lo à condição de máquina.
Mergulhando na vida corpórea, perde o Espírito, momentaneamente, a lembrança de
suas existências anteriores, como se um véu as cobrisse. Todavia, conserva algumas vezes
vaga consciências, lhe podem ser reveladas. Esta revelação, porém, só os Espíritos
superiores espontaneamente lhe fazem, com um fim útil, nunca para satisfazer a vã
curiosidade.
As existências futuras, essas em nenhum caso podem ser reveladas, pela razão de
que dependem do modo por que o Espírito se sairá da existência atual e da escolha que
ulteriormente faça.
O esquecimento das faltas praticadas não constitui obstáculo à melhoria do Espírito,
porquanto, se é certo que este não se lembra delas com precisão, não menos certo é que a
circunstância de as ter conhecido na erraticidade e de haver desejado repará-las o guia por
intuição e lhe dá a idéia de resistir ao mal, idéia que é a voz da consciência, tendo a
secundá-la os Espíritos superiores que o assistem, se atende às boas inspirações que lhe dão.
O homem não conhece os atos que praticou em suas existências pretéritas, mas pode
sempre saber qual o gênero das faltas de que se tornou culpado e qual o cunho
predominante do seu caráter. Bastará então julgar do que foi, não pelo que é, sim, pelas suas
tendências.
As vicissitudes da vida corpórea constituem expiação das faltas do passado e,
simultaneamente, provas com relação ao futuro. Depuram-nos e elevam-nos, se as
suportamos resignados e sem murmurar.
A natureza dessas vicissitudes e das provas que sofremos também nos podem
esclarecer acerca do que fomos e do que fizemos, do mesmo modo que neste mundo
julgamos dos atos de um culpado pelo castigo que lhe inflige a lei.
Assim, o orgulhoso será castigado no seu orgulho, mediante a humilhação de uma
existência subalterna; o mau-rico, o avarento, pela miséria; o que foi cruel para os outros,
pelas crueldades que sofrerá; o tirano, pela escravidão; o mau filho, pela ingratidão de seus
filhos; o preguiçoso, por um trabalho forçado, etc.
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